• Nenhum resultado encontrado

O utilitarismo foi inicialmente introduzido por filósofos como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, nos séculos XVII e XVIII. De forma geral, buscava considerar que são desejáveis políticas públicas que maximizam a utilidade social, ou seja, que promovem uma melhoria para uma maior quantidade de pessoas.

Aplicadas à propriedade intelectual, as teorias utilitaristas de justificação, por sua vez, não possuem um foco no apelo moral de atribuição de propriedade dos bens intelectuais aos seus criadores. O foco é a relação custo-benefício para a sociedade que advêm da outorga das exclusividades.

A justificativa tanto para a existência de um sistema de proteção aos bens imateriais como para que este confira direitos de propriedade é o balanço positivo que deve ocorrer entre os incentivos que o sistema proporciona para a inovação e os benefícios trazidos por esta, comparados com os custos acarretados pelas exclusividades – efetivos monopólios – sobre as criações, seja em relação aos preços dos produtos, seja em relação à restrição da difusão do conhecimento.90

O objetivo do sistema é maximizar o bem-estar social através do progresso científico e cultural. As diversas formas de direitos de propriedade intelectual – patentes, direitos autorais, copyrights, marcas, software, etc – são mecanismos criados pela ordem jurídica de modo a prevenir a difusão da informação ou conhecimento antes que o autor ou inventor tenha percebido uma lucratividade adequada para induzir os investimentos necessários à própria criação inicial.91

Essa mudança de foco, do indivíduo criador para a sociedade usuária, coloca em evidência o argumento de que o que existe, na verdade, é uma barganha entre o interesse individual e o interesse da sociedade. A última permite que os primeiros detenham por determinado tempo o controle das criações, ou seja, retardando a plena difusão do conhecimento, porém assegurando que efetivamente, no longo prazo, haverá mais conteúdo a ser difundido.

90 PALMER, Tom G. Are Patents and Copyrights Morally Justified? The Philosophy of Property Rights and Ideal Objects. Harvard Journal of Law & Public Policy. Vol. 13. Issue 3. p. 817-865. 1990. p. 849.

91 MOORE, Adam D. Intellectual Property, Innovation, and Social Progress: The Case Against Incentive Based Arguments. Hamline Law Review. Vol. 26. Issue 3. p. 602-630. 2003. p. 607.

Nessa perspectiva, a criação e a outorga de tais direitos aos criadores não se dão como forma de recompensa ou em razão do trabalho realizado, nem por serem as criações intelectuais extensões da personalidade, mas, sim, por ser a forma eficiente de garantir os incentivos necessários para a produção intelectual.

Embora as teorias utilitaristas evitem as críticas aplicáveis às teorias com fundamento em mérito pelo trabalho ou personalidade, também estão sujeitas a outras.

Algumas das mais comuns vão tratar dos seguintes pontos: na busca de promover o máximo para o maior número de pessoas, aquelas não contempladas pela atuação pública tendem a ser tratadas de forma injusta; os modelos utilitaristas normalmente são por demais vinculados a uma visão economicista, ou seja, tratam as criações intelectuais como meras mercadorias a serem produzidas e consumidas; a redução da análise a incentivos relega a questão da legitimidade de direitos com fundamento moral em relação aos autores e inventores em segundo plano.92

Não obstante tais considerações, a perspectiva utilitarista amolda-se melhor a uma justificação da realidade social atual no que diz respeito aos direitos intelectuais.

De fato, se o objetivo desse corpo de normas é promover o equilíbrio entre a produção e a difusão intelectual nos diversos campos da cultura, ciência e tecnologia, o mesmo não estaria adstrito a uma forma tradicional de direitos de propriedade, podendo ser talhado para ter a abrangência e duração necessária ao cumprimento de sua finalidade.

Além disso, essa perspectiva utilitarista, além de justificar a diversidade de formas de proteção, coloca em evidência o aspecto coletivo de tais direitos, como destaque para a noção de interesse público como condicionante da própria gênese e contornos dos direitos outorgados.

A perspectiva utilitarista acima delineada pode ser considerada como uma justificativa ex ante em relação à propriedade intelectual, pois o objetivo do sistema é influenciar o comportamento dos indivíduos – inventores, autores – antes do surgimento do próprio bem imaterial que será objeto de direito.

Existem, por outro lado, teorias de justificação ex post, que objetivam justificar a existência de um sistema de propriedade intelectual não como incentivos para criação de bens

92 TAVANI, Herman T. Recent Copyright Protection Schemes: Implications for Sharing Digital Information. In: SPINELLO, Richard A.; TAVANI, Herman T. (orgs.). Intellectual Property Rights in a Networked World:

intelectuais, mas em razão dos efeitos sobre a gestão posterior do bem intelectual pelo titular dos direitos.93

A distinção entre justificativas ex ante e ex post possui relevância prática, pois a forma de proteção e atribuição dos direitos de propriedade intelectual – abrangência, duração, limitações – serão diferenciados.

Curiosamente, tratar a propriedade intelectual como um sistema de incentivos, seja para a produção de novos bens intelectuais, seja para a gestão eficiente dos mesmos após sua criação, torna-a muito mais próxima de uma política pública do que de um direito de propriedade oponível erga omnes.

Essa percepção de que a existência de um sistema de proteção à propriedade intelectual decorre de uma atuação positiva do Estado, através da ordem jurídica, criando incentivos e conferindo direitos, por sua vez, já deixa antever que a idéia de propriedade intelectual é uma resposta a uma falha de mercado.

De fato, se as relações econômicas fossem suficientes para estimular a produção cultural e tecnológica num nível ideal, seriam desnecessárias patentes, copyrights, direitos autorais e os demais direitos intelectuais.

Em realidade, os direitos de propriedade intelectual podem ser considerados antéticos ao mercado, pois estabelecem direitos de exclusividade que permitem aos titulares cobrar preços supracompetitivos. Em condições normais de competição no mercado, o preço seria reduzido ao seu custo marginal, permitindo assim uma maior distribuição e acesso social ao bem intelectual.94

Contudo, as teorias utilitaristas advogam a necessária existência de direitos de propriedade intelectual como correção do mercado em virtude das peculiaridades econômicas decorrentes da imaterialidade.

Assim, as teorias utilitaristas podem ser utilizadas tanto para justificar como para criticar a existência de direitos imateriais, a depender dos custos sociais envolvidos.

Dada esta possibilidade de justificação a favor ou contra, as teorias utilitaristas, permitem, ao despir a questão da roupagem de direito natural, uma maior maleabilidade na

93 LEMLEY, Mark A. Ex Ante Versus Ex Post Justifications for Intellectual Property. University of California – Berkeley. Public Law and Legal Theory Research Paper Series. Paper No. 144. Disponível em: <http://www.ssrn.com>. Acesso em: 08/08/08.

94 PERELMAN, Michael. Steal this Idea – Intellectual Property Rights and the Corporate Confiscation of

proteção legal, de modo a atender os interesses sociais, e que se operem alterações com uma menor resistência.