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torna-se essencial perceber quais as condições fundamentais que, de facto, podem favorecer a instalação e/ou manutenção de um estado de diversidade ou, pelo contrário, podem conduzir à convergência dos elementos sob análise. Um aspeto importante neste campo é a constatação de que a condições aparentemente semelhantes podem corresponder desfechos distintos ou mesmo opostos, em termos de divergência/convergência num sistema. Isto realça a necessidade de apreciar as condições em contexto (social, económico, cultural e, sobretudo, político), o que torna difícil estabelecer padrões, embora na literatura se encontre uma dicotomia entre dois contextos políticos em torno do Ensino Superior: por um lado, alguns sistemas europeus em que o papel do Estado é muito forte na determinação das condições de organização e funcionamento do sistema; por outro lado, o sistema norte-americano (latu sensu) em que há uma maior ênfase na responsabilidade e autonomia das instituições para dar resposta aos desafios da sociedade.

Stadtman (1980), ao abordar a persistência da diversidade, refere dois processos. Primeiro, a vontade e o esforço das instituições para se demarcarem face às restantes, por meio de uma ação conservadora ou por meio da inovação. Segundo, quando há uma tendência isomórfica das instituições, que procuram mimetizar outras mas funcionam em ritmos diferentes de implementação, do que resulta a manutenção de diferença permanente entre as entidades, mesmo que cada uma tenha uma forma diferente em momentos distintos no tempo.

Trow (1973) estabelece uma ligação entre a diversificação e os fenómenos de democratização e massificação do sistema. Parece haver um duplo argumento político/ideológico e de resposta aos interesses mais específicos dos candidatos ao Ensino Superior. O aumento do número de candidatos e estudantes significa um aumento da diversidade no que se refere à sua origem social, motivações, expectativas, interesses e desempenho escolar prévio. Esta multiplicidade de características coloca pressão sobre o sistema no sentido de diversificar a oferta educativa, nomeadamente em termos dos cursos e da organização e metodologias pedagógicas (Trow, 1973). Acerca da variedade de condições contextuais e efeitos, Guri-Rosenblit et al. (2007) afirmam que, em muitos países, a diversificação ocorre em comum com o alargamento do acesso ao Ensino Superior, mas a diversificação não é per se suficiente para que um sistema se massifique. A flexibilidade é fundamental para assegurar a equidade dos estudantes no Ensino Superior. A igualdade de oportunidades requer que o sistema tenha a flexibilidade suficiente para permitir aos estudantes a mobilidade interna entre sectores e a mobilidade externa entre países. Quanto maior a diversidade e maior a flexibilidade de um sistema, maior a possibilidade de se tornar um sistema de massas ou mesmo um sistema universal (Guri-Rosenblit et al., 2007).

Varghese & Püttmann (2011) consideram que há uma associação entre os fenómenos de expansão e diversificação dos sistemas de Ensino Superior e apontam cinco condições que contribuem para a diversificação dos sistemas:

A diversidade no Ensino Superior

 A expansão da escolaridade, em particular do ensino secundário, produz um efeito de “pipeline” para o Ensino Superior.

 Os valores democráticos e igualitários prevalentes em muitas sociedades promovem a igualdade de oportunidades, no acesso e na na capacidade de frequentar e concluir os cursos. Há alargamento da base de origem social dos candidatos e maior amplitude de aspirações, motivações, interesses e capacidade económica para os estudantes se manterem no sistema.  O valor instrumental e operacional do conhecimento, ou seja, a valorização do conhecimento

diretamente mobilizável com interesse económico. A economia do conhecimento não significa apenas dar mais valor ao conhecimento, mas sim ao conhecimento que contribua para a economia. Ao mesmo tempo, a produção de conhecimento torna-se uma atividade económica e as Instituições de Ensino Superior tornam-se entidades com valor no tecido económico.  A globalização e a economia do conhecimento, tendo em vista ganhos de competitividade

internacional, assentam na posse de maior qualificação e de conhecimento aplicável.

 A crescente especialização do conhecimento e da investigação desenvolvida quer nas instituições académicas, quer em outros laboratórios e entidades, de modo a responder a novos desafios e a uma maior capacidade de inovação.

Porém, Trow (1973) identifica dois grandes obstáculos à diversificação. Primeiro, um obstáculo institucional, que considera ser uma ameaça sentida pelas Instituições mais tradicionais aos seus padrões e valores, resultante de uma população estudantil crescente e sobretudo mais diversa. Em segundo, um obstáculo político, que decorre da ameaça sentida pelo poder central do Estado à ordem burocrática, como um desafio às normas de equidade e igualdade perante o Estado, como uma condição potencialmente geradora de anarquia académica e ameaça aos valores tradicionais do Ensino Superior (Trow, 1973).

