• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – Os editoriais e a Campanha Eleitoral

2. Dossiê Receita Federal

O primeiro escândalo da eleição de 2010 esteve relacionado à Receita Federal, a José Serra e ao comitê de campanha petista. Não incomum em campanhas eleitorais, os dossiês são dados obscuros da vida dos candidatos que atrapalham a campanha, além de ganharem destaque negativo na imprensa. A denúncia surgiu em diversas reportagens publicadas pela revista Veja em maio. A partir daí o tema ganhou o noticiário nacional. Em uma reportagem do dia 19 de julho, a Folha de S.Paulo informou que haveria uma "central de inteligência" funcionando no comitê da candidata do PT. Um time de arapongas teria produzido documentos contra pessoas ligadas a José Serra. A vítima inicial era o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge. Ele teve o sigilo fiscal quebrado de dentro de uma agência em Mauá, na Grande São Paulo. Após uma série de desmentidos, em que a própria Receita Federal informou que não teria tido nenhuma ilegalidade, o fato foi confirmado, com indícios de um sistema de compra e venda de informações sobre declaração de Imposto de Renda. Nomes de mais de cem pessoas foram consultados, entre eles o doex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, o do ex-diretor da Previ, Ricardo Sérgio, e o do primo de Serra, Gregorio Marin Preciato. A filha de José Serra, Verônica Serra, também teve os dados consultados. A consulta teria

143

sido solicitada por um contador, que fez uso de uma declaração supostamente assinada por Verônica.

Como na Eleição de 2006 um caso parecido havia acontecido, quando um grupo petista já havia tentado comprar um falso documento contra peessedebistas por R$ 1,7 milhão – apelidado pelo presidente Lula como "o escândalo dos aloprados" – o nome voltou à tona no editorial da Folha de S.Paulo, no texto “Inteligência aloprada”, de 15 de junho. Durante a campanha, o jornal fez a citação do dossiê por 9 vezes, enquanto o Estadão o fez por 13 (mesmo tendo sido a Folha que deu a notícia em primeira mão). No caso em questão, algumas imagens podem ser apreendidas nos editoriais da Folha: a relação com o caso dos "aloprados", por envolver também quebra de sigilo e o caso do caseiro Francenildo Santos Costa,92 que voltou a ser citado pelos jornais e pela atuação de um "grupo de inteligência petista". No caso em questão, a Folha não foi tão contida: o jornal cobrou uma punição rápida dos responsáveis e, no texto “Delinquência Estatal”, de 26 de agosto, denunciou o uso da sanha governista para se prorrogar no poder, com a conclusão de que o país seguiria para um regime de exceção:

A aclamação de Lula e da candidata que inventou para lhe suceder não pode tornar cidadãos (ontem o caseiro, hoje os adversários, amanhã quem?) reféns da sanha de um Estado desvirtuado por interesses particulares. Se dependesse de alguns setores que compõem o atual grupo dominante, não há dúvida de que o país caminharia na direção de um regime de vigilância policial (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Os petistas sempre negaram a montagem do dossiê, mas isso pouco foi citado pelos editoriais. Não era necessário, já que, segundo a Folha de S.Paulo, no texto “Descalabro”, de 2 de setembro, havia "evidências", leia-se: a ausência de petistas nos nomes que tiveram sigilos quebrados:

Não bastassem as evidências (há petistas entre as vítimas?), é preciso registrar que o atual governo tem caudaloso histórico de aparelhamento do Estado - do Mensalão à quebra de sigilo do caseiro, dos aloprados de 2006 aos delinquentes de agora. Instalou-se no país um ambiente intolerável de impunidade e desfaçatez. Espera-se que a Polícia Federal e o Ministério Público ainda reúnam condições de desmascarar a farsa de uma investigação propensa a apontar a responsabilidade de barnabés e ocultar as motivações políticas que, conforme todos os indícios, estão por trás do caso (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p. A2).

92 O caseiro foi personagem central da trama que resultou na demissão do ex-ministro Antônio Palocci do governo Lula. Em 2006, ele acusou Palocci, então ministro da Fazenda, de frequentar uma mansão em Brasília na companhia de lobistas. Por conta disso, teve o sigilo bancário quebrado, o que levou à queda de Palocci e do então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso.

