• Nenhum resultado encontrado

As políticas de educação em geral, e de Ensino Superior em particular, não podem ser separadas das opções estratégicas dos Governos, quer pelas conceções sobre educação, quer pelo quadro social e económico em que a educação se realiza. Como tal, a diversidade no Ensino Superior deve ser contextualizada em termos de regime e de quadro governativo.

3.1.1. O Estado Novo e a visão da sociedade

Na sequência de um golpe militar, em 26 de Maio de 1926, que pôs fim à Iª República (Carvalho, 2008), e depois de um período de Ditadura militar e civil, o país permaneceu, desde 1933 (ano de aprovação da Constituição), até 1974, sob um regime corporativo e autoritário, o “Estado Novo”. O regime corporativo foi desenvolvido nos anos 30, por intelectuais católicos, a partir da doutrina social da Igreja (Caetano, 1974). Este regime corporativo de inspiração cristã assentava nas ideias de “união nacional” e “democracia social”, declarando um afastamento face a outros regimes totalitários, e à democracia assente na acção partidária; considerava também o corporativismo como uma via alternativa ao capitalismo e ao socialismo (Torgal, 1999). Na descrição de Heywood (2000, 2007), este tipo de corporativismo é classificado como autoritário ou Estatal. O ideário governativo do Estado Novo defendia um Estado forte mas não totalitário, procurando ao mesmo tempo afastar a sua imagem da imagem de outros Estados com os quais apenas haveria em comum o ideal corporativo (Torgal, 1999). Com uma conceção conservadora

Ensino Superior e diversidade em Portugal

de valores tradicionais (Hamann & Manuel, 1999), o fundamento do poder público e a origem da soberania encontra-se em Deus, ao invés da ideia de origem num contrato social ou na democracia popular. Acima de tudo estava a Nação, com os dogmas de Deus, Pátria e Família, uma entidade superior ao indívíduo e ao conceito liberal de “povo” como conjunto de indivíduos com direitos próprios e inalienáveis (Torgal, 1999). O posicionamento fundado no corporativismo de pensamento cristão funcionaria como uma “terceira via” face ao pleno liberalismo político e económico, e ao socialismo e comunismo; também permitiria marcar uma identidade nacional própria, e o distanciamento face aos regimes corporativos de cariz fascista, seus contemporâneos (Torgal, 1999). Enquanto regime corporativo, este sistema procurava integrar os interesses de grupos socioeconómicos e profissionais, organizados em entidades representativas e com grande poder negocial com o Estado. Salazar tomou medidas para despolitizar a sociedade civil de modo a que as estruturas sociais e as ideias democráticas e liberais não se sobrepusessem ao superior interesse da manutenção da estabilidade económica (Hamann & Manuel, 1999).

A Educação, desde a escola primária à Universidade, era entendida como uma via de modelar a sociedade, uma “revolução” em prol da conservação dos valores tradicionais, como forma de progresso tendo em vista o superior interesse da Nação (Torgal, 1999). A educação e, sobretudo, a instrução escolar eram obrigatórias e uma responsabilidade dos estabelecimentos oficiais, em cooperação com a família (como proclama a Constituição de 1933). Neste quadro, a Universidade era considerada um organismo corporativo, enquanto responsável por objectivos “científicos, culturais, artísticos ou de educação física” conforme a Constituição preconizava para os organismos corporativos (art.17º). Torgal (1999) descreve a Universidade no Estado Novo, como uma corporação orgânica, gerada através de legislação limitadora da autonomia e orientadora do pensamento ideológico.

Garrido (2008) identifica, no Estado Novo, um esforço para colocar a Universidade dentro do próprio Estado, processo justificado pela vocação da Universidade. Garrido afirma também que “se durante o salazarismo a Universidade continuou a ser a principal instituição pública de “cultura nacional”, a elite ditatorial aditou-lhe uma missão educativa e formativa, de natureza instrumental e fins reprodutores: formar a classe dirigente da Nação” (Garrido, 2008, p. 138).

