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CAPÍTULO IV – Os editoriais e a Campanha Eleitoral

5. Imprensa

Após os cenários como Farc e plano de governo, a própria imprensa, se analisando ou se defendendo, ganhou espaço nos editoriais de Estadão e Folha. É comum a imprensa e sua cobertura estarem à frente das discussões em momentos cruciais da democracia, como uma eleição. Afinal, escolher o que será publicado, a ênfase no estilo de discurso é parte fundamental do jornalismo e, principalmente, suscita debates na esfera pública. Como vimos com Maxwell McCombs (2006), os meios não somente nos dizem o que e em que (COHEN, 1963) temos que pensar, mas também como pensar (MCCOMBS, p. 140-141). A imprensa e o jornalismo estabelecem a discussão, com temática escolhida pela cúpula dos veículos e estratégias discursivas diversas, atendendo a um plano discursivo mais amplo, ideológico por excelência. Com isso, a imprensa assume papel de guarda vigilante da democracia, soando seu alarme cada vez que governantes ultrapassam a linha da legalidade ou moralidade. Quando é necessário, os editorialistas atacam; quando são atacados, defendem rigidamente tanto a liberdade de expressão como a atuação livre. O tema mostrou 17 editoriais ao todo, sendo que a Folha teve sete e Estadão nove.

Nos editoriais, o tema imprensa ganhou destaque em tom de denúncia, quando o texto “Pai e Mãe”, de 19 de agosto, na Folha de S.Paulo, analisou o perfil de Dilma Rousseff, debutante em eleição. No entanto, a ira era mais contra a atuação marqueteira da candidata do que sua capacidade gerencial propriamente dita. Caberia, portanto, à

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imprensa denunciar a "fragilidade alarmante" dessa questão, frisou o editorialista: "Cumpre à imprensa independente, às associações da sociedade civil que procuram influenciar o processo eleitoral e a cada cidadão levantar o véu da fantasia"96.

No total dos editoriais, o jornal da avenida Barão de Limeira teve uma apresentação equilibrada do tema: quando citou a imprensa ou era para apresentar a própria imprensa e sua atuação na eleição, no caso específico da Internet, ou para reclamar de alguma censura e problema da lei eleitoral. Em relação a esta segunda hipótese, o jornal mostrou o caso de censura no Tocantins, quando o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins proibiu oito jornais, 13 emissoras de TV, cinco sites, 39 rádios comunitárias e 24 rádios comerciais de relacionarem o governador Carlos Gaguim (PMDB), candidato à reeleição, a um suposto esquema de corrupção. Também criticou a lei eleitoral, que proibiu a distribuição de panfletos contrários ao PT e a circulação de uma revista com conteúdo favorável à candidata e elogiou a Associação Nacional dos Jornais por criar um mecanismo de autorregulamentação.

Tão equilibrado foi o jornal que até mesmo se defendeu mais rigidamente de um ataque de José Serra, que teve o que classificaram de "momento Dilma". De acordo com o jornal, o candidato do PSDB não teria gostado de responder a perguntas sobre a quebra de sigilo de sua filha. Para tanto o editorialista escreveu em “A mesma síndrome”, de 19 de setembro:

Vai-se consolidando a mentalidade de que postulantes a um cargo eletivo prestam um favor aos jornalistas quando, na verdade, estão a cumprir a exigência básica de responder a perguntas de interesse dos cidadãos. O jogo de intimidação é dos mais toscos: qualquer questão um pouco mais incômoda é desqualificada, afirmando-se que equivale a tomar partido em favor do candidato adversário (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2)

Somente em um editorial o jornal perdeu o usual equilíbrio e imparcialidade sobre o assunto para defender a imprensa de uma atuação independente. A Folha chegou a dizer que se fosse pela vontade do PT, os meios de comunicação de massa estariam à mercê dos setores autoritários governamentais, que flertam em demasia com o "controle social sobre a mídia". Quando o presidente Lula reclamou incisivamente da imprensa (após ter estourado o escândalo envolvendo parentes da então ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra), o editorial “Todo poder tem limite”, com a corrida eleitoral rumando para o fim (26 de setembro) o jornal apresentou-se como um mecanismo de

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defesa público. Ponderou que, se não há riscos econômicos nem para a sucessão, os problemas estavam nos ataques que a liberdade de expressão vinha sofrendo da dupla petista e se mostrando imparcial em casos semelhantes:

Se existe risco à vista, é de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras. Nesses períodos, é a imprensa independente quem emite o primeiro alarme, não sendo outro o motivo do nervosismo presidencial em relação a jornais e revistas nesta altura da campanha eleitoral.

(...) Quem acompanha a trajetória do jornal sabe o quanto essa mesma orientação foi incômoda ao governo tucano. Basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso, na entrevista em que se despediu da Presidência, acusou a Folha de haver tentado insuflar seu impeachment.

Lula e a candidata oficial têm-se limitado até aqui a vituperar a imprensa, exercendo seu próprio direito à livre expressão, embora em termos incompatíveis com a serenidade requerida no exercício do cargo que pretendem intercambiar (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Tirante essa postura mais firme, a Folha não chegou nem perto de O Estado de S.Paulo, cujos resguardos foram mais vigorosos e profundos. Algumas causas foram apresentadas: primeiro porque os acometimentos de Lula tinham raiz na cobertura da imprensa do Mensalão, onde se iniciaram as réplicas presidenciais. Depois, intensificaram-se quando houve repúdio à tentativa do então ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, em propor um conselho de jornalismo, em 2004 inicialmente e novamente em 2009. Por fim, na ultrapassagem dos limites do poder presidencial, que o jornal considerou que foram "escandalosamente" transgredidos.

