• Nenhum resultado encontrado

3.3 Breve Análise Econômica da Propriedade

3.3.2 Abordagens Econômicas sobre a Propriedade

A perspectiva econômica dos direitos de propriedade inicia-se com os famosos trabalhos de Ronald Coase: The Nature of the Firm e The Problem of Social Cost, onde restou destacada a profunda importância dos “custos de transação” envolvidos com a obtenção, proteção, manejo, alocação e utilização dos recursos econômicos por parte dos indivíduos em sociedade.118

Os “custos de transação” são todos aqueles custos existentes no mundo real relativos à preparação, efetivação e manutenção de diversas formas contratuais necessárias ao próprio processo produtivo, além das assimetrias de informação entre os agentes econômicos que faz com que os recursos não sejam naturalmente alocados da forma mais eficiente.

118 LUECK, Dean; MICELI, Thomas J. Property Law. University of Arizona Legal Studies. Discussion Paper nº 06-19. 2006. Disponível em: <http://www.arizona.law.edu>. Último acesso em 10/06/08.

Nesse ponto, convêm observar que os “(...) custos de transação são afetados pelo sistema legal e por normas não positivadas, que recaem sobre a alocação dos direitos de propriedade”.119

Logo, existe uma estreita relação entre os “custos de transação”, a ordem jurídica e a forma de alocação dos recursos – através de direitos de propriedade e das interações econômicas.

Esta abordagem com base nos fundamentos de Coase é comum em diversos autores que analisam a propriedade sob um prisma econômica. Os direitos de propriedade são “titulações legais” – legal entitlements – de modo a permitir uma alocação inicial dos usos sobre os recursos naturais e econômicos para posterior realocação através de contratos e do mercado. Serão aqueles que forem definidos pelo Estado, desempenhando um papel até mesmo secundário em relação ao instituto do contrato, que é o meio pelo qual os bens circulam no mercado.120

A diferença entre as perspectivas econômicas e legais fica mais clara na lição de Yoram Barzel, para quem existem “direitos econômicos de propriedade” e “direitos legais de propriedade”.121

Para Barzel, os “direitos” econômicos de propriedade podem ser definidos como: “... the individual’s ability, in expected terms, to consume the good (or the services of the asset) directly or to consume it indirectly through exchange”. Os “direitos” legais de propriedade seriam os direitos econômicos que são “... recognized and enforced, in part, by the government”.

Os primeiros seriam a finalidade objetivada pelos indivíduos, ou seja, a satisfação de suas necessidades e interesses. Os direitos legais, por sua vez, seriam o meio pelo qual se operam os primeiros. Na ausência de direitos legais, os direitos econômicos até podem existir e ser valorizados, mas irão depender da autotutela dos indivíduos para sua efetividade.122

119 SZTAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN, Decio. Economia dos Direitos de Propriedade. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (orgs.). Direito & Economia – Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 84-101. p.85.

120 BELL, Abraham; PARCHOMOVSKY, Gideon. What Property Is. University of Pennsylvania Law School ILE – Institute for Law and Economics. Research Paper nº 04-05. 2004. Disponível em: <http://works.bepress.com/abraham_bell/5>. Acesso em: 08/08/08. p. 5.

121 BARZEL, Yoram. Economic Analysis of Property Rights – Political Economy of Institutions and

Decisions. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 3-4. Tradução livre: “A habilidade individual

em termos esperados de consumir um produto (ou serviços), diretamente ou indiretamente através de trocas. (...) reconhecidos e efetivados, em parte, pelo governo.”

A ilustração que deixa clara a distinção é a situação em que estão os bens obtidos por meio de furto ou roubo. O ladrão não possui “direitos legais” sobre os bens roubados, contudo, ainda pode consumi-los, fruí-los e até aliená-los. A ausência de um direito legal, não influencia necessariamente na utilização econômica.

Consigne-se que a utilização por parte de Barzel do termo “direitos” econômicos é um tanto problemática, pois evocaria a noção de que um ladrão teria o “direito” de utilização econômica do bem roubado. Contudo, o objetivo da divisão é demonstrar que a habilidade prática de utilização não coincide com a necessária titulação legal.

Ademais, observe-se que a ordem jurídica protege os efeitos da utilização de bens por não titulares, como, por exemplo, na tutela da posse. Além disso, após o decurso de determinado lapso temporal é possível até mesmo a aquisição da propriedade – direito legal de propriedade - através da usucapião.

A distinção entre os direitos econômicos e direitos legais está intimamente relacionada com a idéia de “custos de transação”, que para Barzel são todos os aqueles relacionados com a transferência, aquisição/captura e preservação de direitos.

Decorre, logicamente, que os direitos legais de propriedade funcionam como um redutor dos custos de transação, pois o Estado reduz o custo de autotutela do indivíduo através da polícia e do judiciário que irão proteger o direito econômico em razão do direito legal. A redução dos custos de transação associados a determinando bem aumenta o seu valor em relação ao indivíduo.

Os direitos legais ainda possuem efeitos positivos sobre as transações, pois ao transacionar com o titular tanto do direito econômico como do direito legal de propriedade, o adquirente de um determinado bem tem a certeza de que estará recebendo a proteção estatal em virtude da transferência do direito legal.

Dentro da concepção de Barzel, elaborada com base na teoria Coaseana, e possível afirmar que a propriedade como sistema legal de atribuições de titularidade, que funciona como um redutor de custos de transação na sociedade. Conjuntamente com o sistema de regras contratuais, permite uma melhor valorização dos recursos econômicos e estimula a realocação dos mesmos através de trocas – contratos e mercados.

Essa relação entre propriedade e custos de transação é base de vários modelos explicativos do surgimento e evolução da propriedade dentro das doutrinas de Law & Economics.

Posner, assim como Barzel, define direitos de propriedade como “(...) a legally enforceable power to exclude others from using a resource (...), and so with no need to make contracts with would be users of the resource forbidding their use.”123

A propriedade serve, então, como um padrão de alocação de recursos, reduzindo os custos de transação, pois o indivíduo poderá utilizar o aparato estatal para proteger a exclusividade de uso que lhe assiste, não tendo que empreender tantos esforços na proteção do recurso ou entrando em acordos com terceiros.

Posner chega a afirmar categoricamente que a raison d´être dos direitos de propriedade é reduzir custos de transação.124

Dada esta relevância dos direitos de propriedade em relação às interações sociais, foram concebidos modelos explicativos do surgimento e evolução dos direitos de propriedade que demonstram o papel econômico do instituto na atualidade.