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Estabelecida a problemática do estudo e definidas as questões e os objectivos da investigação, segue-se a decisão sobre a metodologia do trabalho de investigação. Esta fase da organização do trabalho empírico envolve o desenho da investigação, a definição de hipóteses e variáveis, a determinação da amostra, o método de recolha e as técnicas de tratamento de dados.

4.2.1. Estratégia metodológica

O mapeamento conceptual do trabalho é um aspeto importante para a compreensão das opções metodológicas e para a perceção do seu contributo na produção de conhecimento.

A investigação, que tem como elemento temático geral o Ensino Superior, tende a ser classificada segundo três perspetivas: (1) as áreas disciplinares, (2) as áreas temáticas e (3) os contextos institucionais (Teichler, 2000).

A amplitude e complexidade de fenómenos e aspetos que caracterizam o Ensino Superior, que podem ser objeto de investigação, levam à participação de diversas disciplinas e metodologias, o que torna o Ensino Superior um campo de investigação interdisciplinar (Teichler, 2003). Amaral e Magalhães (2007a) fazem notar como são múltiplos os contributos disciplinares (sociologia, psicologia, economia, história e outros) e de campos interdisciplinares (como a administração pública), tornando difícil estabelecer um quadro conceptual único e estável, dentro de limites disciplinares bem definidos. A possibilidade de um problema ser estudado por mais de uma disciplina científica abre a possibilidade de receber contributos que enriquecem a investigação. Perceber esses contributos permite orientar a revisão do conhecimento já existente e a nova pesquisa sobre o problema (Pocinho, 2012). Esta tese assume a importância do contributo de várias disciplinas do conhecimento, para o estudo da diversidade, que cruzam as fronteiras dos discursos sociológico e político, com um contributo conceptual da biologia.

Teichler (1996) sintetiza as múltiplas áreas temáticas, dentro do quadro geral do Ensino Superior, através do que descreve como as quatro “esferas do conhecimento”: (1) aspetos quantitativo-estruturais; (2) aspetos relacionados com o conhecimento e a sua utilização; (3) aspetos relacionados com os stakeholders e com os processos de ensino e aprendizagem; e (4) aspetos relacionados com as instituições, organizações e governança. Às diferentes “esferas do conhecimento” correspondem preferências de abordagem distintas por diferentes áreas disciplinares (Teichler, 2000). Contudo, a regra não é a exclusividade nas abordagens, mas sim a

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interdisciplinaridade. Uma qualquer disciplina científica não está vinculada a uma dada temática e cada temática recebe contributos de várias disciplinas (Teichler, 2005a).

A diversificação e outros aspetos de caracterização e análise da evolução do sistema de Ensino Superior são tópicos incluídos na “esfera” quantitativo-estrutural.

Numa revisão de modos de classificação da investigação em torno do Ensino Superior, Tight (2003) propõe uma classificação das temáticas de investigação, em torno do Ensino Superior, segundo oito clusters: (1) ensino e aprendizagem, (2) design da formação académica, (3) experiências académicas dos estudantes, (4) qualidade, (5) políticas relacionadas com o sistema, (6) gestão institucional, (7) trabalho académico e (8) conhecimento.

Embora não tenha de haver uma vinculação estrita das temáticas a níveis da hierarquia do sistema de Ensino Superior, o mapeamento da investigação, neste domínio, é importante para perceber as implicações em termos da viabilidade e das metodologias aplicáveis (Tight, 2003). Assim, Tight (2003) propõe, também, uma tipologia segundo sete categorias hierárquicas de análise: (1) o indivíduo, estudante ou académico; (2) a disciplina (course) ou o grupo de estudantes e professores envolvidos; (3) o departamento ou grupo de docentes e os respetivos alunos; (4) a instituição; (5) o país, correspondendo ao sistema nacional de Ensino Superior; (6) o sistema de Ensino Superior em termos abstratos, sem a especificidade de qualquer país; e (7) o plano internacional, envolvendo dois ou mais sistemas nacionais concretos.

Usando as tipologias propostas por Tight (2003), ao abordar as políticas relacionadas com o sistema, este trabalho aponta para o plano nacional, em termos do nível de análise, e insere-se no cluster das políticas relacionadas com o sistema.

Amaral e Magalhães (2007a) invocam uma proposta de Roger Dale (1986), a qual identifica três orientações para os projetos de investigação em educação: (1) o projeto centrado na perspetiva social, de melhoria de condições de vida e, por isso, centrado nas políticas nacionais e com carácter de intervenção social; (2) o projeto de análise política, centrado nos modos de aumentar a eficiência na implementação de políticas, e a eficácia da sua concretização, independentemente do seu conteúdo; (3) o projeto de ciências sociais, o qual não tem objetivos funcionais, ou seja, mais preocupado com o desenvolvimento de explicações sobre os fenómenos do que o apoio à decisão ou à intervenção social.