A partir das características de organização política do Estado e da sua influência sobre o Ensino Superior, Trow (1973) salienta a forte pressão para a convergência que pode resultar da ação do Estado, reforçando a tendência das instituições de simplesmente convergirem em torno da forma e da prática dos modelos institucionais mais prestigiados, mesmo em contextos de expansão do Ensino Superior. O planeamento prescritivo corresponde a uma forma de planeamento político pelo Estado central, no qual as características fundamentais do sistema (forma e dimensão) e das Instituições de Ensino Superior (organização académica e oferta educativa) são definidas ou pelo menos fortemente condicionadas por órgãos centrais. Este planeamento é visto como uma forma pouco flexível de resposta a problemas que eventualmente venham a surgir e, assim, Trow aponta esta condição como um entrave à diversificação de um sistema. Por outro lado, o planeamento prescritivo baseia-se na análise de tendências evolutivas, de projeções sobre a procura do Ensino Superior e dos recursos disponíveis (Trow, 1973), o que pode ser a base para o lançamento de uma reforma do sistema.

Sobre o mesmo assunto, Burton Clark (1983), a partir da perspetiva sobre os grupos de interesses, justifica que, quanto à diversidade, os sistemas centralizados tendem a ser menos inovadores do que sistemas descentralizados em que há mais competição entre os interesses de

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novos grupos e os interesses dos elementos com maior poder e prestígio e socialmente legitimados. Adicionalmente, a centralização e formalização e a busca de eficiência restringem o poder distribuído entre grupos de interesses e concentram os mecanismos de controlo, pelo que acabam por reduzir a mudança organizacional. Nestas condições há menos agentes a tomar decisões e há, ao mesmo tempo, mais normas e mais sanções no sentido de forçar a aplicação dessas normas. Porém, Clark (1983) também faz notar que a diversificação/diferenciação não estão vinculadas a um modelo único de gestão do sistema de Ensino Superior e defende que a legitimação de novos sectores pode ocorrer em contextos de gestão pública distintos. Em condições de mercado, conjuntos de instituições que competem entre si podem encontrar nichos de financiamento, de pessoal e de clientes que as protejam e diferenciem positivamente. No entanto, é interessante que em sistemas em que há um forte controlo central pelo Estado, ao invés de uma oposição à diversidade, as entidades de Governo podem produzir normas legais especialmente dirigidas à criação de um novo sector. Scott (1995) refere o confronto entre a seletividade no planeamento top-down e a busca da equidade na iniciativa bottom-up.

Correia et al. (2002) atribuem ao Estado um “papel regulador imprescindível” na garantia da diversidade do sistema, embora tenha de ter sempre o cuidado de não resvalar para uma condição de regulamentação excessiva. Conforme referem os mesmos autores, tal papel deve-se à incapacidade dos mercados para produzir aquele efeito, pois a competição livre pode induzir uma tendência isomórfica. No mesmo sentido, Machado, Ferreira, Santiago, & Taylor (2008) realçam como o Processo de Bolonha foi aproveitado como oportunidade por parte de alguns Governos, nomeadamente no caso português, para iniciativas legislativas de reforço do sistema binário, enquanto elemento-chave para a manutenção da diversidade sistémica.

Clark (1983) considera a diferenciação/diversificação como uma expressão de um processo de mudança num sistema de Ensino Superior, o qual se torna mais complexo à medida que aumenta o número e complexidade das tarefas que lhe estão atribuídas. Essa mudança nas tarefas do sistema académico é provocada por: (1) diversidade de estudantes, (2) segmentação e evolução das profissões, e (3) emergência de novas disciplinas científicas ou de especializações.

Burton Clark faz notar como às três forças que identifica, está sempre subjacente um interesse, individual ou de grupo, em relação ao conhecimento especializado ou em relação às formas ou estruturas organizacionais que lhe dão suporte. A diversificação/diferenciação é a consequência de um realinhamento daqueles interesses através das forças de influência. Mas os interesses em jogo podem ser opostos e conflituantes. Em particular, há confronto entre os que desejam manter a estabilidade do sistema e das instituições e os que pretendem a mudança para ganhar poder e legitimidade e o resultado depende do poder relativo de cada fação. Numa situação de forte resistência interna à mudança, a diversificação/diferenciação pode ocorrer através da transferência das novas propostas de organização para novas formas institucionais (Clark, 1983). Assim, o confronto e a proteção de interesses podem funcionar quer como condição promotora, quer como condição antagónica da diversificação/diferenciação (Clark, 1983).

