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De uma forma genérica, é possível dizer que os direitos de propriedade intelectual são direitos à utilização, fruição e exploração de “informações”. Por “informações”,

49 HELFER, Laurence. Toward a human rights framework for Intellectual Property. University of California –

UCDavis Law Review. Vol. 40. Issue 3. 2006. p. 971-1020. p. 973.

50 Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 2.519/98.

51 SUNDER, Madhavi. Foreword. University of California – UCDavis Law Review. Vol. 40. Issue 3. 2006. p. 563-580. p. 7.

entendam-se processos, dados, conhecimentos aplicados, ou seja, tecnologia. Na lição de Luis Otávio Pimentel:

Na linguagem econômica, em especial, (...) o termo tecnologia é empregado para designar o conjunto de conhecimentos aplicados pelo homem para atingir determinados fins, sendo que as inovações tecnológicas determinam, quase sempre, uma elevação dos índices de produção e um aumento da produtividade do trabalho.52

No mundo atual, é inegável que a tecnologia consubstanciou-se cada vez mais num pilar da economia global. Alguns estudiosos chegam a caracterizar a tecnologia como um dos fatores de produção ao lado do capital, trabalho e recursos naturais. Daniela Zaits assim pondera sobre esse destaque:

A expressão ‘tecnologia’, independentemente das várias acepções que o termo comporta, é utilizada para designar conhecimentos, bens intangíveis, portanto. Esses bens intangíveis passaram a ser fator decisivo para o crescimento econômico dos diversos países, a ponto que uma das principais fontes de riqueza de um Estado passou a ser, predominantemente, o ‘capital intelectual’.53

Ainda nesse sentido:

(...) o termo tecnologia é empregado no tráfego econômico-industrial como uma espécie de guarda-chuva, onde se abriga tudo o que está relacionado com os ativos intangíveis vinculados ao processo produtivo da empresa. (...) Em uma concepção ampla, pode-se definir tecnologia como o conjunto de conhecimentos científicos cuja adequada utilização pode ser fonte de utilidade ou benefícios para a Humanidade. De maneira mais restrita, pode-se conceituar a tecnologia como o conjunto de conhecimentos e informações próprio de uma obra, que pode ser utilizado de forma sistemática para o desenho, desenvolvimento e fabricação de produtos ou a prestação de serviços.54

De fato, os ativos intangíveis – a propriedade intelectual – são parte vital das operações das grandes corporações multinacionais. Diversos segmentos industriais só são possíveis em virtude da existência de um sistema de propriedade intelectual. Por exemplo, a “indústria do entretenimento” tem por base um sistema de direitos autorais, copyrights e direitos de imagem; a “indústria farmacêutica” e a “industria da biotecnologia” tem por base as patentes das drogas desenvolvidas, a patenteabilidade de micro-organismos e os segredos de negócio (trade secrets); a “indústria do software” depende da proteção legal dos programas de computador.

52 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito industrial: As funções do direito de patentes. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 27-28.

53 ZAITS, Daniela. Direito & Know-How. Uso, Transmissão e Proteção dos Conhecimentos Técnicos ou

Comerciais de Valor econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2005. p. 23.

54 LIMA ASSAFIM, João Marcelo. A transferência de tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 13.

Efetivamente todos os segmentos da economia dependem de alguma forma de tecnologia, sinal distintivo ou marca como instrumento de competitividade no mercado.

A aptidão dos direitos sobre bens imateriais de circular em um ambiente de mercado é favorecida pela própria criação normativa dos mesmos, considerados bens móveis para efeitos legais (Art. 5º da Lei 9.279/96 e Art. 3º da Lei 9.610/98).55

Essa importância atual, sem dúvida acarreta a característica mais marcante e presente em todos os ramos da propriedade intelectual desde a sua constituição: a expansão.56 Seja no ramo do direito autoral, pelas extensões de proteção às obras literárias e artísticas, seja no ramo da propriedade industrial com o vertiginoso crescimento de aplicações e concessões de patentes.