144

Já o jornal da família Mesquita, no caso em questão, além de também citar o caso dos aloprados e de Francenildo, apresentou mais a imagem de aparelhamento de uma instituição pública, da ineficiência da Receita Federal e a formação de um "exército secreto" dilmista para "fabricar dossiês". Mesmo fazendo acusações próximas às da Folha, O Estado de S.Paulo não fez editoriais atacando diretamente os envolvidos na quebra de sigilo ou acusando os petistas. Quando o fez, foi por meio de citações indiretas, como comentar a entrevista do ex-diretor do Banco do Brasil, Geraldo Xavier Santiago, que acusou a Previ (fundo de pensão dos funcionários do banco) de ser "uma fábrica de dossiês", funcionando como "bunker" e "braço partidário". Obviamente que trazer para o editorial um termo ligado à Segunda Guerra Mundial, quando as casamatas passaram a ser chamadas de bunker e utilizadas pelos combatentes alemães, tinha uma conotação negativa.

No fim, uma vez mais, deu-se a entender que a briga era mais com Lula e sua "maria mole moral" em relação aos escândalos do que com o caso propriamente dito. A citação seguinte mostra bem como o jornal levou aos leitores o escândalo do dossiê, em um jogo de morde-assopra.

Não há evidências, ao menos por ora, de que a Receita foi posta a trabalhar para Dilma.

Mas outro não é o sentido do aparelhamento do setor público federal na era Lula: fazer da administração um prolongamento do sistema formado pelo PT e os seus aliados no aparato sindical e nos chamados movimentos sociais, que se condensa no termo lulismo. Nada mais natural que os seus agentes sejam ativados para formar o exército secreto (ou nem tanto) da campanha de Dilma. Analogamente ao papel das forças especiais em conflitos armados, a eles incumbe o trabalho sujo contra o inimigo (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3)93.

Como é "dever" dos editoriais guiar seus leitores para que estes se informem, mas que também formem opinião sobre os assuntos, no caso do dossiê da Receita Federal houve uma série de acusações que davam a entender que se tratava realmente de uma montagem de documentos por parte do PT contra José Serra, sendo que a tríade Lula, PT e Dilma era sempre apontada como culpada e o tucano, inocente. No fim, após uma série de denúncias e revelações, a Polícia Federal apurou que o jornalista Amaury Ribeiro Jr. encomendou a um despachante a compra de dados sigilosos de parentes de Serra e membros do PSDB. Ele teria feito isso porque, em 2009, teria descoberto que um deputado do Rio de Janeiro reuniu um grupo (que estaria a serviço de José Serra)

93O exército secreto de Dilma. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 16 jul. 2010, “Notas e Informações”, p. A3.

145

para devassar a vida do ex-governador de Minas, Aécio Neves. Assim, ele foi contratado para reunir documentos com o propósito de proteger o político mineiro. Como o caso foi abafado, o jornalista teria oferecido a documentação a Luiz Lanzetta, responsável, até então, pela coordenação de comunicação da campanha de Dilma Rousseff. E como foi o PT que custeou a hospedagem do jornalista para o encontro, o único editorial durante toda a investigação do dossiê que citou essa parte específica do caso, “As marcas da máfia”, no O Estado de S.Paulo, em 21 de outubro, classificou tudo como "fábula", citando uma reportagem da concorrente:

Segundo a Folha de S.Paulo, a Polícia Federal apurou que um jornalista ligado à pré-campanha de Dilma Rousseff, Amaury Ribeiro Júnior, encomendou a um despachante, por R$ 12 mil, a compra de dados sigilosos de parentes de Serra e membros do PSDB. O PT custeava a hospedagem do jornalista em Brasília. Fim da fábula de que ele servia a rivais tucanos de Serra (O ESTADO DE S.PAULO, 2010, p.A3).

Por ter sido o primeiro escândalo durante a campanha, o caso do dossiê recebeu bastantes citações – que aos poucos foram sendo deixadas de lado por conta do imbróglio que foi a história em si e demais alvoroços, como veremos.