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CAPÍTULO IV – Os editoriais e a Campanha Eleitoral

6. Caso Erenice Guerra

O segundo escândalo que solapou as bases governistas durante a eleição e teve interferência no desempenho dos candidatos foi o relacionado à sucessora de Dilma Rousseff na Casa Civil, Erenice Guerra. Doze foram os editoriais no O Estado de S.Paulo que citaram o caso e oito na Folha. Por ter ocorrido na mesma Casa Civil por onde havia passado José Dirceu, um dos mentores do Mensalão, e ex-local de trabalho de uma candidata à corrida presidencial, o caso teve elementos que, misturados, foram o estopim de uma crise que transferiu votos de Dilma para Serra e Marina.

E a denúncia apareceu por meio da imprensa: no dia 11 de setembro a revista Veja publicou reportagem denunciando que o filho de Erenice Guerra, Israel, estaria transformando o gabinete governamental em balcão lobista. Ele teria intermediado contratos entre empresários e órgãos públicos, cobrando uma "taxa de sucesso" de 6% do valor do negócio. Em um primeiro momento, a então ministra Erenice negou que soubesse do tráfico de influência promovido pelo filho, mas depois fatos apareceram demonstrando que ela sabia das negociatas. Em depoimento à Polícia Federal, Erenice admitiu que até já havia se encontrado com representantes de uma empresa interessada em um empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em nossa análise, podemos dizer que nem Folha nem Estadão se eximiram de investigar o caso e cobrar rigor na punição dos envolvidos. E também é possível informar que os editoriais ligaram o escândalo, para facilitar a descrição, em três tópicos: 1- incrustação petista na máquina pública e falta de ética de Lula, 2 - comparação com o Mensalão e 3 - vinculação com Dilma Rousseff.

A Folha de S.Paulo deu mais visibilidade para os tópicos 1, 2 e 3, enquanto seu concorrente acionou discursivamente os tópicos 1 e 2 e, en passant, o 3. Além dos desdobramentos do caso, da divulgação primeira até a queda da ex-ministra, a onda de denúncias foi focada em como comandados de Lula transformaram o governo em um balcão de interesses particulares. Para o Estadão, ao passo que o escândalo do dossiê da Receita Federal não foi atinado pelo público, o tráfico de influência era entendível, o que atingiria a campanha de Dilma. Para tanto, a Folha intitulou o editorial “A grande família”, de 17 de setembro, para mostrar que agiram sem escrúpulos os participantes do escândalo. O título pode ser lido por três referências cruzadas: a de uma família petista, grande o suficiente para estar encalacrada em várias instâncias do governo

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federal, a de famílias italianas – conhecidas historicamente como ligações mafiosas e a de membros se protegem mutuamente, em um corporativismo desmedido.

O pequeno clã dos Guerra talvez possa ser visto como uma espécie de ilustração em miniatura de um conglomerado maior, a grande família dos sócios do lulismo, formada por uma legião de militantes, aproveitadores e bajuladores que parece ver no exercício das funções públicas uma chance imperdível para enriquecer e perpetuar privilégios.

[...] O Brasil não pode ser confundido com uma espécie de "hacienda" da grande família petista (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Para o Estadão, a condução da crise mostrou o lapso ético e moral de Lula: ele não afastou nem demitiu a funcionária, em um primeiro momento, pois estava mais fazendo contas eleitorais do que preocupado com a probidade de Erenice. Em 11 de setembro ela lançou um comunicado à imprensa reclamando da atuação de Veja e dizendo-se atacada “em minha honra pessoal e ultrajada pelas mentiras publicadas sem a menor base em provas ou em sustentação na verdade dos fatos, cabendo-me tomar medidas judiciais para a reparação necessária”, escreveu Erenice (FOLHA DE S.PAULO, 2010). Três dias depois, sai outra nota oficial, agora alegando inocência e pedindo apuração rápida do caso, além de criticar a imprensa por "distorcer ou inventar fatos". Esta segunda nota oficial foi retirada do site oficial da Casa Civil. No item 5 da nota, há um ataque direto destinado a José Serra – o que gerou uma representação da coligação do PSDB no TSE contra Erenice e Dilma:

5.Chamo a atenção do Brasil para a impressionante e indisfarçável campanha de difamação que se inicia contra minha pessoa, minha vida e minha família, sem nada poupar, apenas em favor de um candidatoaético e já derrotado, em tentativa desesperada da criação de um “fato novo” que anime aqueles a quem o povo brasileiro tem rejeitado.

De acordo com o editorial “Os arreganhos do lulismo”, de 16 de setembro, Lula teria estimulado ou “dado carta branca” para Erenice atacar o candidato peessedebista, a pouco mais de duas semanas antes do 1º turno. Para o jornal diário, foi o enésimo passo do presidente na trajetória de abusos eleitorais, já que ele contribuía para transformar a política nacional em um "terreno baldio", em uma "cultura de acobertamento e impunidade". Quando a situação piorou e estilhaços atingiram a candidata situacionista, com Dilma cedendo pontos na corrida eleitoral, Erenice pediu demissão do cargo para se defender das acusações.