Amaral e Magalhães (2007a) salientam, também, que, daqueles três raciocínios estruturantes da investigação, as preocupações e objetivos com uma perspetiva social são dominantes no campo do Ensino Superior, embora haja um aumento rápido dos projetos de análise política (com um carácter mais funcional para a tomada de decisão). Porém, como afirmam os mesmos autores, a deriva para a prática (practical drift) constitui um obstáculo à construção de teorias explicativas. Daqui resulta uma mudança, em termos de campos de investigação, da investigação do Ensino Superior (research of) para a investigação para o Ensino Superior (research for). Enquanto a primeira se foca no exame e análise dos processos e transformações que ocorrem no Ensino Superior, bem como nos efeitos desses processos, a segunda centra-se na necessidade de produzir recomendações e fornecer aos decisores políticos, aos

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administradores e aos gestores, informação e dados para apoio aos processos de governança (Amaral & Magalhães, 2007a). Esta mudança no foco da investigação está associada a uma mudança de paradigma no Ensino Superior: com a consolidação do Ensino Superior de massas, há uma valorização de aspetos relacionados com a gestão, com a capacidade de sobrevivência num ambiente de competição e com a sustentabilidade das próprias instituições (e um desvio de atenção para o nível micro, da instituição individual) (Amaral & Magalhães, 2007a). A preocupação com o carácter funcional da investigação sobre o Ensino Superior é expressa por Teichler (2003, 48), ao afirmar que a investigação deve ser “estratégica”. Este carácter “estratégico” da investigação revela uma preocupação funcional ou utilitária da investigação, e evidencia a multiplicidade e permeabilidade de interesses: o mesmo tema pode interessar a académicos e a decisores políticos ou institucionais.

Tomando em consideração aquela tipologia, a intenção interpretativa assumida por este estudo, permite caracterizá-lo como um “projeto de ciências sociais”, na medida em que centra o seu interesse primariamente na compreensão e interpretação de um processo. Contudo, face à noção de “carácter estratégico”, referido por Teichler (2003), não podemos excluir outro valor prático e complementar, como contributo para a discussão política e para antecipar ou prever resultados de opções políticas atuais. A compreensão do processo histórico e a perspetiva de contributo para a antecipação de futuros desenvolvimentos do sistema de Ensino Superior, requerem o conhecimento do modo como a diversidade tem evoluído e a identificação de possíveis padrões de expressão da diversidade.

4.2.2. Desenho da investigação

O desenho de uma investigação corresponde ao plano e ao conjunto dos procedimentos, que se estendem desde a formulação das ideias gerais, até à descrição detalhada dos métodos de recolha e de análise de dados (Creswell, 2009).

Há três tipos genéricos de abordagens de investigação: quantitativa, qualitativa e mista. A abordagem quantitativa permite testar uma teoria, a partir do estabelecimento de hipóteses e da análise da relação entre variáveis. É possível gerar dados numéricos, que são analisados com recurso a métodos estatísticos (Creswell, 2009). Também podem ser usados dados qualitativos, que são convertidos em valores numéricos e analisados estatisticamente (Teddlie & Tashakkori, 2006). A abordagem qualitativa permite compreender o sentido atribuído por indivíduos, ou grupos, a problemas humanos e sociais. O processo de investigação envolve, tipicamente, a colocação de questões, a recolha de dados sobre os indivíduos ou grupos em contexto e a análise dos dados numa perspetiva indutiva, geradora de uma interpretação teórica (Creswell, 2009). Também neste caso pode haver conversão de dados, ou seja, podem ser recolhidos dados quantitativos que são depois transformados e analisados como dados qualitativos (Teddlie & Tashakkori, 2006).

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A abordagem mista combina metodologias quantitativas e qualitativas, de um modo integrado e coerente e não apenas como um somatório da recolha e análise autónoma dos dois tipos de dados (Creswell, 2007).

Apesar das diferenças fundamentais entre as abordagens quantitativa e qualitativa, estas não devem ser entendidas como meros polos opostos de abordagem da investigação (Creswell, 2009). A partir da análise dos métodos “mistos”, Johnson, Onwegbuzie, & Turner (2007) consideram existir um continuum entre abordagens puramente quantitativas e puramente qualitativas. Nesse continuum existe uma multiplicidade de abordagens, tendo como centro uma perspetiva que confere igual estatuto aos métodos quantitativo e qualitativo.

