• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – Os editoriais e a Campanha Eleitoral

7. Aborto/Religião

● patronesse de Erenice – Estado – Apenas cálculo eleitoral, 27 de outubro.

O caso Erenice foi uma das causas para que Lula aumentasse o vigor das críticas contra a imprensa, como vimos. Tanto que, após a primeira rodada de votos, partidários eleitos foram à Brasília pedir que o presidente voltasse a ser o "Lula paz e amor". Como escreveu a Folha de S.Paulo, no texto “A fé nos boatos”, de 12 de outubro, as irregularidades relacionadas com a Casa Civil e a Receita Federal pesaram quase três vezes mais na decisão do eleitor, com efeitos colaterais atingindo o próprio candidato do PSDB, que também perdeu pontos.

Segundo o levantamento, 75% das perdas de Dilma foram provocadas pelos escândalos, o mesmo motivo apontado pela parcela que desistiu de votar no postulante do PSDB - talvez apreensiva quanto à correção fiscal dos citados e ao papel da militância tucana nos bastidores desses episódios (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Para o jornal da família Frias, baseado em uma pesquisa do Datafolha, a presença da corrupção nos noticiários alimentou uma mudança nas intenções de voto – fazendo Marina Silva ascender nas intenções de voto, originando a "onda verde". No entanto, como vimos, contraditoriamente, o Ibope mostrou que foi o voto religioso que teve papel decisivo para evitar a vitória de Dilma logo na primeira rodada99, como mostrou Toledo (2010).

Segundo o Ibope, Dilma teve o voto de metade dos católicos, mas de pouco mais de um terço dos evangélicos. Nesse segmento, ela empatou com José Serra (PSDB). Entre eles, Marina Silva (PV) foi melhor, chegou a um quarto dos votos.

A queda de Dilma na véspera do primeiro turno começou entre os evangélicos e depois se estendeu aos católicos (TOLEDO, 2010).

Assim, não é possível, seja pelos editoriais ou pelos números dos institutos de pesquisa, saber se foi o tema corrupção ou religião que determinou a segunda rodada do pleito. O que é plausível é dizer que a imprensa focou mais o que era fato, ou seja, as acusações contra Erenice Guerra do que os boatos religiosos.

7. Aborto/Religião

99 No dia 16 de outubro, em nova pesquisa, o Datafolha conseguiu medir o fator religioso – alinhando-se à pesquisa do concorrente.

158

No interregno entre o 1º e o 2º turno, após a segunda onda de denúncias contra o governo federal, a campanha ganhou um novo foco, agora com tons religiosos: o tema aborto assaltou as páginas dos editoriais, após a candidata Dilma Rousseff rebater uma série de boatos anônimos espalhados pela Internet. Tudo começou com uma corrente de e-mails e mensagens em blogs afirmando que Dilma era a favor da legalização do aborto. Além disso, a candidata petista também teria dito: "nem Jesus Cristo me tira essa eleição" – o que foi rapidamente desmentido por ela. Dada a largada, outras acusações apareceram, como, por exemplo, a imagem de um panfleto em que Lula e Dilma fariam leis pela legalização do aborto, maconha, casamento homossexual, censura, invasão de propriedades, entre outros. Também apareceu na blogosfera a declaraçãode que Dilma seria ateia, o que gerou grande repercussão online. Alia-se a isso o fato de que, em julho, o bispo de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, havia pregado aos padres de sua diocese que fizessem campanha contra a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República por considerar o PT favorável à descriminalização do aborto.

Como a Internet é um terreno livre para opiniões, a questão ganhou força e obrigou os candidatos a se defenderem, além de adequarem o discurso político ao tom religioso. Primeiro com uma troca de farpas sobre a autoria das mensagens difamatórias a Dilma. José Serra, por ter sempre se mostrado contra o aborto, utilizou a mensagem no horário eleitoral, para se dizer a favor da vida. Do seu lado, Dilma classificou como uma "corrente do mal" e deu garantia de um segundo turno sem ataques – além de ter utilizado Lula no programa eleitoral para comparar as calúnias quando diziam que ele iria "fechar as igrejas e mudar a cor da bandeira".

O Estadão, no texto “A implosão do plebiscito”, de 5 de outubro, comentou que declarações ambíguas de Dilma sobre o aborto (em entrevistas antigas ela era a favor, depois durante a eleição tornou-se contrária) foram mais fortes do que "as cenas de religiosidade explícita protagonizadas pela candidata na reta final da campanha". Por fim, o jornal condenou mais amplamente o não controle dos militantes, que fariam qualquer coisa para emplacar o candidato preferido. Foi o máximo da cobrança que o Estadão fez.

Pela falta de opinião fixa de Dilma Rousseff, a Folha foi menos moderada e elevou o tom contra a petista: seu discurso editorial sustentou que, como não era possível reescrever a história do escândalo da família Guerra, reescrever-se-ia a opinião da pleiteante governista sobre o aborto, abusando da ironia de que o que o PT buscava

159

era sobreviver no poder e ressignificando a expressão "direito à vida". O texto Opinião flexível, de 6 de outubro, tratou do tema:

Na corrida por uma pequena porcentagem de votos, entretanto, o PT e sua candidata preferem apostar na desconversa e na mistificação. Condenam a descriminalização do aborto do mesmo modo que poderiam apoiá-la, fosse outra a ponderação dos marqueteiros.

Defenderão os sem-terra e o agronegócio, a Polícia Federal e o ficha-suja, a sexóloga feminista e o pagodeiro acusado de espancar a mulher, pouco importa - desde que esteja garantida a sobrevivência do seu esquema de poder.

É o único "direito à vida", aliás, que os mobiliza neste instante (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Tirante esta apreciação mais ácida sobre a tergiversar sobre o aborto contra Dilma, no tema Aborto/Religião a Folha se imbuiu uma vez mais do papel de cão de guarda. Para o editorialista, o tucano e a petista trataram-no mais a fim de aumentar a animosidade da disputa e, consequentemente, se afastarem do debate de assuntos nacionais. Para tanto o jornal adjetivou o litígio como: "oportunista", "ardiloso", "oblíquo", "simplificado" e, uma vez mais, "oportunista". Como a lei brasileira sobre o aborto permite a interrupção da gravidez nos casos de estupro e de risco para a gestante e que nem Serra nem Dilma propuseram a revogá-la, o jornal argumentou aos leitores que todo o entorno da discussão era simplesmente um "girar em falso". Do total de 15 editoriais que citaram o caso, os cinco da Folha de S.Paulo foram mais enfáticos do que os sete de O Estado de S.Paulo. No texto “Girando em falso” (16 de outubro) o jornal discute a interferência do voto religioso na primeira rodada das eleições. No tira-teima, tanto Serra quanto Dilma se empenharam em mostrar a fé para o grande público com o objetivo de estancar a sangria de votos. Naquele momento, para o editorialista, era um "contraste irônico" o clima de agitação religiosa nas ruas e nas pesquisas e a real extensão deles nas intenções de votos. Termina com pesados julgamentos contra a estruturação marqueteira das campanhas:

Pesquisas de opinião, por certo, são um instrumento importante na avaliação de uma estratégia política. A predominância do marketing na condução da campanha tende a atribuir-lhes, talvez, o caráter terrorífico e religioso de um anátema - quando o mínimo que se poderia esperar de candidatos à Presidência, na verdade, é que exponham o que de fato pensam (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3).