Três editoriais demonstram a queda de braço, cujos títulos são autoexplicativos: “A imprensa no pós Lula” (25 de setembro), “Texto, contexto e subtexto” (9 de outubro) e “Uma questão de caráter” (22 de outubro). O primeiro fez uma análise profética de como pode ser a imprensa pós Lula, explicando didaticamente para o leitor o que significa a autonomia no jornalismo. Consagra Dilma Rousseff por apoiar o "controle remoto" como único controle social da mídia possível. Mesmo assim, o jornal avisa aos (e)leitores:

Imaginem-se, portanto, os riscos de que um Congresso dominado pela coalizão lulista - e sob pressão dos "movimentos populares" atrelados ao PT - venha a impor uma legislação semelhante à do país vizinho, com o mesmo fim. Não se trata de fantasia. O ambiente para tal vem sendo laboriosamente construído pelos garroteadores em potencial da mídia. Entre um golpe de borduna e outro do presidente, por exemplo, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, cujas ambições partidárias no pós-Lula são amplamente conhecidas, aparece falando em "abuso do poder de informar" - uma óbvia senha para a companheirada. Seria o cúmulo da ingenuidade não ligar os pontos dessa urdidura (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3).

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No segundo, o controle da imprensa é tido como fundamental para Lula se perpetuar no poder – mesmo que este tenha sofrido com o abalo da perda do 1º turno. Para tanto, explica o editorial, novamente Franklin Martins perseguiria a elaboração do projeto de "controle social" da mídia, que seria arquitetado no Seminário Internacional Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação, agendado para novembro do mesmo ano (e com a sucessão decidida).

Por fim, o terceiro texto é o mais raivoso. Podemos inferir que mostra claramente, uma vez mais, que a posição peculiar de Lula no pleito e nas ações governamentais incomoda mais do que as ideias de Dilma. Para o jornal, por uma questão de caráter (ou falta dele), o ex-presidente deveria assumir a dignidade imparcial que o cargo prescinde, nos moldes republicanos. O editorialista analisa Lula e a relação deste com a imprensa dizendo que os elogios e exaltações a Dilma eram bem vindos ao presidente, enquanto capas críticas como a da revista Veja haviam apresentado o contrário.

A indignação do presidente parece resultar de que boa parte dos jornais, revistas, rádios e televisões se nega a atender ao pouco que ele pede: "A única coisa que quero que digam é a verdade. Sejam contra ou a favor, mas digam a verdade." Mas, quando cada um tem a sua própria verdade, Lula quer que fiquemos sempre com a dele (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3).

Para o jornal, imaturidade política e fragilidade dos valores democráticos da sociedade brasileira são elementos que emperram o exercício da livre expressão97. Assim, podemos entender que a ofensiva lulista contra a imprensa – somado ao caso dos escândalos – são elementos fundamentais para que o Estadão assumisse uma posição pró Serra. Tanto que no texto em que se posicionou abertamente, “O mal a evitar” (26 de setembro), O Estado de S.Paulo afirma existir uma diferença entre se comportar como um partido e tomar partido na disputa eleitoral. Para o jornal, o resultado da eleição de 2010 influencia os valores essenciais ao aprimoramento da democracia, quiçá a própria sobrevivência desta e, por isso, era necessário proclamar o apoio:

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, oEstadoapoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra

97 A imaturidade citada também está relacionada ao caso de agressão aos candidatos, como veremos adiante.

153 é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3)98.

Em suma, o jornal enumera os vícios de Lula e seus partidários para justificar a partidarização: embuste do "nunca antes"; aparelhamento do Estado em prol de interesses partidários; desprezo pela liturgia do cargo; alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos; tráfico de influência e mistificação. E, novamente, colocou Lula como um ditador, cuja mentalidade hipnotiza os brasileiros. Por tudo isso, o jornal inquire o leitor com uma incômoda questão: “'Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?' Este é o mal a evitar".

Como explicou Azevedo (2009), as análises das Eleições de 1989, 1994 e 1998 mostraram que o comportamento da mídia privilegiou partidos concorrentes do PT. Em 2002 e 2006, principalmente no primeiro, houve uma ruptura com o discurso petista pregado, quando o candidato Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma posição moderada (principalmente econômica) e teve a campanha estruturada por profissionais de marketing. Ao adotar uma postura integrada ao sistema político e transformar sua imagem, Lula e o PT ganharam legitimidade junto à grande imprensa, obtendo uma trégua da cobertura negativa que perdurava por três eleições (apud AZEVEDO, 2009, p.56). Em 2005, com o escândalo do Mensalão, a imagem voltou a se desgastar, sendo que a imprensa passou a atacar o PT por questões éticas e morais. Em 2006 e 2010, aponta o pesquisador, houve uma dissociação entre os votos nas urnas e a orientação dos jornais e revistas (AZEVEDO, 2011).

Como vimos, os jornalistas e articulistas têm "[...] valores políticos de centro- direita e/ou a agenda temática do que Fraser (1992) define como 'público forte', ou seja, dos vários grupos que formam as elites do país" (AZEVEDO, 2009, p.50). Os tópicos de ojeriza do Estadão e Folha, que levaram ambos – cada qual a seu modo – a um processo defensivo da liberdade de expressão, convergem com a nova fase de cobertura da imprensa dos candidatos petistas inaugurada na eleição de 2006 e apontada por Azevedo (2009, p.63): os argumentos conservadores (econômicos) deram lugar aos éticos e morais. A diferença de 2010 foram os ecos de uma estampa caudilha, construída pela imprensa na primeira fase do PT (entre 1980-1994), que foi retomada no discurso dos editoriais de cobertura das eleições – com vistas mais para um ator presente no cenário político desde a década de 1980 do que para os que efetivamente estiveram concorrendo ao Palácio do Planalto.

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