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A diversidade no Ensino Superior é uma característica que surge habitualmente na literatura e no discurso político com uma conotação tacitamente positiva. O discurso identitário das instituições apresenta muitas vezes, de modo mais ou menos explícito, a menção à diversidade como forma de marcar a identidade institucional. Isto acontece mesmo que o discurso oscile entre essa ideia da diversidade e uma outra ideia ou preocupação de convergência (ou talvez mais de conformidade legal e normativa) com os princípios subjacentes ao quadro normativo do Ensino

A diversidade no Ensino Superior

Superior, como forma de assegurar a sua integração no sistema. Teichler (2008a) afirma que, mesmo em sistemas de Ensino Superior relativamente homogéneos, a homogeneidade absoluta não existe, pois há sempre algumas formas de diversidade horizontal e vertical.

Como afirma Birnbaum (1983), é uma característica assumida como boa, mas coloca uma questão fundamental: porque é que a diversidade é importante? E responde com a afirmação: “Because it ensures a system of higher education that is at once stable and responsive to the demands of its social environments (Birnbaum, 1983, p.x). Contudo Riesman (1975), ao discutir sobre o Ensino Superior norte-americano salienta que o pluralismo (seja dentro de um sistema público, seja entre setores público e privado) não significa necessariamente uma vantagem para o estudante, sobretudo se nesse quadro não existir uma opção de oferta que corresponda às condições e expectativas do estudante (por exemplo, em termos do custo real de frequência, da qualidade do ensino e das mais-valias futuras dessa formação). Riesman afirma que a diversidade não é um valor per se, mas apenas em contextos específicos.

Podemos colocar-nos, como ponto de partida, numa posição neutra e questionar se a diversidade é em si mesmo uma característica boa no Ensino Superior, e se a diversidade é uma característica favorável ao desenvolvimento das Instituições de Ensino Superior. Subjacentes àquelas questões estão algumas dúvidas sobre a utilidade da diversidade para as instituições e para o sistema, e sobre a bondade do argumento para o discurso político e institucional. No primeiro caso, um aspeto gerador da dúvida surge da apreciação do modo como diversas entidades, de que se destacam as organizações de representação profissional, pressionam as Instituições de Ensino Superior para que gerem um “produto” que se enquadre na visão que aquelas entidades têm acerca do que devem ser os profissionais e, sobretudo, do que devem ser os diplomados que chegam ao mundo profissional. Num contexto de procura limitada por razões demográficas e de excesso de oferta educativa em algumas áreas do conhecimento e da técnica, a que acrescem dificuldades de emprego por se ter excedido a capacidade de integração profissional instalada, as Instituições de Ensino Superior podem considerar que precisam de valorizar o aspeto do potencial acrescido de integração profissional (a “empregabilidade”) que decorre da frequência e concretização dos seus cursos. Quanto à eventual bondade do discurso político, há preocupações latentes, por exemplo sobre a qualidade científica e pedagógica e sobre a organização do trabalho académico, associadas à capacidade das instituições de lidar com as adversidades, isto é, com as mudanças do contexto político e económico e com os seus reflexos na ação e pressões do Estado e do mercado de Ensino Superior. Em qualquer caso, é sempre necessário perceber e identificar claramente qual a forma de “diversidade” de que se está a falar e perceber até que ponto ao discurso sobre as virtudes da diversidade corresponde um interesse real para os stakeholders.

É importante enquadrar temporalmente o quadro de afirmações sobre os benefícios da diversidade. Ainda no início da década de 70 do séc. XX, nos EUA discutiam-se já as consequências do processo de massificação do Ensino Superior (Trow, 1973) e a eventual transição para um estado de “Ensino Superior universal”, quando em muitos países europeus o

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processo de massificação ainda estava em curso (caso do Reino Unido) ou ainda estava numa fase muito incipiente (como no caso português, mais no plano dos objetivos do que da realidade).

Stadtman (1980) identifica vários benefícios da diversidade, centrada no domínio da diversidade institucional: (1) aumenta a amplitude de escolhas disponíveis para os candidatos; (2) torna o Ensino Superior praticamente acessível a todos, apesar de diferenças entre indivíduos (3) compatibiliza a educação com as necessidades, objetivos, estilos de aprendizagem, ritmo e aptidão de cada estudante; (4) permite selecionar as missões e delimitar as atividades que são consistentes com a sua localização, recursos, níveis de formação e clientes institucionais; (5) permite responder às pressões da sociedade que é, em si mesma, caracterizada por grande complexidade e diversidade; e (6) é uma pré-condição para a autonomia das Instituições de Ensino Superior, pois quanto maiores as diferenças entre as instituições mais difícil é para uma autoridade central converter essas instituições em instrumentos de doutrinação ideológica em vez de agentes de educação. Birnbaum (1983) organiza os argumentos segundo três planos que representam três áreas de relação das Instituições de Ensino Superior (Quadro 3).

