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Origem e princípios da teoria das inteligências múltiplas

2.2. Teoria das inteligências múltiplas de Gardner

2.2.1. Origem e princípios da teoria das inteligências múltiplas

Binet foi o pai dos psicométricos com tudo o que se prende aos testes de inteligência mas, apesar de durante muito tempo estes terem sido bem sucedidos, as questões que se prendem com inteligência estão a enfrentar desafios. Muitos, educadores e alguns psicólogos, consideram que a inteligência é demasiado importante para ser deixada só aos psicométricos (Gardner, 2006d). Assim alguns investigadores alargaram a amplitude do constructo inteligência e propuseram muitas inteligências, incluindo a emocional e a social.

E o que é inteligência? E como deverá ser avaliada? E como é que os nossos conceitos de inteligência encaixam com o que nós valorizamos sobre os seres humanos?

Em 1979 a Fundação Bernard Van Leer, de Haia (Holanda), entregou a um grupo de investigadores de Harvard, a realização de um estudo sobre um tema de grande relevância: a natureza do potencial humano e a sua concretização (Gardner, 1995, 2006f). Gardner, um dos elementos do grupo, formado em psicologia evolutiva, empreendeu com fervor esta iniciativa começando por fazer uma retrospetiva e uma compilação de tudo o que as ciências humanas já haviam estabelecido acerca da natureza da condição humana.

39 Além disso, quando começou o estudo, que culminou em 1983 com a publicação do livro Frames of Mind, Gardner considerou a iniciativa como uma oportunidade para sintetizar as suas investigações sobre o que acontece a indivíduos normais ou talentosos que têm o infortúnio de sofrerem algum tipo de danos cerebrais, tentando entender a organização das capacidades humanas no cérebro e, também a oportunidade para explorar outras linhas de investigação que não contemplavam, por exemplo, qualquer menção às artes dentro da psicologia académica (Gardner, 2006f).

Gardner (2010), refere que no início da sua carreira seguiu a tradição de Piaget, Vygotsky e Bruner e que se considerava parte dessa comunidade académica, tendo mesmo como ponto de partida particular as teorias influentes de Piaget, que acreditava no potencial de cada um, no saber fazer e que considerava que o pensamento humano tentava alcançar o ideal de pensamento científico e a conceção predominante de inteligência, que ligava à habilidade para proporcionar respostas sucintas de forma rápida a problemas que implicavam habilidades linguísticas e lógicas. No entanto, como salienta, se não tivesse trabalhado junto de crianças normais e sobredotadas e de crianças que tendo nascido sem problemas sofreram algum tipo de danos cerebrais, ele provavelmente nunca teria concebido e desenvolvido a teoria das inteligências múltiplas. Teria continuado a acreditar na ortodoxia do quociente de inteligência, que como ele salienta, defende que nascemos com um determinado potencial intelectual que é, em grande parte, herdável e o qual os psicométricos consideram ser capazes de, administrando testes nesse campo, nos dizer qual o nível de inteligência que nos é atribuído. Entretanto, no seu trabalho, Gardner deparou-se com exceções evidentes a essa situação, encontrando indivíduos com danos cerebrais cuja linguagem tinha sido muito afetada, mas que conseguiam bons resultados em contextos desconhecidos e pacientes com danos cerebrais com dificuldades em termos espaciais, mas que conseguiam realizar todos os tipos de tarefas linguísticas. Questões idênticas surgiram nos seus estudos com crianças pequenas, uma vez que, estas podem ter um desempenho excelente em poesia, ficção e expressão oral, por exemplo, mas ter dificuldades para desenhar uma pessoa, uma planta ou um avião.

No livro Frames of Mind, Gardner (1983), salienta que durantes anos, e ainda atualmente, muitos são os que na sua vida realizaram testes de inteligência, mas numa sociedade em que alguns indivíduos são treinados noutras áreas que não as que são valorizadas pelos testes de inteligência, não os podemos considerar inteligentes nessas áreas? Não são indivíduos altamente competentes num determinado campo? Neste caso, apenas se se expandir e reformular o ponto de vista do que é considerado como intelecto humano seremos capazes de encontrar formas mais adequadas de avaliar e formas mais eficazes de educar.