Quanto à questão do Mensalão os jornais apresentaram uma ameaça relacional direta: um escândalo novamente nascido na Casa Civil, localizado há poucos metros do gabinete presidencial e a escolha de todos pelo "Primeiro Companheiro", como definiu

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o Estadão. Como na ocasião anterior, Lula alegou não ter conhecimento dos fatos. O fato novo é que agora Erenice era substituta de Dilma no cargo, a qual também alegou desconhecimento do tráfico de influência no ministério. De um lado, a imprensa retornou com a crítica pela ignorância dos líderes do governo federal – comparando ao Mensalão. Por outro, também criticou a tentativa de Dilma e Lula de transformarem o caso em um "factoide" eleitoral. O próprio termo factoide foi citado pela candidata em uma entrevista na qual reclamou do uso do episódio na corrida eleitoral. Marina Silva deu entrevistas dizendo que o caso deveria ser investigado, mas que não fosse ligado à pleiteante petista – enquanto José Serra mostrou no horário eleitoral Erenice Guerra como braço direito de Dilma.

Isto nos leva ao terceiro tópico, que foi a vinculação que os editoriais estabeleceram não somente de Erenice com Lula – mas especificamente de Erenice com Dilma. O editorial “A arrogância de sempre”, de 14 de setembro, criticou a petista por ter um comportamento arrogante com a imprensa quando perguntada sobre o tráfico de influência em um debate televisionado: "Dirigindo-se diretamente à jornalista, prosseguiu. 'Você acha correto responsabilizar o diretor-presidente da tua empresa pelo que foi feito pelo filho de um funcionário dele?'" (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2). Mesmo que o PT tenha adotado uma estratégia de descolamento das imagens, os jornais fizeram a conexão direta e ainda criticaram o abandono de Erenice, o que revelaria, segundo a Folha, um traço de personalidade de Dilma "nada recomendável a quem pleiteia a Presidência" (editorial “Males a extirpar”, Folha de S.Paulo, 15 de setembro).

A seguir as referências dos diários à dupla Dilma-Erenice:

● ex-assessora – Folha – “A arrogância de sempre”, 14 de setembro.

● mais diretos assessores – Folha – “A arrogância de sempre”, 14 de setembro. ● colaboradora íntima – Folha – “Males a extirpar”, 15 de setembro.

● braço direito da postulante petista – Folha – “Males a extirpar”, 15 de setembro. ● substituta da petista – Folha – “A Grande Família”, 17 de setembro.

● ex-chefe – Folha – Versões de Erenice, 27 de outubro.

● fiel assessora – Estado – Os arreganhos do lulismo, 16 de setembro. ● íntima colaboradora – Estado – Apenas cálculo eleitoral, 18 de setembro. ● principal auxiliar de Dilma - Folha – A Grande Família, 6 de outubro.

● mais próxima colaboradora – Estado – A compulsão fala mais alto, 16 de outubro.

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● patronesse de Erenice – Estado – Apenas cálculo eleitoral, 27 de outubro.

O caso Erenice foi uma das causas para que Lula aumentasse o vigor das críticas contra a imprensa, como vimos. Tanto que, após a primeira rodada de votos, partidários eleitos foram à Brasília pedir que o presidente voltasse a ser o "Lula paz e amor". Como escreveu a Folha de S.Paulo, no texto “A fé nos boatos”, de 12 de outubro, as irregularidades relacionadas com a Casa Civil e a Receita Federal pesaram quase três vezes mais na decisão do eleitor, com efeitos colaterais atingindo o próprio candidato do PSDB, que também perdeu pontos.

Segundo o levantamento, 75% das perdas de Dilma foram provocadas pelos escândalos, o mesmo motivo apontado pela parcela que desistiu de votar no postulante do PSDB - talvez apreensiva quanto à correção fiscal dos citados e ao papel da militância tucana nos bastidores desses episódios (FOLHA DE S.PAULO, 2010, p.A2).

Para o jornal da família Frias, baseado em uma pesquisa do Datafolha, a presença da corrupção nos noticiários alimentou uma mudança nas intenções de voto – fazendo Marina Silva ascender nas intenções de voto, originando a "onda verde". No entanto, como vimos, contraditoriamente, o Ibope mostrou que foi o voto religioso que teve papel decisivo para evitar a vitória de Dilma logo na primeira rodada99, como mostrou Toledo (2010).

Segundo o Ibope, Dilma teve o voto de metade dos católicos, mas de pouco mais de um terço dos evangélicos. Nesse segmento, ela empatou com José Serra (PSDB). Entre eles, Marina Silva (PV) foi melhor, chegou a um quarto dos votos.

A queda de Dilma na véspera do primeiro turno começou entre os evangélicos e depois se estendeu aos católicos (TOLEDO, 2010).

Assim, não é possível, seja pelos editoriais ou pelos números dos institutos de pesquisa, saber se foi o tema corrupção ou religião que determinou a segunda rodada do pleito. O que é plausível é dizer que a imprensa focou mais o que era fato, ou seja, as acusações contra Erenice Guerra do que os boatos religiosos.

7. Aborto/Religião

99 No dia 16 de outubro, em nova pesquisa, o Datafolha conseguiu medir o fator religioso – alinhando-se à pesquisa do concorrente.