A existência de partidos políticos legalizados e a realização de eleições legislativas em Portugal não é exclusiva da abertura democrática do regime após a Revolução de 1974. Contudo, durante o regime do Estado Novo, as eleições foram utilizadas “não para permitir mudanças de Governo, mas para confirmar a sua [António Salazar] permanência no poder” (Jalali, 2003, p. 546).

3.1.2. A mudança de regime político em Portugal – A democratização e o

quadro político-partidário

Logo após a revolução de 25 de Abril de 1974, os militares revoltosos, organizados no Movimento das Forças Armadas (MFA), adotaram um Programa de orientação política e estratégica (Programa do MFA), destinado a implementar um regime democrático pluralista.

Ensino Superior e diversidade em Portugal

Com exceção do PCP, partido fundado em 1921, a maioria dos partidos atuais que emergiram no palco político na época, foi criada em 1973, perto do final da era marcelista, ou já em 1974, imediatamente após a revolução (Lobo, 2000). Este facto parece ter tido uma influência grande no modo como os partidos se afirmaram durante a implementação do novo regime e no período de transição e estabilização política que se seguiu.

Marina Costa Lobo (2000) considera que o relacionamento entre os partidos políticos e o MFA passou por vários períodos distintos. A fase revolucionária ou de implantação do novo regime, que pode ser delimitada entre a Revolução (25/04/1974) e a aprovação da nova Constituição (25/04/1976). Foi marcada por forte tensão e conflito entre atores e interesses: entre uma linha neutra orientada para a mudança de regime e linhas com forte marca ideológica, sobretudo radicalizadas à esquerda. Lobo (2000) descreve o quadro como a reação dos partidos democráticos “para impedirem o controlo político do país pelos militares mais radicais do MFA”. Nesta fase, de entre os numerosos partidos e movimentos sociais, emergiram quatro partidos que viriam a manter uma posição dominante no confronto político parlamentar até à atualidade: o Partido Comunista Português (PCP), o Partido Socialista (PS), o Centro Democrático Social (CDS, depois Centro Democrático Social / Partido Popular, CDS/PP, a partir de 1993) e o Partido Popular Democrático (PPD, depois Partido Social Democrata, PSD, a partir de 1976). Implantado o novo regime democrátivo, Lobo (2000, p. 147) considera que “os partidos políticos desempenharam um papel crucial na democratização de Portugal, tanto na fase de transição como de consolidação”.

Na fase “de transição”, entendida entre 1976, quando tomou posse o Iº Governo Constitucional, até 1982, quando ocorreu uma revisão constitucional, os partidos políticos “afirmaram-se como os principais atores políticos, afastando gradualmente os militares de cargos políticos e institucionalizando a primazia das eleições como veículo de representação do eleitorado” (Lobo, 2000, p.147). A revisão constitucional de 1982 removeu a fonte de legitimidade militar-revolucionária e valorizou a fonte de legitimidade partidário-pluralista” (Lobo, 2000).

Apesar do pluralismo eleitoral e parlamentar, no processo de democratização em Portugal, o PS e o PPD/PSD tornaram-se os grandes protagonistas políticos (Lobo, 2000) eleitoralmente legitimados e que viriam a partilhar, em absoluto ou como líderes de coligações, o exercício do poder governativo no país até à atualidade. Em particular, entre 1987 e 2005, estes dois partidos obtiveram em conjunto mais de 70% dos votos nas várias eleições legislativas (Freire, 2005). Em consequência disto, para além de assegurarem alternadamente a maioria parlamentar, mesmo não sendo na maior parte das vezes uma maioria absoluta, estes dois partidos, de modo autónomo ou em coligações que lideraram, têm assegurado também a governação do país. Freire (2005) refere-se a um certo impulso do sistema partidário português no sentido do bipartidarismo. No quadro dos Governos Constitucionais, estes dois partidos apenas não lideraram formalmente três Governos (IIIº, IVº e Vº) de iniciativa presidencial. No entanto, pelo menos num dos casos o primeiro-ministro convidado era membro declarado de um daqueles partidos, tendo vindo a ser mais tarde Presidente do partido (IVº Governo, Mota Pinto, PSD) e a integrar como ministro um Governo de coligação com o PS (IXº Governo).