É com esta visão que Gardner, em 1983, descreve uma nova teoria de competências intelectuais humanas. Esta teoria desafia a visão clássica da inteligência que a maioria de nós interiorizou explicitamente (a partir de textos de psicologia ou educação) ou implicitamente (por viver numa cultura com uma visão forte, mas possivelmente circunscrita, de inteligência). Assim, Gardner começou, em 1983, por definir inteligência como a capacidade

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para resolver problemas ou criar produtos que são valorizados num ou em vários contextos culturais. Duas décadas depois redefiniu a sua definição considerando “inteligência como um potencial biopsicológico para processar informações que podem ser ativadas num cenário cultural de resolução de problemas ou criar produtos que são valorizados numa dada cultura” (Gardner, 1999, p. 34). As inteligências não são coisas que podem ser vistas mas em vez disso, são potenciais, que serão ou não ativados, dependendo dos valores de uma cultura particular, as oportunidades disponíveis nessa cultura e as decisões pessoais feitas pelos indivíduos e suas famílias, professores e outros elementos da comunidade educativa em que cada um se insere. A mudança despretensiosa no texto, que define inteligência, é importante porque sugere que as inteligências não são coisas que podem ser vistas ou contadas (podem não ser manifestadas e pode ser ativado o potencial). Portanto, Gardner (1999) alerta para o facto de que as inteligências não devem ser consideradas em termos avaliadores. O melhor é pensar que a posse de uma inteligência equivale a um potencial.

Deste modo, para Gardner (1983, 1997) todos nós possuímos, em algum grau, toda a gama de inteligências, mas diferimos nos perfis específicos e nas forças e fraquezas que exibimos e embora em algumas pessoas diferentes inteligências tendem a ser mais fortes que outras, cada um tem a capacidade de ativar todas as inteligências em situações distintas ou a usar combinações diferentes (Kelly e Tangney, 2006). Mas se as diferenças tornam a vida mais interessante também dificultam o trabalho na escola, pois se todos nós temos diferentes tipos de mentes, então é simplesmente inadequado que na escola, por exemplo, se ensine a todos da mesma maneira.

Consequentemente, como enfatiza Gardner (1997) muito do que aprendemos no passado da biologia, da psicologia e da antropologia contradiz diretamente a noção que muitos têm de inteligência. Da biologia, aprendemos que, quando se trata de seres humanos, é possível separar a genética de fatores ambientais. Da psicologia, aprendemos que os seres humanos possuem muitas e diferentes faculdades intelectuais e que estas têm uma considerável independência umas das outras. Da antropologia, aprendemos que outras culturas fazem suposições muito diferentes sobre a motivação e a aprendizagem humana. Como tal, este autor refere que procurando uma perspetiva alternativa acerca da inteligência, desenvolveu a teoria das inteligências múltiplas que se baseia numa síntese de informação sobre seres humanos, incluindo o conhecimento do desenvolvimento do cérebro, resultados obtidos a partir de grupos especiais, identificação de habilidades e competências que são apreciadas em culturas muito diferentes da nossa, inclusive os que não são valorizados pela escola.

Em resumo, Gardner (1983) propôs uma teoria de inteligências, desenhada para proporcionar um modelo positivo dos diferentes pontos fortes intelectuais exibidos pelo homem. Na sua componente mais forte, a teoria das inteligências múltiplas propõe um conjunto pequeno de potências intelectuais humanos, que todos os indivíduos podem ter em virtude de pertencerem à espécie humana. Devido à hereditariedade, treino prematuro ou, com toda a probabilidade, a interação constante entre estes fatores, alguns indivíduos

41 desenvolvem determinadas inteligências muito mais que outros; mas todo o indivíduo normal deveria desenvolver cada inteligência em certa medida, mesmo que só tivesse uma oportunidade modesta para o fazer. No decurso normal dos acontecimentos, as inteligências interatuam e desenvolvem-se desde o principio da vida, não sugerindo qualquer hierarquia intrínseca de habilidades nem, portanto, de direitos ou oportunidades, não havendo, qualquer número mágico para definir a multiplicidade de talentos humanos.