• Nenhum resultado encontrado

3.3 Breve Análise Econômica da Propriedade

3.3.4 Outros Modelos Evolutivos da Propriedade

O modelo de Demsetz objetiva explicar a evolução natural dos direitos de propriedade, porém a justificação econômica não levou em consideração razões de ordem política e ideológica. O mérito da idéia, entretanto, é o de demonstrar a estreita relação que a formatação dos direitos de propriedade possuem com as condições econômicas concretas de determinada sociedade.

Robert Cooter e Thomas Ulen fundam seu modelo explicativo no surplus cooperativo que surge ao se especificar direitos de propriedade em contraste aos custos de exclusão envolvidos em uma organização social que não possui tais direitos estabelecidos.130

A propriedade aparece na transição de um estado de natureza, onde a guarda da posse sobre determinados bens é realizada pelos próprios indivíduos em autotutela, para um estado social, onde existe uma garantia institucional, um direito de propriedade, decorrente de um contrato social, que determina as condições básicas de coexistência dos indivíduos em sociedade.131

A abundância de determinado recurso natural está usualmente associada à ausência de um sistema de limitação ou delimitação de propriedade sobre o mesmo.Na lúcida lição de Raimundo Bezerra Falcão: “Realmente, nos albores da humanidade, a desproporção entre a grandeza dos recursos naturalmente oferecidos e as possibilidades de aproveitamento deles por parte do homem, levava a riqueza a uma situação de inegável indivisão”.132

Porém, mesmo no estado de natureza, os indivíduos não estão livres dos “custos de exclusão”, estes entendidos como os custos relacionados com a manutenção e guarda dos recursos obtidos. Assim, são custos de exclusão, por exemplo, uma cerca para proteger um

130 COOTER, Robert D.; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Massachusetts: Addison Wesley Longman, Inc., 2000. p. 78-79.

131 COOTER, Robert D.; ULEN, Thomas. Op. cit. p. 78.

pomar, um muro para proteger o gado e a “patrulha” do próprio indivíduo em determinada área.

A título de ilustração imagine-se um vasto pomar na natureza. Mesmo sendo improvável, ainda existe a possibilidade que dois indivíduos venham a competir pela mesma maça, logo existem custos com a guarda da fruta.

A abundância do recurso tende a desestimular o conflito, pois o custo correspondente a simplesmente pegar outra maçã do pomar é muito inferior ao envolvido com um confronto físico. Assim, é possível dizer que no estado de natureza, ou em relação a recursos abundantes, os custos de exclusão tendem a ser ínfimos. Com efeito, guerras são travadas por petróleo, não por ar (ainda).

Porém, à medida que os recursos vão se tornando escassos, os “custos de exclusão” vão de intensificando. Torna-se mais eficiente para alguns indivíduos simplesmente roubar a colheita ou gado alheio. Nesse compasso, não só há uma profunda elevação com os “custos de exclusão”, como se está a evocar o famoso “estado de guerra de todos contra todos” hobessiano.

Além disso, os “custos de exclusão” tornam-se expressivos em relação aos custos de obtenção de novos recursos, o que, por sua vez, estimula que os indivíduos deixem de efetivamente produzir para canalizar seus esforços na proteção dos recursos. Nas palavras de Cooter e Ulen:

People must decide how many resources to devote to defending their property claims. Rational people allocate their limited resources so that, (…), the marginal cost of defending the land is just equal to the marginal benefit. This means that at the margin, the value of the resources used for military ends (the marginal benefit) equals their value when used for productive ends, such as raising crops and livestock (marginal [opportunity] cost). For example, the occupants are rational if allocating a little more time to patrolling the perimeter of the property preserves as much additional wealth for the defenders as they would enjoy by allocating a little more time to raising crops. The same statement could be made about allocating land between crops and fortifications, or about beating metal into swords or plowshares.133

