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4.1 Evolução do Copyright/Direito Autoral

4.1.2 Copyright/ Direitos Autorais em Veneza

Veneza foi palco do surgimento tanto das patentes como do que é possível conceber como primeiros copyrights. Embora o Satute of Anne, adotado da Inglaterra seja considerada como a primeira legislação de proteção autoral, na Veneza clássica já eram conhecidos direitos de exclusividade sobre a reprodução de trabalhos literários.

O direito de reprodução de trabalhos clássicos e contemporâneos era atrelado aos privilégios de exploração sobre tecnologias de impressão que interessavam à difusão e à expansão do mercado editorial da época.

Nesta nascente do direito autoral, o objetivo da tutela não era o reconhecimento dos direitos morais ou patrimoniais dos autores, mas da proteção e concessão de privilégios aos detentores das tecnologias de impressão de livros.

Entre 1469 e 1517, vários privilégios foram concedidos, iniciando-se com o privilégio atribuído a Johann von Speyer para conduzir impressões de livros, de forma exclusiva em Veneza, por um prazo de cinco anos. Outros diversos privilégios foram concedidos sobre variadas classes ou tipos de livros, consubstanciando efetivos monopólios, especialmente por serem acompanhados de uma cláusula que barrava a importação de livros.175

O primeiro direito exclusivo que pode ser comparável ao copyright moderno foi o privilégio atribuído a Marco Antonio Sabellico, em setembro de 1486. Foi-lhe atribuído o controle exclusivo de sua obra Decades rerum Venetarum O responsável por qualquer publicação não autorizada seria multado em 500 ducatos. Apesar do privilégio não ser um reconhecimento expresso de um direito de propriedade sobre a obra literária, há uma equivalência em efeitos práticos ao sistema de tutela atual do direito de autor.176

174 GELLER, Paul Edward. Copyright history and the future: What's culture got to do with it? Journal of the

Copyright Society of the USA. Vol. 47. p. 209-264. 2000. p. 215.

175 BUGBEE, Bruce W. Genesis of American Patent and Copyright Law. Apud MERGES, Robert P.; GINSBURG, Jane C. Foundations of Intellectual Property. New York: Foundation Press, 2004. p. 270. 176 BUGBEE, Bruce W. Op. cit. p. 271.

A exclusividade relativa ao controle da obra literária, portanto, não nasceu no autor, surgiu nas mãos dos editores e impressores em razão do interesse estatal na produção de novos trabalhos.

Para Nehemias Gueiros Júnior, o autor ficava relegado ao segundo plano, sendo recompensa suficiente a publicação e o reconhecimento público, argumento utilizado pelos editores para justificar o modelo de negócios então vigente: “(...) os editores citavam a considerável fama, decorrente de qualquer um que naqueles tempos publicasse um livro, como suficiente recompensa ao seu esforço e ainda reclamavam do alto custo da operação editorial”.177

Esse modelo de concessão de privilégios de impressão como forma de controle estatal evoluiu de forma tão expressiva, que o Conselho de Veneza editou um decreto, em 1548, determinando o estabelecimento de uma guilda ou corporação na qual todos os impressores e livreiros deveriam se organizar. Tal medida pretendia regular o mercado literário e facilitar o controle de trabalhos que poderiam ser considerados heréticos.178

Assim, o sistema de privilégios, ou seja, de exclusividades sobre a impressão e distribuição de trabalhos literários, permitia uma efetiva censura e um controle da própria cultura ao selecionar que conteúdos seriam distribuídos.

Os privilégios ao redor das tecnologias de impressão e as exclusividades na reprodução de obras evocam uma a idéia embrionária de um sistema de tutela jurídica da tecnologia, inovação e dos trabalhos expressivos – direito de propriedade industrial e copyright/direito autoral.

Durante a idade média, a Igreja Católica Romana detinha um verdadeiro monopólio sobre o conhecimento e a produção cultural literária através do sistema monástico. A reprodução de livros era realizada pelos monges copistas. Somente livros e materiais em sintonia com os valores religiosos eram disseminados.179

Com efeito, quando as novas tecnologias de impressão reduziram os custos de produção de livros, permitindo através destes uma maior difusão de conhecimentos e opiniões, sinalizou-se a derrocada do monopólio da Igreja sobre o conhecimento. Esse

177 GUEIROS JUNIOR, Nehemias, O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Gryphus, 2000. vol. 1. p. 30.

178 BUGBEE, Bruce W. Genesis of American Patent and Copyright Law. Apud MERGES, Robert P.; GINSBURG, Jane C. Foundations of Intellectual Property. New York: Foundation Press, 2004. p. 272. 179 BETTIG, Ronald V. Copyrighting Culture – The Political Economy of Intellectual Property. Oxford: Westview Press, 1996. p. 13.

movimento histórico é bastante ilustrativo da importância da tecnologia e difusão da cultura para o progresso da humanidade.

A história de Johann Gutenberg, tido como “pai da imprensa”, por outro lado, é ilustrativa do compromisso do sistema jurídico não com o autor ou o inventor, mas com o detentor do capital. Gutenberg desenvolveu as primeiras tecnologias de impressão mecânica através da assistência de um capitalista-mercante Johann Fust, que terminou por apropriar-se do invento quando Gutenberg não foi capaz de pagar os empréstimos recebidos para o desenvolvimento de seus trabalhos.180

O controle sobre a cultura residia nas mãos do oligopólio de editores e livreiros (guildas) que estavam nas graças dos monarcas e contavam com o aparato estatal na proteção de seus interesses. Estes, em troca, não publicavam trabalhos que fossem contrários ao regime vigente.

As guildas de Veneza encontram um paralelo na Stationer´s Company of London, uma corporação de editores e livreiros de Londres. A evolução do papel da Stationer´s Company na história inglesa foi precursora do que veio a se tornar o que é apontada como a primeira legislação sistemática de copyright/direitos de autor.