Para José de Oliveira Ascensão, a “(...) expansão do âmbito dos direitos intelectuais é acompanhada por um reforço constante dos poderes assegurados aos titulares. Um dos aspectos mais salientes está na incessante redução dos limites dos direitos intelectuais”.57

O sistema internacional de proteção de direitos de propriedade intelectual brevemente descrito acima gera ainda uma profunda influência nos modelos econômicos dos países. O TRIP’s possui explicitamente como uma de suas razões fundamentais o interesse de completar as deficiências do sistema de proteção da propriedade intelectual da OMPI e a necessidade de vincular, definitivamente, o tema ao comércio internacional.58

O próprio conceito de uma New Economy, tão alardeada durante a década de noventa nos Estados Unidos, teve por base o surgimento de novas tecnologias digitais e de telecomunicações, que por sua vez, não só são elas próprias reguladas, como também veiculam conteúdos regulados por direitos de propriedade intelectual.59

Ganham relevância e expressividade tanto na mídia como no meio acadêmico, expressões como knowledge economy e global knowledge economy. Esta última traduz a

55 Lei 9.279/96: “Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.” Lei 9.610/98: “Art. 3º Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.”

56 FISHER, William W. The Growth of Intellectual Property: A History of the Ownership of Ideas.

Berkman Center for Internet and Society. Harvard University. Disponível em:

<http:cyber.law.harvard.edu/property99/history.html>. Acesso em: 08/08/08.

57 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito intelectual, exclusivo e liberdade. Revista da ESMAFE – Escola de

Magistratura Federal da 5ª Região. Pernambuco, nº 3. 2002. p. 125-145. p. 126.

58 Decreto Presidencial nº 1.355/94.

59 PAULRE, Bernard E. Is the New Economy a Useful Concept? Paris 1 CNRS ISYS Working Paper No. 2000-5. Setembro/2000. Disponível em: <http://econpapers.repec.org/paper/halwpaper/halshs- 00226422_5Fv1.htm.> Acesso em: 08/08/08.

importância do conhecimento, em todas as suas formas, para o modelo produtivo e econômico da humanidade. Observe-se que: “Produzir, pois, significa transformar bens naturais em riquezas econômicas, mediante a inteligência e a técnica”

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É exatamente esse elemento transformativo – o binômio inteligência e técnica – que tem se tornado o pilar da competitividade no mercado global. Assim, os ativos intangíveis, vistos como recursos empresariais, vão constituir uma nova forma de capital, o “capital intelectual”, assim definido por Leif Edvinsson e Michael Malone:

(...) a capacidade intelectual humana, nomes de produtos e marcas registradas e até mesmo ativos contabilizados a custo histórico, que se transformam ao longo do tempo em bens de grande valor (como, por exemplo, uma floresta adquirida há um século e que agora é uma propriedade imobiliária valorizada).61

A idéia de capital intelectual pode ser abordada sob três aspectos: capital humano, capital estrutural e capital de clientes assim definidos:

Capital humano é toda capacidade, conhecimento, habilidade e experiência individuais dos empregados e gerentes. Capital de estrutura é o arcabouço, a infra- estrutura que apóia o capital humano, e também a capacidade organizacional, incluindo os sistemas físicos utilizados para transmitir e armazenar conhecimento intelectual. Capital de clientes é o valor do relacionamento com os clientes.62

Não só uma nova forma de capital empresarial, o conhecimento e a própria cultura tornam-se mercadorias a abastecer e circular no mercado.

Nesse particular, José de Oliveira Ascensão, fazendo uma análise sobre a mercantilização do direito autoral, que pode ser facilmente estendida aos demais ramos da propriedade intelectual, destaca que a preocupação atual está longe de ser o desenvolvimento cultural ou o avanço científico e tecnológico da humanidade. O objetivo é a comodificação do conhecimento e a expansão do mercado:

(…) a mercantilização do direito autoral, que passa a beneficiar, acima de tudo, as empresas de copyright. É muito significativo que a entidade hoje dominante do regime jurídico internacional não seja a Unesco, nem sequer a Organização Mundial de Propriedade Intelectual: é a Omc, porque o direito de autor se converteu ele próprio em mercadoria.63

60 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de economia política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 105.

