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4.1 Evolução do Copyright/Direito Autoral

4.2.5 Direitos de Propriedade Industrial na Atualidade

Na atualidade, a propriedade industrial é referenciada como a doutrina da propriedade intelectual que garante a tutela jurídica sobre inventos e conhecimentos com aplicação industrial.

Os direitos exclusivos atribuídos pelo sistema de propriedade intelectual são os mecanismos que permitem a transformação de inventos e conhecimento em bens tecnológicos e econômicos, sendo uma preocupação estratégica dos Estados contemporâneos.220

Há ainda uma estreita relação entre os bens de propriedade industrial e as grandes corporações. Tome-se o exemplo da empresa americana IBM, que em 2000 recebeu um número estimado de 2.800 pedidos de patentes, uma quantidade maior que a concedida pela maioria dos escritórios do gênero ao redor do mundo. Além disso, tais patentes geram lucros estimados acima da marca de um bilhão e meio de dólares.221

Bens intelectuais formam, ainda, os principais ativos de grandes empresas, seja através de marcas, seja através de conhecimento. Corporações como Coca-Cola e Microsoft tem capitais intelectuais estimados na marca de centenas de bilhões de dólares.222

Patentes não só possuem valor econômico como também podem ser utilizadas como ferramentas estratégicas na conquista e manutenção de fatias do mercado.

219 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1946. Vol. V. p. 118.

220 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito industrial: patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 78.

221 COOK. Curtis. Patents, Profits & Intellectual Property – How intellectual property rules the global

economy. London: Kogan Page, 2004. p. 28.

Nas palavras de Bill Gates, em um memorando interno da Microsoft que chegou à mídia, assim se pronunciou: “If people have undestood how patents would be granted when most of today´s ideas where invented and had taken out patents, the industry would be at a complete standstill today.”223

Não obstante a constatação, Gates prossegue indicando a solução para esse problema: “The solution (...) is patent exchanges (...) and patenting as much as we can. A future start-up with no patents of its own will be forced to pay whatever price the giants choose to impose. That price might be high: Established companies have an interest in excluding future competitors.”224

Esta é a perspectiva adotada por multinacionais em relação as suas estratégias de desenvolvimento de mercado. Utilizar patentes não só de forma defensiva, ou seja, para resguardar seus produtos de contrafação, mas de forma ofensiva, ou seja, patentear processos ou tecnologias chave para impedir o acesso ou a pesquisa de competidores.

Gates identifica claramente uma situação de tragedy of anticommons. A “corrida por patentes” gera uma quantidade excessiva de direitos de exclusão para os diversos envolvidos, elevando os custos de transação relacionados com as próprias condições básicas para que se possa proceder de forma lícita à pesquisa e ao desenvolvimento.

Demonstra ainda que a propriedade intelectual é um instrumento que permite a concentração de mercados e pode ser utilizada como barreira a entrada de novos competidores, possuindo sérias implicações sobre os postulados econômico-jurídicos da livre iniciativa e livre concorrência, que, no caso brasileiro, são princípios constitucionais insculpidos no Art. 170 da Constituição Federal de 1988.

A própria ciência hoje desenvolvida, mesmo nas universidades, está cada vez mais voltada para os interesses corporativos e puramente comerciais. A longa tradição de

223 LESSIG, Lawrence. The Future of Ideas – The Fate of the Commons in a Connected World. New York: Vintage Books, 2002. p. 206. Tradução livre: “Se as pessoas tivessem entendido como as patentes seriam conferidas quando a maioria das idéias atuais foram inventadas e tivesses elas próprias obtido patentes, a industria estaria completamente estagnada hoje”.

224 LESSIG, Lawrence. Op. cit. p. 318. Tradução livre: “A solução (...) é a troca de patentes (...) e patentar o máximo possível. Uma empresa iniciante sem patentes próprias será forçada a pagar qualquer preço que as gigantes impuserem. Este preço poderá ser elevado: companhias já estabelecidas têm um interesse em excluir futuros competidores”.

abertura e difusão do conhecimento associada ao mundo acadêmico deu lugar ao segredo e à restrição de informações-chave relativas às novas tecnologias.225

Não obstante o grande manancial de conhecimento acumulado da humanidade tenha se desenvolvido em ambientes acadêmicos de forma aberta ao público, os Estados têm adotado mecanismos de parceria com o setor privado para o desenvolvimento de pesquisas no âmbito universitário, com o propósito de incorporarem-se aos ativos intelectuais privados das empresas.

Internacionalmente, são diversas as iniciativas legislativas que prevêem mecanismos de interação entre universidades e centros de pesquisa públicos com o setor privado, para o desenvolvimento conjunto de tecnologias e efetiva transferência de conhecimentos. Dentre os principais exemplos: a) a National Research Development Corporation em 1948 na Inglaterra; b) o Stevenson-Wydler Technology Innovation Act em 1980 nos EUA; c) o Bayh-Dole University and Small Business Act também em 1980 nos EUA; d) o Bundesministerium für Bildung und Forschung – Patentinitiative em 1996 na Alemanha; e) a “Law to promote technology transfer from universities to industry” em 1998 no Japão; e f) a “La loi sur línnovation et la recherche” em 1999 na França.226

Tais legislações serviram de modelo para a Lei Brasileira de Inovação, a Lei Federal nº 10.973/2004. Tal legislação cria incentivos para a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no país.