133 COOTER, Robert D.; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Massachusetts: Addison Wesley Longman, Inc., 2000. p. 77-78. Tradução livre: “As pessoas devem decidir quanto de recursos utilizar para defender sua propriedade. Pessoas racionais alocariam seus recursos limitados de maneira que o custo marginal de defender a terra é igual ao custo marginal do benefício. Isto significa que na margem, a quantidade de recursos utilizados para fins militares (o benefício marginal) equivale ao valor quando usado para fins produtivos, como utilizado em plantações e criações de animais (custo marginal na oportunidade). Por exemplo, os ocupantes são racionais se alocando um pouco mais de tempo para patrulhar o perímetro da propriedade preservam tanta riqueza adicional quanto seria produzida se o mesmo tempo fosse alocado para o cultivo da lavoura. A mesma afirmação pode ser feita sobre a alocação de terrenos entre plantações e fortificações ou sobre uso de metal para espadas ou enxadas”.

Assim, num contexto onde os “custos de exclusão” são elevados, as opções racionais individuais levam a um resultado social ineficiente, pois muita energia será consumida para preservar ao invés de produzir riquezas.

Uma possível estratégia para contornar essa situação seria a existência de um consenso sobre um “direito de exclusão”, ou seja, uma faculdade intersubjetivamente reconhecida pelo grupo social que implique no respeito às posses alheias. Um sistema de propriedade privada, gerenciado de forma centralizada, apresentaria um custo menor do que a soma dos custos individuais de exclusão.

Do ponto de vista econômico, uma barganha social entre os indivíduos resultaria na solução cooperativa para o problema da alocação eficiente de recursos entre produção e de riquezas e proteção das mesmas, através da criação de um governo que reconheça, proteja e efetive os direitos de propriedade. Tal solução proporciona ainda economias de escala com a proteção da propriedade.134

Este modelo explicativo do surgimento do instituto da propriedade privada destaca sua estreita relação desta com a formação do aparato institucional do estado, ambos fundados na alteração das situações econômicas subjacentes – elevação dos custos de exclusão.

Wolfgang Kasper identifica uma aparente simbiose histórica entre a propriedade privada e a existência de um poder institucional como o Estado:

Historically, the state has had an important role in protecting private property. Indeed the government probably came about soon after the emergence of property rights in the full, modern sense of the word in the “neolithic revolution” some 10,000 years ago. Humans then engaged in agriculture and domestication of animals. This revolution occurred in a number of different regions, such as the Middle East, northern Thailand and the Americas. It is not imaginable without the discovery of respected property rights. Who would dig the soil and sow crops, capture and care for animals, if possession was constantly threatened and the fruit of these efforts could not be appropriated? Without respected property rights, the exclusion costs could have been so high that agriculture would have been impossible and people would have remained paleolithic hunter-gatherers.135

134 COOTER, Robert D.; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Massachusetts: Addison Wesley Longman, Inc., 2000. p. 79.

135 KASPER, Wolfgang. Economic Freedom & Development - An essay about property rights, competition,

and prosperity. New Delhi: Centre for Civil Society, 2002. p. 56. Tradução livre: “Historicamente, o Estado

tem tido um importante papel na proteção da propriedade privada. Realmente, o governo provavelmente veio logo após a emergência dos direitos de propriedade em sua concepção completa, com a “revolução neolítica”, por volta de 10,000 anos atrás. Os humanos se engajaram na agricultura e domesticação de animais. (...) Esta revolução é inimaginável sem o respeito aos direitos de propriedade. Quem cavaria o solo e semearia colheitas,

É possível, ainda, formular outros modelos explicativos para o surgimento dos direitos de propriedade com base em premissas econômicas distintas dos custos de exclusão.

Steven Shavell destaca que a existência de direitos de propriedade mostra-se adequada e eficaz na promoção do desenvolvimento social.136

A noção clara de titularidade estimula os indivíduos a trabalhar mais, pois irão internalizar o valor produzido. Além disso, facilita a circulação dos recursos através de relações contratuais, estimulando assim redes de mercados e, através disso, uma distribuição eficiente da riqueza.

O autor, contudo, é enfático ao advertir que as análises econômicas demonstram que existe uma evolução natural, por razões de eficiência, de algumas formas de direitos de propriedade, mas não necessariamente a tradicional concepção de propriedade privada.