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Se houver um modelo dominante legitimado, a tendência das instituições e dos sectores é no sentido de imitar a forma e os papéis das instituições ou do setor mais prestigiado, como mecanismo de defesa e aquisição de legitimidade (académica, social ou outra). Como também refere Clark (1996), esta condição está na base de um processo de isomorfismo mimético, a “deriva académica” (academic drift), identificado em vários sistemas de Ensino Superior por todo o mundo, sobretudo na relação entre instituições de carácter politécnico e as Universidades mais tradicionais que funcionam como modelos académica e socialmente prestigiados. Face à permanência de nichos de mercado ou de funções necessárias que umas instituições ou sector declinam, surge um movimento complementar, em que são as Universidades a aproveitar os novos territórios de formação, dando origem a uma “deriva vocacional” ou “deriva profissional” (vocational/professional drift), embora com uma diferença fundamental que decorre da origem do movimento: no primeiro caso, à “deriva académica” corresponde uma certa tentativa de negação da identidade ou condição própria da instituição e associa-se às instituições politécnicas; no segundo caso, a “deriva vocacional” corresponde a uma ocupação de território de formação para obtenção de recursos, sem abandono da sua identidade e condição e do seu território original, sendo uma forma de contra-resposta por parte das instituições universitárias (Clark, 1996; Machado et al., 2008). No processo de deriva académica, as instituições podem querer muito mais do que aquilo que efetivamente conseguem obter, ou, por outras palavras, o resultado daquela deriva pode ser tão só uma fraca imitação das instituições que servem de modelo nesse processo (Clark, 1983). Huisman (1995; 1998) também aborda a ocorrência de fatores contrários à diversificação. Como refere, a diversificação/diferenciação e a homogeneização podem ser percebidas em termos das tensões nas relações de poder entre grupos de interesses e são influenciadas por características da profissão académica (como a adoção de modelos de desempenho profissional a partir de instituições mais prestigiadas que funcionam como referência) e pelas políticas de controlo governamental (Huisman, 1995; 1998).

Van Vught (1996) sintetiza a relação entre as instituições e o seu ambiente, que permite antever tendências no comportamento das instituições, na conclusão de que quanto maior a uniformidade das condições ambientais das organizações de Ensino Superior, ou maior a influência das normas e valores, menor o nível de diversidade do sistema. As vantagens da diversidade são inerentes ao modelo da ecologia das populações, na medida em que assume que quanto maior a variedade de tipos de instituições que formam um sistema de Ensino Superior, maior é a possibilidade de adequação entre as instituições e as condições do ambiente, mantendo assim a viabilidade do sistema. Contudo o ambiente não é estático e o facto de uma instituição estar bem adaptada às condições do meio num dado momento não significa que a seguir, face a mudanças no ambiente, essa mesma instituição não possa ficar em risco, e a ocorrência de mudança não significa um movimento linear no sentido de um aumento permanente da diversidade, pois o êxito de umas instituições pode funcionar como modelo para outras instituições criando-se um movimento mais num sentido isomórfico do que de aumento da diversidade. Se há a intenção de assegurar a diversidade do sistema, então a intervenção política é determinante, na

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medida em que permite a criação deliberada de condições ambientais variadas que forçarão as instituições, a partir da sua tendência de imitação de modelos, a seguirem caminhos diversos consoante as condições ambientais a que ficam sujeitas (Meek, Goedegebuure, Kivinen, & Rinne, 1996).

Uma parte importante das análises sobre as condições fundamentais que influenciam os processos de convergência ou de diferenciação/diversificação das instituições assentam em argumentos políticos, que vão ao encontro de preocupações e interesses de carácter social ou de regulação e controlo formal pelo Estado. Sobre o papel político do Estado, Neave (1996) aponta a ambiguidade possível da sua ação, na relação simultânea com as instituições nacionais e com as entidades supranacionais (como é o caso dos órgãos legisladores e de governo da União Europeia). Um exemplo é dado pela atuação de Estados que, ao mesmo tempo que parecem atuar como agentes de descentralização, invocando o princípio da subsidiariedade para se oporem ao que consideram uma tendência centralizadora, normativa e promotora da convergência institucional, por parte da União Europeia, parecem promover nos seus próprios países condições de centralização das decisões e de homogeneização das instituições.

