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3.3 Breve Análise Econômica da Propriedade

3.3.3 Demsetz e o Modelo Evolutivo da Propriedade

Conforme observa Harold Demsetz em seu famoso trabalho Towards a Theory of Property Rights, não obstante a organização social atual ter como um de seus pilares a noção de propriedade, sem a qual não é possível a compreensão dos institutos do contrato, da empresa e até mesmo do mercado, aquela era tradicionalmente tomada como um simples dado, uma mera premissa pelos economistas e a investigação econômica voltava-se mais para as forças que condicionam os preços e a produção de bens e serviços.125

Demsetz, por sua vez, formula um modelo explicativo da propriedade centrado idéia de que esta tem por função a alocação de recursos de modo a se obter uma “internalização” das “externalidades”.

O surgimento dos direitos de propriedade pode ser entendido em razão do interesse dos agentes econômicos de encontrar novas formas de interação com uma razão custo-benefício mais eficiente. Esta idéia de que os direitos de propriedade desenvolvem-se

123 POSNER, Richard A.; LANDES, William M. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cambridge: Harvard University Press, 2003. p. 12. Tradução livre: “...um poder legalmente tutelado de excluir outros da utilização de um recurso (...) e então sem necessidade de fazer contratos com outros potenciais usuários para proibir o uso destes.”

124 POSNER, Richard A.; LANDES, William M. Op. cit. p. 13.

125 DEMSETZ, Harold. Towards a Theory of Property Rights. American Economic Review. Vol. 52. Issue nº 2. P. 347-359. 1967. p. 347.

em resposta a alterações nas condições econômicas subjacentes é normalmente referenciada como a “Hipótese de Demsetz”.126

Por externalidades, entendam-se os efeitos causados a terceiros decorrente da utilização de um recurso econômico. Nas palavras de Fábio Nusdeo:

Basicamente, ele decorre do fato de, numa atividade econômica, nem sempre, ou raramente, todos os custos os respectivos benefícios recaírem sobre a unidade responsável pela sua condução, como seria pressuposto. [...] As externalidades correspondem, pois, a custos ou benefícios circulando externamente ao mercado, vale dizer, que se quedam incompensados, pois para eles, o mercado, por limitações institucionais, não consegue imputar um preço.127

Num exemplo prático, uma fábrica química despeja os resíduos de seu processo industrial em um rio próximo. Possíveis externalidades do processo produtivo são a perda de peixes por parte dos pescadores do rio bem como a depreciação de valor dos imóveis ribeirinhos.

Esse tipo de externalidade é identificado como “externalidade negativa”, “custo externo” ou “custo social”, pois redundam em custos para outros que não aquele que exerce a atividade econômica.128

Em sentido contrário, existem as “externalidades positivas”, ou seja, aquelas que redundam em ganhos para terceiros ou para a coletividade e não são totalmente apropriadas por quem realizou a atividade. Como ilustração, imagine-se o indivíduo que faz uma renovação na fachada de sua residência e plantou um belo jardim. Não só sua propriedade sofreu uma valorização, como potencialmente as casas vizinhas também recebem um incremento de valor em razão do embelezamento da rua ou comunidade.

A “internalização” de uma “externalidade”, por sua vez, significa a apropriação do custo ou benefício, por parte daquele que o originou.

Nos exemplos citados, “internalizar externalidades” seria incorporar, aos custos da fábrica, a indenização dos pescadores e dos proprietários ribeirinhos ou incorporar ao processo produtivo os custos de tratamento dos efluentes. No caso da vizinhança, seria o indivíduo receber alguma forma de contribuição por parte de seus vizinhos.

126 MERGES, Robert P.; GINSBURG, Jane C. Foundations of Intellectual Property. New York: Foundation Press, 2004. p. 11.

127 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia – Introdução ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 154/155.

Ultrapassada a digressão, os conceitos de externalidades são bastante relevantes na análise empírica realizada por Demsetz sobre a evolução natural de direitos de propriedade em tribos de indígenas na Península de Labrador no Canadá em contraste com a inexistência de direitos dessa natureza em tribos indígenas americanas.

A evidência histórica indicava que o desenvolvimento de direitos de propriedade sobre as áreas de caça estava intimamente ligado a expansão de um mercado de peles de animais.129

Inicialmente, todos os índios caçavam livremente e os objetivos eram prioritariamente a alimentação e subsistência.

Ainda que individualmente considerada e em quantidade restrita, a caça realizada por um indivíduo impõe externalidades negativas aos demais membros da tribo, pois diminuirá a quantidade de animais para o próximo caçador.

Com o advento de um mercado de peles, estas, que antes eram utilizadas para as vestimentas nos núcleos familiares, tiveram uma valorização considerável. Como conseqüência, ocorreu um expressivo aumento no volume da caça, pelo que a cumulação das externalidades negativas individualmente causadas passou a impactar de forma significativa na própria subsistência do recurso natural.

De fato, o sistema de caça livre cria um incentivo para que o indivíduo cace o máximo possível, pois está a internalizar todos os benefícios – alimentação e venda da pele do animal – sem, contudo, internalizar os custos – externalidades.

Surgiram direitos exclusivos sobre áreas e territórios para, de modo que os índios não mais podiam caçar livremente em todas as terras da tribo. Tais direitos surgiram em resposta às alterações econômicas – valorização das peles e escassez dos animais.

Demsetz aponta que a evidência empírica demonstra que os arranjos mais bem definidos de territórios exclusivos estavam direitamente relacionados com a proximidade e influência dos mercados de peles.

Sem a delimitação dos territórios, o custo social a ser incorrido é muito elevado, a saber, a própria exaustão do recurso (animais). Os direitos de propriedade sobre os territórios embora diminuam a área de caça, impõe a cada caçador a preocupação com a continuidade do recurso explorado no seu espaço exclusivo.

129 MERGES, Robert P.; GINSBURG, Jane C. Foundations of Intellectual Property. New York: Foundation Press, 2004. p. 8.

Desta análise, na linha da teoria apontada por Demsetz, os direitos de propriedade surgem como forma de resposta à alteração das condições econômicas subjacentes de modo a permitir a internalização de novas externalidades e conduzindo a uma utilização mais eficiente dos recursos.