Em determinadas circunstâncias, somente alguns aspectos integrantes da idéia atual de propriedade (plena in re potestas) surgiram. Shavell prossegue ainda informando que os benefícios econômicos da idéia de propriedade podem ser experimentados consoantes diferentes regimes de propriedade, seja o de propriedade privada, seja o de propriedade estatal.137

Por fim, de forma a ilustrar como os sistemas de propriedade permitem uma maior eficiência e melhor alocação dos recursos, apresentam-se quatro casos.138

O primeiro lida com o surgimento de acordos sobre direitos de exploração de terras durante a “Corrida do Ouro” na Califórnia, em 1848. Naquela época, não havia uma definição clara de direitos territoriais ou sobre exploração mineral naquela região.

Ao longo do período de exploração, os garimpeiros desenvolveram formas próprias de divisão das áreas onde cada um realizaria seu garimpo de forma exclusiva. Além disso, foram estabelecidas sanções para aqueles que violassem as áreas de outrem ou roubassem o resultado da lavra. Normalmente ocorreria a perda do direito ao terreno e do ouro obtido.

capturaria e criaria animais, se a posse estava constantemente ameaçada e os frutos destes esforços não pudessem ser obtidos. Sem direitos de propriedade efetivos, os custos de exclusão teriam sido tão altos que a agricultura teria sido impossível e as pessoas teriam permanecido caçadores e coletores paleolíticos.”

136 SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Property Law. Discussion paper nº 329. Harvard John M. Olin

Center for Law, Economics and Business. 2002. Disponível em:

<http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center>. Acesso em: 10/06/2008. 137 SHAVELL, Steven. Op. cit.

O segundo caso trata do surgimento do conceito de “Zona Comercial Exclusiva” e “Plataforma Continental” para delimitar os direitos exclusivos das nações para explorar os recursos destas áreas.

Shavell observa que direitos ou áreas exclusivas de pesca inicialmente eram desnecessárias, pois, para efeitos práticos, as reservas de peixes eram tidas por virtualmente ilimitadas. Com a pesca comercial e o expressivo aumento populacional pressionando o consumo, a idéia de uma área exclusiva serve tanto para assegurar um volume de recursos, como para prover um incentivo na adoção de práticas de conservação e renovação dos recursos. Uma análise semelhante pode ser feita em relação aos minerais presentes no solo e subsolo marinhos.

O terceiro caso trata da alocação de direitos exclusivos sobre a utilização do espectro eletromagnético para fins de telecomunicação. Citando a legislação americana sobre telecomunicações e transmissões de rádio, Shavell indica que o estabelecimento de direitos exclusivos, na forma de licenças, sobre a utilização de determinadas freqüências do espectro sobre determinada região. Do contrario, utilização simultânea de freqüências idênticas por fontes distintas poderiam gerar interferências, frustrando as transmissões.

O último caso relaciona-se com direitos de exclusividade em faixas do espaço orbital terrestre. Não obstante a idéia de que o espaço é ilimitado, existem distâncias específicas da órbita do planeta que possuem grande expressividade econômica.

Trata-se da distância da terra onde se encontram as órbitas de satélites geo- estacionários. Nessa faixa, os satélites mantêm-se movendo à mesma velocidade de rotação do planeta, ou seja, estão imóveis em relação a pontos de referência na superfície, o que essencial para a rede global de telecomunicações.

Da mesma forma que o espectro eletromagnético, atribuem-se direitos de exclusividade sobre essas órbitas, de modo a evitar interferência de sinais devido à proximidade dos satélites.

Em todos os exemplos existe um elemento comum. Alguma forma de direito de exclusividade ocorre para que a gestão dos recursos se dê de forma eficiente, sem que ocorra o esgotamento do recurso ou que utilizações simultâneas venham a inviabilizar o próprio uso. Sobreleva-se uma idéia recorrente de que os direitos exclusivos são necessários para a utilização eficiente e adequada de recursos dentro de uma perspectiva econômica.