Ensino Superior e diversidade em Portugal

A distribuição maioritária de força parlamentar entre PS e PSD e a relativa bipartidarização governativa entre esses partidos, encontrada nos Governos Constitucionais, é apontada por Jalali (2003) em termos de duas dimensões: competição e cooperação. A competição é descrita através da concentração de votos naqueles dois partidos, com a participação ocasional do CDS como elemento de sustentação governativa, e a exclusão sistemática do PCP da participação nos Governos Constitucionais, devido sobretudo ao seu papel durante o processo revolucionário em 1974-1975 (Jalali, 2003). Mesmo um partido de centro-direita com maior peso de eleitorado, o PPD, rapidamente adotou a terminologia “social-democrata” (e passou a PSD), bem como um partido conservador se apresentou como centrista (CDS) (Hamann & Manuel, 1999). Note-se que esta questão terá sido particularmente sensível para este partido, conotado com o antigo regime e que foi o único partido a votar contra a nova Constituição aprovada em 1976 (Hamann & Manuel, 1999). Durante este período, a competição parece ter dominado a relação entre partidos, num quadro partidário muito fragmentado em termos de apoios e de bases ideológicas (Hamann & Manuel, 1999). Os novos partidos do centro e do centro-direita também deram apoio à revolução, adotando ideologias e visões à esquerda de alguns partidos parceiros de outros países (Fernandes, 2014). A cooperação é apontada por Jalali (2003) com exemplos como a colaboração em grandes decisões nacionais, caso da adesão à então CEE, as revisões constitucionais e a manutenção de um sistema eleitoral que lhes garante uma sobre-representação parlamentar.

A partir do Vº Governo Constitucional, saído das eleições intercalares de 1979, o número de ministros independentes e militares foi sendo marcadamente reduzido. Contudo, os Governos mantiveram a presença de ministros independentes de um modo que parece contrariar a ideia dos partidos como office-seekers, ou seja tendo como interesse primário a ocupação de cargos de exercício do poder governativo, e como aparente via conciliatória entre parceiros de coligação acerca de pastas ministeriais sensíveis (Lobo, 2000). A mesma autora interpreta a maior presença de Secretários de Estado e de Subsecretários de Estado independentes, como uma forma de autonomia dos ministros em relação à estrutura política do partido, assegurando uma estrutura de colaboradores mais dependentes da confiança do ministro do que potenciais agentes políticos do partido de origem. Este aspeto parece assumir maior relevância em Governos de maioria PSD, enquanto nos primeiros Governos Constitucionais do PS foi assumida a importância da estrutura do partido na formulação de políticas, isto é a postura como policy-seeker, em que há um objetivo essencial de política que justifica o apoio ou o exercício dos cargos (Lobo, 2000). Isto sugere diferenças na formulação de políticas, por iniciativa dos gabinetes ministeriais ou por propostas geradas a partir de relatórios ministeriais e dos Programas de Governo.

O esquema “esquerda-direita” permite, de forma simples e eficaz, compreender, ordenar e reter informação política, permitindo o mapeamento e a orientação num cenário político complexo (Knutsen, 1998). A posição de um partido político naquele continuum está intrinsecamente ligado ao seu campo ideológico, mas a posição que é atribuída pode variar, quer por diferenças de interpretação do sentido de esquerda e direita em diferentes contextos culturais nacionais, quer por efetiva variação das posições políticas assumidas pelo partido (Knutsen, 1998).