Neave (1996) refere-se à “lei dos resultados antecipados” ao abordar a ação política de influência no sentido da aproximação de sistemas nacionais europeus, mesmo anterior à própria Declaração de Bolonha (1999). Através dessa ação, os supostos benefícios de uma convergência foram sendo infundidos nas instituições. Este fenómeno permitiu habituar as instituições à ideia de cooperação e de uma harmonização ou padronização que pode ser mais extensa do que seria tolerada se fosse apresentada de forma aberta e imediata, e permite preparar o terreno para iniciativas legislativas posteriores, o que Neave denomina “legitimação antecipatória”. A lei dos resultados antecipados é então um importante fator de mudança nos sistemas porque ao atuar ao nível das instituições dá a impressão de que as mudanças ocorrem a partir da base do sistema por iniciativa autónoma dessas instituições e não por qualquer constrangimento a partir dos níveis mais altos e complexos ou devido a pressão externa de entidades supranacionais (Neave, 1996).

Um fator de grande relevo nas últimas décadas, determinante na decisão política, capaz de afetar uma grande amplitude de parâmetros de organização e funcionamento das instituições e de todo o sistema de Ensino Superior, é o financiamento. Em particular, este fator tem revelado um forte poder sobre a diferenciação vertical (estratificação) das instituições. Como refere Sörlin (2007), existe uma tendência crescente de procura de soluções de financiamento das instituições com base na medida do seu desempenho, que permitam manter um financiamento de base para assegurar o funcionamento básico (por exemplo ao nível da formação dos estudantes) e, ao mesmo tempo, concretizar uma lógica de competitividade entre as instituições, assente em critérios de “excelência” e investigação e que se projeta no plano internacional.

Codling e Meek (2006), a partir da análise de diversos sistemas nacionais de Ensino Superior, congregam as forças de influência sobre o Ensino Superior que afetam a diversidade sistémica ou institucional (termos usados com o mesmo significado) em cinco grandes tipos: o

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ambiente, as políticas de intervenção, o financiamento, a competição/cooperação e a classificação segundo rankings (Quadro 4).

Quadro 4: Influência de diferentes fatores na diversidade sistémica

Fator Condição promotora da diversidade Condição promotora da convergência Ambiente Ambiente heterogéneo. Ambiente homogéneo.

Intervenção

política Forte intervenção para promover a diversidade. Sistemas binários fortemente regulados. Desregulação. Sistemas unitários.

Financiamento Incentivos financeiros orientados para a promoção da diversidade. Incentivos financeiros orientados para outros resultados. Competição e

cooperação

Competição em períodos de reduzida procura e constrangimentos económico.

Competição em períodos de grande procura e prosperidade económica. Cooperação.

Classificação (em

rankings) --- --- --- Isomorfismo mimético de instituições com posição baixa no ranking.

Adaptado de: Codling, A. & Meek, V.L. (2006). Twelve Propositions on Diversity in Higher Education. Higher Education Management and Policy, 18(3): 31-54.

A análise torna evidente que os mesmos fatores, considerados de modo isolado, podem surgir associados a processos de diversificação ou divergência e a processos de harmonização ou convergência. Então, o sentido do processo parece não depender tanto da simples presença de um ou outro fator, mas, pelo contrário, parece depender mais do modo e contexto em que esses fatores se combinam (Codling e Meek, 2006). Aqueles autores referem-se às relações entre as políticas governamentais e a autonomia das instituições como um continuum entre dois estados mutuamente exclusivos, em que a mais de um corresponde menos do outro: por um lado, situações em que o Estado apenas vai refletindo e dando alguma resposta a iniciativas das instituições (sistemas bottom-up); por outro lado, situações em que existe um governo central forte que controla amplamente as instituições, as quais se limitam a responderem às exigências colocadas pelo Governo do Estado (sistemas top-down). A situações de ausência de regulação pelo Estado, com maior autonomia das instituições e aposta na ideia de “mercado” estão associadas a momentos de maior procura e crescimento do mercado, mas nessas situações há uma tendência de deriva isomórfica no sistema (Codling e Meek, 2006). Na abordagem feita por Trow (1973) o papel do Estado central é visto como um entrave à diversidade, porque tende a ser demasiado prescritivo ou normativo, criando uma pressão no sentido da uniformidade, e politizado ao fazer depender as decisões do quadro ideológico no poder retirando autonomia às instituições.

A análise de Codling e Meek (2006) toma como referência vários sistemas de Ensino Superior e enfatiza o papel do Estado como elemento central de regulação, através das políticas públicas sobre o Ensino Superior, para assegurar um nível mínimo de diversidade no sistema. O Estado tem a possibilidade de forçar a diferenciação, usando o poder legislativo, e provocando, por exemplo, a binarização do sistema, o que permite satisfazer preocupações relacionadas com a equidade social (Guri-Rosenblit et al., 2007) ou com a ligação a um mercado de trabalho cada vez mais dinâmico, em que cabe a um dado tipo geral de instituições a missão de estabelecer ligações cada vez mais fortes com o tecido económico da sociedade (Neave, 2000).

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2.4. Períodos de desenvolvimento da diversidade do Ensino