Quadro 3: Planos de argumentação a favor da diversidade (Birnbaum, 1983)

Plano dos

argumentos Sentido dos argumentos Áreas de relação das instituições

Institucional Engloba aspetos da organização e da vida interna das instituições. Relações das instituições com os seus “clientes”/utilizadores/atores.

Da sociedade

Referem-se à projeção externa de funções políticas, sociais e económicas das Instituições de Ensino Superior, indo além dos seus objetivos mais estritamente educacionais.

Relações das instituições com outros sistemas da sociedade.

Sistémica Refere-se ao conjunto de fatores que afetam a capacidade do sistema educativo permanecer como um todo estável, mesmo quando ele evolui em resposta a mudanças no seu ambiente.

Relações das instituições entre si, enquanto elementos do sistema de Ensino Superior

Birnbaum tem o cuidado de salientar que as três perspetivas de relação se interconectam e as suas fronteiras não são muito claras. Deste modo, elas podem partilhar argumentos e a própria categorização apresentada pode apresentar alguma arbitrariedade (Birnbaum, 1983).

O plano “institucional” engloba aspetos da organização e da vida interna das instituições, seja na perspetiva interna de satisfação de interesses dos atores académicos, seja na perspetiva de capacidade de resposta aos problemas que essas instituições têm de enfrentar. Quanto às relações no plano “da sociedade”, Birnbaum (1983) faz notar que as instituições de Ensino Superior não estão limitadas à função educacional, mas também servem interesses de carácter político, social e económico. O plano “sistémico” é desenvolvido por Birnbaum a partir do pressuposto conceptual de que o Ensino Superior é um sistema aberto, formado por subsistemas que são as instituições individuais (aqui Birnbaum insiste na perspetiva da instituição como elemento fundamental da concretização da missão do Ensino Superior), capazes de funcionar de modo coordenado, mesmo na ausência de uma estrutura formal de coordenação. Neste sentido, os argumentos no plano sistémico referem-se ao conjunto de fatores que afetam a capacidade do sistema de Ensino Superior permanecer como um todo estável, mesmo quando ele evolui em

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resposta a mudanças no ambiente de desenvolvimento. Os argumentos invocados são quatro: (1) Assegura a manutenção e evolução do sistema, beneficiando da condição de sistema aberto e da coexistência de mecanismos de coordenação do todo e da diferenciação das partes, permitindo a sua especialização em certas atividades e a resposta a necessidades e exigências específicas; (2) permite dar resposta a novos nichos de mercado, sendo o nicho uma combinação de recursos potencialmente utilizáveis pelas instituições académicas, e que podem evoluir com o tempo à medida que as condições do meio mudam; (3) assegura a capacidade de resposta do sistema e uma reserva ou potencial de desenvolvimento; e (4) permite a renovação do sistema e não implica necessariamente a sobrevivência de toda e cada uma das instituições que o formam.

Van Vught (1996), parte da perspetiva dos sistemas sociais abertos e analisa, também, o Ensino Superior como sistema, colocando a ênfase sobre a diversidade externa. Van Vught sintetiza e adapta os argumentos de Birnbaum, e identifica sete argumentos fundamentais. Assim, a diversidade: (1) fornece uma condição para a mobilidade social; (2) permite uma resposta às necessidades do mercado de trabalho; (3) serve as necessidades políticas de grupos de interesses; (4) permite a combinação do Ensino Superior de elite e de massas ou, como expressa Correia et al. (2002), permite a manutenção de instituições de elite num sistema massificado de ensino; (5) permite aumentar o nível de eficácia das instituições (neste caso, a especialização institucional é vista como uma condição que permite concentrar a atenção e recursos na prossecução dos objetivos institucionais); (6) cria oportunidades para a experimentação e inovação (experimentação de baixo risco e de menor custo); e (7) o aumento da diversidade de um sistema é uma estratégia importante para ir ao encontro das necessidades dos estudantes.