Ensino Superior e diversidade em Portugal

Na interpretação clássica da dimensão esquerda-direita, numa sociedade industrializada, aquela dimensão está associada ao alinhamento no conflito de classes sociais e de religião, com defesa de posições mais ou menos contraditórias em matéria de valores e da relevância de temas sociais. Em particular, no caso do conflito de classes os temas centrais envolvem a economia e o nível de igualdade económica na sociedade. As famílias político-partidárias distribuem-se de modo relativamente claro entre comunistas e socialistas na esquerda, enquanto a direita e parte do centro são ocupados pelos liberais, conservadores e democratas-cristãos. Mas, embora as questões económicas e de conflito de classe sejam dominantes, há diferenças entre países na intensidade dessa dominância como elemento definidor da diferença esquerda-direita (Knutsen, 1998). Em sociedades com uma estrutura de produção económica e industrial mais intensa, embora o significado tradicional ainda seja relevante, a polarização esquerda-direita foi sendo reformulada ou, pelo menos, incorporou novas linhas de conflito (Knutsen, 1998). Este processo resultou na emergência de partidos e movimentos radicalizados à esquerda e à direita, a “nova esquerda” e a “nova direita” (Heywood, 2007). Ambas as famílias preconizam, de certo modo, uma grande autonomia dos indivíduos, embora em contextos distintos: autonomia social e cultural no caso da esquerda; liberdade de empreendimento económico no caso da direita (Knutsen, 1998).

Quatro partidos (PCP, PS, PSD e CDS) dominaram a representação partidária parlamentar até às eleições legislativas de 2005, momento em que o Bloco de Esquerda (BE), surgido nas eleições legislativas de 1999, se perfilou como uma quinta força política significativa. Aliás, nas eleições legislativas posteriores (2009, 2011 e 2015) quebrou-se a hegemonia eleitoral (Freire, 2005) representada pela soma de resultados dos partidos maioritários que, até 2005 sempre ultrapassou 70% dos votos. O BE, surgido pela agregação de partidos e movimentos sociais de pequena expressão eleitoral, ocupou um espaço político na esquerda, que se assume como alternativo, quer à ortodoxia comunista, quer ao socialismo moderado. Trata-se de um partido que se insere na linha da “nova Esquerda” descrita por Heywood (2007), um pensamento político de inspiração marxista, assente na ideia da libertação e autonomia do indivíduo, com uma expressão política menos centralizada e fortemente defensora da democracia participativa.

Numa análise comparativa dos resultados de estudos realizados sobre a localização de partidos de diversos países europeus segundo o espectro esquerda-direita, entre 1982 e 1993, Knutsen (1998) faz notar a variabilidade de posicionamento das várias famílias partidárias, em especial dos partidos liberais. Na Europa continental os partidos liberais tendem a situar-se à direita dos democratas-cristãos, dado que estes surgiram sobretudo após a IIª Guerra Mundial e assumiram-se como partidos de integração de classes, enfatizando uma intervenção estatal e redistribuição moderadas, ocupando assim o centro do espetro político. Na Grã-Bretanha e nos países escandinavos os liberais e os democratas-cristãos emergiram de uma esquerda pré- industrial, o que os coloca mais próximos do centro ou no centro-direita. Em todo o caso, estes partidos tendem a situar-se mais à esquerda dos partidos conservadores (Knutsen, 1998). Naquele período, 1982-1993, ocorreu: (1) uma tendência de aproximação entre os partidos tradicionais, tanto a partir da esquerda como da direita, mais notória no caso dos partidos

Ensino Superior e diversidade em Portugal

socialistas; (2) uma tendência geral de deslocação das famílias políticas tradicionais para a direita, quer por força dos partidos mais radicalizados à direita, quer pelo movimento mais acentuado dos partidos socialistas tradicionais; (3) uma diminuição do suporte eleitoral das famílias partidárias tradicionais, em especial dos sociais-democratas, cristãos-democratas e conservadores, em favor dos partidos emergentes mais radicais (Knutsen, 1998).

Analisando o autoposicionamento ideológico do eleitorado português, Jalali (2003) notou que nos primeiros vinte anos de democracia plena (1978-1997) esse posicionamento tendeu para o centro, resultando na aproximação e alternância governativa entre os dois partidos maioritários. A deslocação de partidos da esquerda tradicional, como os partidos socialistas, para o centro, resultou em parte da menor popularidade de algumas posições políticas mais de índole marxista, apesar de, por força da necessidade de competir com a nova esquerda, terem adotado novos discursos em torno de temas de carácter mais libertário (Knutsen, 1998).