Qualquer das três abordagens ou designs de investigação (quantitativo, qualitativo e misto – ou melhor, “mistos”) pode ser definida a partir da interseção de três aspetos fundamentais: (1) o paradigma ou perspetiva filosófica, (2) a estratégia de investigação, e (3) o(s) método(s) ou procedimentos específicos de recolha, análise e interpretação dos dados (Creswell, 2009).

O paradigma ou perspetiva filosófica, subjacente a qualquer das abordagens ou designs de investigação, corresponde a um conjunto de crenças ou pressupostos, que refletem o posicionamento do investigador e determinam a sua ação, ou seja, corresponde a uma orientação sobre a realidade e a natureza da investigação (Creswell, 2007; 2009). Neste campo, o investigador posiciona-se numa linha de continuidade, algures entre a perspetiva dominante na abordagem quantitativa e a perspetiva dominante na abordagem qualitativa:

 Quanto à natureza da realidade (ontologia) – a realidade como algo objetivo e absoluto, que pode ser confirmado e exposto, ou uma realidade subjetiva e múltipla;

 Quanto à relação entre o investigador e o objeto investigado (epistemologia) – a observação do objeto à distância ou a aproximação deliberada ao objeto e ao seu contexto de desenvolvimento.

Creswell (2007; 2009) identifica quatro paradigmas fundamentais: (1) pós-positivismo, (2) construtivismo, (3) sócio-crítico/emancipatório e (4) pragmatismo.

O pragmatismo é o paradigma que mais se ajusta à abordagem de investigação caracterizada pela utilização de métodos mistos. Este paradigma caracteriza-se, desde logo, pela sua não vinculação a posições filosóficas sobre a realidade (Creswell, 2007). O pragmatismo centra-se no problema e nos resultados da investigação, isto é, na capacidade de dar resposta a problemas concretos, pelo que assume a liberdade do investigador para escolher os métodos e o processo que melhor responda à finalidade da investigação (Creswell, 2007). Rocco, Bliss, Gallagher, & Pérez-Prado (2003) vão mais adiante e afirmam a crença na complementaridade dos métodos, mais do que apenas na sua compatibilidade. Consideram que há um compromisso, a priori, de utilização de metodologias tradicionalmente adotadas pelos paradigmas pós-positivista e construtivista. Integrar aqueles paradigmas e explorar a sua complementaridade permite uma sinergia de benefícios e uma compreensão mais ampla dos fenómenos (Greene, Caracelli, & Graham, 1989; Onwerbuzie & Leech, 2007; Rocco et al., 2003). Em vez de disputa pela superioridade entre as abordagens qualitativa e quantitativa, a abordagem centrada nos “métodos

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mistos” assume o desafio de adequar o paradigma e os métodos de investigação aos interesses, questões e temas colocados à investigação (Rocco et al., 2003).

Os métodos mistos adotam três tipos genéricos de estratégia de investigação: (1) estratégia sequencial, em que o investigador procura afinar ou expandir o conhecimento gerado pelo uso de um método, com a aplicação de outro método em sequência; (2) estratégia de simultaneidade, em que o investigador aplica dois métodos em simultâneo e integra os resultados dos dois métodos e a sua interpretação global; e (3) estratégia transformativa, investigação dirigida para a ação e orientada por valores sociais (Creswell, 2009).

Greene et al. (1989) propuseram uma tipologia para o propósito (purpose) ou função dos métodos mistos: (1) triangulação, (2) complementaridade, (3) desenvolvimento, (4) iniciação e (5) expansão. Esta tipologia não define modelos ideais de investigação. Um dado estudo pode apresentar características que tornem difícil a sua alocação a um só daqueles tipos. Trata-se, afinal, de uma tipologia de orientação para a etapa fundamental do desenho da investigação; a estratégia adotada num estudo pode não corresponder a um daqueles tipos em exclusivo, mas antes responder a dois propósitos ou funções (Greene et al., 1989).

Tendo por base o quadro conceptual descrito, acerca do desenho da investigação, estamos em condições de delinear o esquema geral desta investigação.

Considerando as questões formuladas e os objetivos traçados para esta tese, tornou-se evidente a insuficiência de uma abordagem metodológica focada estritamente na quantificação de elementos constituintes do sistema de Ensino Superior, ou apenas numa análise de posições políticas. A existência de limitações é uma condição inerente a qualquer método de recolha ou de análise de dados, o que permite olhar para os métodos mistos como uma forma de produzir investigação mais robusta (Rocco et al., 2003). Como tal, adotamos uma estratégia metodológica assente na conjugação de métodos, ou seja, uma metodologia mista. A investigação está dividida em três etapas ou estudos, a que correspondem elementos de análise distintos.