61 EDVINSSON, Leif; MALONE, Michael S. Capital Intelectual: descobrindo o valor real de sua empresa

pela identificação de seus valores internos. São Paulo: Makron Books, 1998. p. 93.

62 EDVINSSON, Leif; MALONE, Michael S. Op cit. p. 31.

63 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Prefácio. In: CRIBARI, Isabela (org.). Produção Cultural e Propriedade

Nesse sentido, (...) para as empresas, a posse do capital físico está se tornando marginal ao processo econômico e até desnecessário e incômodo. Em contraposição, agora a fonte da riqueza é o capital intelectual: conhecimentos estratégicos, marcas, patentes, conceitos, enfim, propriedade intelectual.64

Marcos Wachowicz, caracterizando a relevância dos bens intelectuais na sociedade atual, os compara em importância aos recursos naturais que foram base da “Revolução Industrial”:

O bem intelectual na Sociedade da Informação paulatinamente passa a ser considerado tão valioso quanto, para a Revolução Industrial, foram os recursos das matérias-primas do carvão, do ferro e do óleo. Isto com nítida vantagem e diferença em relação a estes últimos, por se tratar de recursos naturais limitados e não- renováveis, ao passo que o bem intelectual é um recurso indefinidamente renovável.65

Corroborando este entendimento, segue a bela síntese de Vandana Shiva,

“Today, land and gold have given way to knowledge as the wealth of nations. Property in factories, minerals, real estate and gold is being rapidly replaced by property in products of the mind or ‘intellectual property’. Patents which refer to knowledge as ‘property’ remain an instrument of colonization. While colonial wars of the past were fought over geographical territory, colonization today is based on war over intellectual territory.”66

De fato, é possível observar que as diversas doutrinas de proteção da propriedade intelectual têm permitido o surgimento de uma nova forma de “pacto colonial”. Os países desenvolvidos se tornam consumidores cativos das tecnologias e conhecimentos que, por sua vez, são “propriedade” dos países desenvolvidos.

Os custos incorridos na obtenção da permissão para utilização dessas tecnologias é outro fator que drena ainda mais os recursos dos países não desenvolvidos. A título de ilustração, indaga-se: é necessário vender quantas toneladas de soja para adquirir não a propriedade, mas a simples permissão de uso, de um programa de computador?

64 ROVER, Aires J. O Direito Intelectual e seus Paradoxos. In: ADOLFO, Luis Gonzaga; WACHOWICZ, Marcos (Orgs.). Direito da Propriedade Intelectual – Estudos em Homenagem ao Pe. Bruno Jorge

Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. p. 33-38. p. 36.

65 WACHOWICZ, Marcos. Propriedade Intelectual do Software & Revolução da Tecnologia da

Informação. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 96.

66 SHIVA, Vandana. Protect or Plunder? Understanding Intellectual Property Rights. London: Zed Books, 2001. p. 18. Tradução livre: “Hoje, terras e ouro deram lugar ao conhecimento como a riqueza das nações. Propriedade em indústrias minerais, terrenos e ouro, está sendo rapidamente substituída por produtos da mente ou propriedade intelectual. Patentes que referenciam o conhecimento como propriedade permanecem como um instrumento de colonização. Enquanto as guerras coloniais do passado foram batalhas sobre territórios geográficos, a colonização atual é baseada numa guerra sobre os territórios intelectuais.”

Assim, uma nota comum às diversas doutrinas da propriedade intelectual é a sua relevância econômica. A influência sobre o mercado é tamanha que, tanto o Tratado de Constituição da OMPI, como a Lei de Propriedade Industrial brasileira tiveram que declarar que a proteção contra a concorrência desleal nela está inserida.

À primeira vista, esta proteção à concorrência parece destoar do restante de direitos intelectuais, contudo, os direitos de propriedade intelectual são, na verdade, direitos que moldam o próprio processo produtivo e a economia. Assim, é pertinente incluir nessa gama de direitos a tutela contra as distorções econômicas que podem surgir do exercício (abusivo) desses direitos intelectuais.