Singh (2008) organiza as razões lógicas a favor da diversidade e da diferenciação segundo duas linhas de argumentação política: uma decorre da ideia de bem público e justiça social, outra desenvolve-se em torno da eficiência e eficácia do sistema. Singh (2008) alerta, no entanto, para um cuidado essencial de evitar que os argumentos de bem público e justiça social não fiquem remetidos a um mero carácter simbólico, e que sejam subjugados por argumentos relacionados com o desempenho e resultados do processo. Tal pode acontecer simplesmente porque os indicadores para estes tipos de argumentos são mais diretos e fáceis de determinar. Outro cuidado refere-se à negociação de interesses e valorização de argumentos, como no confronto entre o argumento do acesso mais alargado, como elemento de oportunidade social, e os argumentos da qualidade do ensino e meritocrático no acesso ao Ensino Superior.

A generalidade dos argumentos apresentados, que se referem aos estudantes, centra-se na oportunidade de acesso ao Ensino Superior e na consequente possibilidade de mobilidade social, nomeadamente a ascensão a novos patamares de oportunidade e realização social e económica. Quanto aos argumentos políticos, ou enfatizam aspetos de organização do Ensino Superior (quer estrutural, quer em matérias relacionadas com a sua coordenação – nacional ou transnacional – ou gestão de recursos) ou enfatizam o contributo económico (mesmo que através de um discurso “social”) para a sociedade. Há uma outra perspetiva sobre a diversidade e os processos associados que faz convergir a argumentação sobre os estudantes e a argumentação

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política num campo de realização ideológica. Para Cross e Cloete (1999) a diversidade pode ser entendida como uma pluralidade de identidades determinadas pela representação cultural e não necessariamente uma enunciação de diferenças entre os indivíduos. Nesta perspetiva norte- americana de diversidade, as instituições de Ensino Superior adquirem importância maior como espaço para acolher a diversidade e para a prática da democracia, locais onde as questões de tolerância, inclusão, acesso e desigualdades estruturais da sociedade podem ser abertamente debatidas, locais para o exercício da cidadania democrática e resolução de tensões sociais.

Teichler (2008a) apresenta, ainda, uma lista de argumentos que podem ser encontrados nos discursos a favor da “diversidade interinstitucional vertical”. Entre eles incluem-se aspetos como a facilitação da aprendizagem mediante ambientes institucionais homogéneos, como reflexo e em respeito pela diversidade de estudantes, a par da motivação pela desigualdade, ou seja, a promoção do esforço pela expectativa de desigualdade de recompensa. No plano institucional, os argumentos envolvem a capacidade de as instituições se centrarem na sua missão, com interação mais ampla e produtiva entre departamentos, e de conferir proteção e privilégios às instituições de maior valor no acesso aos recursos necessários para prosseguir essa qualidade (Teichler, 2008a). O discurso em favor da diversidade é, para Singh (2008), uma questão de “fé política” num bem político, associada de forma otimística a uma gama ampla de benefícios individuais, institucionais e sistémicos. Stadtman (1980) é peremptório ao afirmar que a diversidade nem sempre é benéfica: (1) por vezes frustra os esforços para estabelecer padrões uniformes de aquisição educacional; (2) acentua diferenças entre as pessoas ao ponto de tornar difícil ensinar e sustentar valores e práticas éticas comuns; e (3) leva a que sejam adotados cursos e procedimentos sem interesse mas apenas porque são novidade e marcam uma diferença. Entretanto, Teichler (2008a) faz notar que embora não haja muitas evidências sobre os perigos de uma “sobrediversificação” (Teichler centra-se na estratificação do sistema), existem alguns argumentos a apontar nesse sentido. Marcar de forma extrema a diversidade, ou seja, acentuar as diferenças entre as instituições tem como consequência imediata um reforço do seu afastamento em termos de prestígio, recursos e qualidade, concentradas no pólo de elite do sistema. Isto acaba por contrariar os esforços no sentido da oferta de oportunidades a grupos socialmente mais desfavorecidos, contribuindo ainda mais para a exclusão social, desencoraja a diversificação horizontal, pois muitos académicos passam a focar-se na tentativa de imitar as formas de elite, e acaba por gerar mais desencorajamento e desmoralização entre académicos e estudantes, pelas dificuldades e poucas expectativas de progresso real, em vez de uma mobilização para resultados mais favoráveis em termos da melhoria das suas condições de vida académica.

É importante que não se confunda o efeito potencial com o efeito real da diversidade e dos processos associados (Guri-Rosenblit, Sebková, & Teichler, 2007). Para isso é preciso perceber se e qual a forma de diversidade que é mais adequada a um determinado contexto, quais os fatores e condições disponíveis que permitem a sua implementação, e se se consegue lidar eventuais consequências não antecipadas e não desejadas da diferenciação (Singh, 2008).

A diversidade no Ensino Superior

2.3. Condições de balanço entre divergência e convergência