A estratégia de investigação adotada é, conceptualmente, de simultaneidade, dado que os diferentes objetos requerem metodologias de abordagens distintas e não há aplicação de mais do que uma técnica de observação a cada objeto de estudo. Apesar disso, foi adotada uma abordagem sequencial no trabalho, tendo este sido dividido em três etapas que não se excluem mutuamente no tempo. A posição, por nós assumida, foi a de considerar que os dados produzidos em cada etapa poderiam informar a organização operacional e a pesquisa de informação na etapa seguinte. Como exemplo, partimos dos Programas de Governo com as suas expressões de intenção política para orientar a pesquisa e leitura crítica da legislação produzida por esses mesmos Governos. Ao mesmo tempo, a informação recolhida numa etapa poderia sugerir uma nova revisão de tópicos incluídos na etapa anterior. Como exemplo neste caso, recorremos aos indicadores de diversidade para verificar/confirmar aspetos políticos.

As etapas foram materializadas em estudos, dado que lhes correspondem fontes de dados, objetos de estudo e métodos distintos. Na primeira etapa, utilizamos um método de carácter qualitativo, análise de conteúdo, e envolve a análise de Programas de Governo, no

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sentido de identificar o contexto de propostas políticas no período temporal em que a diversidade será apreciada. A segunda etapa e estudo também se reveste de carácter qualitativo, análise documental, para apreciação da legislação produzida, segundo um conjunto de indicadores pré- definidos. O método adotado para a terceira etapa é de carácter quantitativo e destina-se à determinação da diversidade e construção de séries temporais. Esta fase envolveu atividade preparatória, em paralelo com a análise documental, para determinação dos indicadores de diversidade que depois são aplicados.

A metodologia mista adotada faz com que este trabalho apresente algumas características associadas às metodologias qualitativas: múltiplas formas de informação e um desenho que permite uma evolução permanente das questões e instrumentos (Creswell, 2009). A partir da tipologia proposta por Greene et al. (1989), torna-se, para nós, evidente que a utilização de métodos mistos neste trabalho tem um propósito de complementaridade, a partir da combinação de métodos quantitativo e qualitativo, em que um dos métodos (qualitativo) é usado para tentar interpretar os resultados obtidos pela aplicação de outro método (quantitativo). Ao mesmo tempo, também há um propósito de desenvolvimento, na medida em que a aplicação de um método dá pistas importantes, por exemplo para seleção de indicadores a usar noutra etapa.

Em síntese, este trabalho, e as três etapas que o compõem, procura esclarecer a coerência entre três elementos sequenciais organizadores do sistema de Ensino Superior: (1) a intenção, traduzida na declaração política (os Programas de Governo); (2) a decisão, que toma corpo pela legislação produzida (diplomas legais sobre o sistema); e (3) a concretização, na forma das instituições/estabelecimentos criados pelo próprio Estado (sectores público e militar/policial) ou a que este dá oportunidade de existência (Privado – Particular e Cooperativo; Concordatário) em respeito pelo quadro jurídico de regulação.

4.2.3. Hipóteses, variáveis e descritores

A primeira questão de investigação enunciada refere-se à evolução da diversidade no sistema de Ensino Superior em Portugal. A partir desta questão, com um carácter descritivo, sugiram duas hipóteses de trabalho.

Uma das hipóteses decorre do pressuposto de que há uma efetiva influência da posição política e ideológica do Governo, que vai determinar o modo como o sistema se estrutura.

H1. A diversidade sistémica varia de acordo com o ambiente ideológico do Governo.

A segunda hipótese refere-se ao papel de compromissos políticos que, pela sua amplitude transnacional, ultrapassam os eventuais interesses políticos nacionais na determinação de mudanças no sistema.

H2. Em condições de implementação de um quadro jurídico de referência, e das medidas de organização e avaliação do sistema associadas, no âmbito da participação do sistema nacional de Ensino Superior num processo de reforma transnacional, a diversidade sistémica não varia de acordo com o ambiente ideológico do Governo.

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Para selecionar as variáveis que servem como descritores do sistema e, a partir delas, medir a diversidade, identificamos elementos de caracterização do sistema. Consideramos relevantes variáveis que descrevem a estrutura organizacional.

A partir dos objetivos específicos e das variáveis consideradas, definimos um conjunto de indicadores quantitativos. A partir do objetivo específico “descrever a evolução da diversidade no sistema de Ensino Superior em Portugal”, é definido o descritor (1) diversidade sistémica. A partir do objetivo específico “identificar a diversidade como ideia e argumento no discurso político sobre o Ensino Superior”, surge o descritor (2) diversidade nas propostas do Governo. Do objetivo específico “identificar os fatores de promoção no quadro jurídico do Ensino Superior”, surge o descritor (3) elementos jurídicos para a organização do sistema.

4.3. Estudo 1 – Análise de programas de Governo –