Corujo e Simões (2012) procuraram esclarecer se a mudança de regime político decorrente da revolução de 1974 favoreceu ou não o crescimento económico em Portugal. O parâmetro de escolaridade primária foi adotado como indicador de capital humano, dada a evidência de que no período em estudo, Portugal estava muito afastado da “fronteira tecnológica”, ou seja, numa fase em que a mão-de-obra menos especializada ainda tem grande impacto, pelo que foi considerado mais relevante para a população ativa com mais de 25 anos. O grande crescimento da população mais escolarizada, com educação terciária, ocorreu rapidamente mas numa fase mais tardia, não permitindo estabelecer uma relação clara com o crescimento económico (Pereira & St. Aubyn, 2009). Além disso, parece existir uma relação mais próxima entre educação básica com sistemas de produção industrial de bens em massa, enquanto os níveis mais diferenciados de formação se relacionam de modo mais direto com a capacidade de adoção de novas tecnologias e com a inovação (Papageorgiou, 2003). Perante isso, parece existir um efeito diferenciado sobre diferentes sectores económicos. Em particular, as instituições democráticas favorecem mais o crescimento económico em sectores com maior valor acrescentado do trabalhador, ou seja, nos sectores de “fronteira tecnológica”, possivelmente por facilitar a entrada nos mercados, a competitividade e a inovação (Aghion, Alesina, & Trebbi, 2007). O estudo de Corujo e Simões (2012) revela que no período 1960-2001 existe uma relação de causalidade bidirecional entre democracia e crescimento económico. O crescimento económico como pré-condição para a democracia poderá resultar de um efeito social, em que o aumento da classe média gera uma maior ânsia de democracia. Por outro lado, embora no curto prazo, de transição de regime, a democracia tenha tido um efeito negativo sobre o crescimento económico, em resultado da instabilidade social, esse efeito acabou por se revelar positivo a longo prazo (Corujo & Simões, 2012). A relação de causalidade bidirecional também foi identificada entre a acumulação de capital humano e crescimento económico, como um efeito indireto da democracia, dado que o novo regime promoveu maior redistribuição do rendimento, em parte através do investimento no sector público de educação (Corujo & Simões, 2012).

Ensino Superior e diversidade em Portugal

Durante os últimos anos do Estado Novo, sobretudo nos anos 60, algumas transformações internas e o desgaste da autoridade central do Estado, criou oportunidade para a mobilização da sociedade no sentido da liberdade cívica e de associação. Os anos de transição de regime permitiram depois uma participação elevada dos cidadãos, uma vaga de associativismo e a emergência de movimentos sociais diversos com a promoção do cooperativismo (Fernandes, 2014). O estímulo à ação cooperativa, em particular, veio a ter expressão no sistema educativo.

O processo revolucionário, porém não violento, ao envolver de forma intensa os cidadãos comuns, permitiu a consolidação e estabilização da democracia, teve um impacto positivo na capacidade de auto-organização dos cidadãos, contribuiu para a formação e institucionalização de mecanismos de participação cívica de massas e para uma maior inclusão social no processo político e tornou os agentes políticos mais abertos aos interesses e exigências dos grupos sociais (Fernandes, 2014). Tal decorre de, em vez da mera herança de estruturas políticas que simplesmente são transferidas entre atores, o papel mais central das massas populares nos processos de transformação revolucionária produz uma maior capacidade de modelar, pelo menos parcialmente, as novas regras e instituições, com reconhecimento legal e integração das organizações da sociedade civil, assegurando uma maior representatividade de interesses das classes trabalhadoras (Fernandes, 2014). A revolução portuguesa, de 1974, mais do que uma revolução política, é um exemplo reconfiguração social, que permitiu que as massas passassem a ter voz e a influenciar, quer as decisões políticas nacionais através das várias entidades e mecanismos de representação, quer em contextos micro-sociais (Fishman, 2011).

Fishman (2011) refere-se à mudança de regime político de governação em Portugal como o primeiro episódio do que veio a ser a terceira vaga de democratização a nível global. As democracias mais antigas instalaram-se em países com uma tradição liberal de participação cívica, algo que esteve cerceado nos países ibéricos até aos anos 70 (Fernandes, 2014).

3.2. A Universidade pré-Revolução – Ventos de mudança e a