Independente da relevância das iniciativas legislativas como forma de incentivos para a promoção do desenvolvimento em pesquisa acadêmica, é possível identificar situações patológicas onde a presença corporativa nas universidades tem turbado os cânones tradicionais de isenção e compromisso com a verdade científica.

Até o início da década de 1930 nos Estados Unidos o relacionamento entre universidade e empresas era tido por antiético, predominando a opinião de que o conhecimento gerado pela academia pertencia ao domínio público, podendo ser acessível e utilizado por todos.227

225 PERELMAN, Michael. Steal this Idea – Intellectual Property Rights and the Corporate Confiscation of

Creativity. New York: Palgrave Macmillan, 2004. p. 77.

226 BARBOSA, Denis Borges. Direito da Inovação – Comentários à Lei 10.973/2004, Lei Federal de

Inovação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. xix.

227 THEOTONIO, Sérgio Barcelos. Proposta de Implementação de um Núcleo de Propriedade Intelectual e

Transferência de Tecnologia no CEFET/RJ. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Tecnologia. Centro

O Bayh-Dole Act definiu que a titularidade dos direitos de propriedade do conhecimento científico e tecnológico, oriundo de pesquisas acadêmicas, financiadas com verbas federais, pertenceria às próprias instituições de pesquisa e não às agências financiadoras. Também foram reguladas condições para a transferência de tecnologia do setor público para o privado, estimulando-se um verdadeiro mercado de comercialização dos conhecimentos das universidades.228

Michael Perelman identifica uma série de problemas que a progressiva presença corporativa no ambiente acadêmico tem ocasionado ao após a vigência do Bayh-Dole Act.

Dentre os principais, destacam-se o progressivo desvio de verbas e recursos para a ciência aplicada, em detrimento das ciências básicas; projetos e linhas de pesquisa voltadas apenas para interesses corporativos; apropriação de conhecimentos e tecnologias desenvolvidas primordialmente com recursos públicos pelo setor privado; jornais e revistas acadêmicos patrocinados por grandes corporações selecionando e publicando apenas artigos em sintonia com o interesse corporativo; e o declínio na troca de informações entre pesquisadores.229

Tais problemas refletem o interesse do capital de risco (venture capital) associado aos investimentos em tecnologia e inovação, que se apropria do conhecimento através dos sistemas de propriedade intelectual e deles procura extrair o máximo de retorno.230

Similarmente ao direito autoral, a retórica de proteção ao autor tem como paralelo no campo do direito de propriedade industrial o discurso do estímulo à inovação e ao desenvolvimento econômico.

A formulação teórica mais utilizada é aquela proposta por Joseph Schumpeter, que não só reconheceu a importância de empresas grandes como forma de viabilizar a mobilização de capitais suficientemente volumosos para produção e progresso técnico231,

228 THEOTONIO, Sérgio Barcelos. Proposta de Implementação de um Núcleo de Propriedade Intelectual e

Transferência de Tecnologia no CEFET/RJ. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Tecnologia. Centro

Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ. 2004. p. 62.

229 PERELMAN, Michael. Steal this Idea – Intellectual Property Rights and the Corporate Confiscation of

Creativity. New York: Palgrave Macmillan, 2004. p. 85 et seq.

230 CORDER, Solange; SALLES-FILHO, Sérgio. Aspectos conceituais de financiamento à inovação. Revista

Brasileira de Inovação. Vol. 5, p. 33-76. jan/jul. 2006. p. 37.

231 TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da inovação – A economia da tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 41.

como produziu um dos primeiros trabalhos que destaca a importância das regras da proteção da propriedade intelectual para o desenvolvimento econômico.232

Ainda numa visão Schumpeteriana, surge o argumento de que o desenvolvimento dos países possui relação com as estatísticas e indicadores sociais relativos ao conhecimento acadêmico, tais como número de pesquisadores, quantidade de trabalhos técnicos e científicos publicados e número de pedidos de marcas e patentes registrados.233 Todavia, convém reiterar que a existência de um sistema de propriedade intelectual excessivamente rigoroso pode ser um fator da barreira ao próprio desenvolvimento.

Por fim, outro paralelo importante com a evolução dos copyrights/direitos autorais que pode ser identificado é a expansão do escopo dos direitos de exclusividade.

Da mesma forma que o copyright surgiu como um direito exclusivo de cópia de livros impressos e progressivamente estendeu-se às mais diversas formas de expressão artística (os direitos conexos), o direito de propriedade industrial evoluiu quanto a sua abrangência. Há um aumento das matérias, conhecimentos e processos patenteáveis, chegando-se ao zênite de ser possível patentear organismos vivos.

4.3 Erosão das limitações e usos patológicos do Sistema de Propriedade