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CAPÍTULO II – Debate Teórico A Filosofia da Linguagem

3. Compreendendo Bakhtin Dialogismo

3.1. Gêneros do Discurso

suscita uma questão: o que faz com que então Bakhtin não seja enquadrado como um relativista, uma vez que tudo está conectado com tudo pelas palavras? A resposta ele dará dizendo que cada sujeito no mundo só pode ocupar aquela posição específica, única, e a visão deste compõe um olhar exotópico, extraposto sobre cenários e sujeitos. O mote desta passagem não é elevar a posição do sujeito isolado (como já vimos, Bakhtin ojeriza tal fato), mas fazer uma dupla oscilação: na consciência individual e na coletiva – transfigurando-se em uma atividade não somente ética, mas também estética.

E é a palavra, em sua característica maior enquanto linguagem, que comporta o todo esteticamente consumado. A palavra assume e comporta a função entonativa, pessoal e ao mesmo tempo voltada para o social, dentro de uma estratégia do dizer. Se nos alinharmos com Bakhtin (e toda a censura em relação ao objetivismo idealista), o nosso dizer não é simplesmente vazio. Somos instados a pronunciar palavras boas, más, agradáveis, desagradáveis, falsas, verdadeiras – e que todas são imantadas de sentido, jogadas no seio social, adquiridas pelas classes sociais que buscam a primazia (agora sim) semântica. E o fazemos mirando em uma memória de futuro. Este conceito belíssimo mostra como estamos sempre apontados para frente, como diz o poeta35: “se das estrelas vem o brilho do passado, dos homens vem o brilho do futuro”. Assim, palavras nunca são somente palavras, são signos, que formam enunciados cuja característica não é ser somente uma estrutura linguística, mas um lugar de significação, e cujo destino é desaguar nos discursos, elementos que ultrapassam as fronteiras da língua e são constitutivos da realidade cotidiana, fomentando a comunicação e as relações entre os homens.

3.1. Gêneros do Discurso

Cada época tem enunciações diversas que seguem tons específicos, alguns mais estabilizados, outros menos. A aglutinação a partir da estabilidade é que cria discursos, quando podemos abstrair que o pressuposto bakhtiniano é ter a linguagem como principal forma que une diferentes instâncias da realidade. Vejamos um pouco mais sobre o assunto: quando diversas enunciações são proferidas e formam um grande elo discursivo. A fórmula nega peremptoriamente o discurso adâmico (que se faz sozinho, sem relação com o outro) e exige a necessidade de compreender um porvir e devir do

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dizer. Deste modo, o discurso é caracterizado pelo conglomerado de ditos que vamos reconstruindo a todo o momento. Como dissemos, esta reutilização é forjada na consciência de cada indivíduo e deve refletir as condições específicas e as finalidades da esfera da atividade humana em que estamos inseridos (contexto este material e historicamente determinado).

Bakhtin profere que as ações humanas são infinitas e têm as línguas como formas de mediação, sendo que a utilização destas é traduzida em enunciações. Quando abstraímos tais enunciados é possível desvelar três elementos que fazem parte da estrutura composicional: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Tais elementos refletem na maneira com que a língua se concretiza enquanto enunciado. Dentro da esfera da comunicação, os enunciados fazem parte de outros que lhe são próximos, formado um todo. Assim, a esfera de utilização da língua elabora tipos relativamente estáveis (BAKHTIN, 1997, p.279) que ele chama de gêneros do discurso. Para o autor, os gêneros dos discursos acabam por ser infinitos na medida em que as atividades humanas são infinitas. De certa maneira, cada enunciado responde a situações que os sujeitos estão utilizando e, caso o tema, o estilo e a composição estejam direcionados para uma estratégia de dizer comum, este acaba por se arquitetar como um gênero discursivo. A vida dos gêneros, sendo eles orais ou escritos, tem a capacidade da renovação, pois o gênero é, ao mesmo tempo, novo e velho. A citação é fartamente conhecida, mas cabe retomar: "O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero. Nisto consiste a vida do gênero" (BAKHTIN, 1997, p.106).

O trecho citado é um excerto do livro Estética da Criação Verbal chamado Os gêneros do discurso. Embora pequeno, o texto sintetiza a conceituação que nos é cara, já que mostra claramente como não é possível pensar somente na estrutura de oração, sendo necessário fazer a junção dos enunciados, que se unem para existir enquanto gênero. Entender e estudar os gêneros discursivos é de suma importância para este trabalho, uma vez que buscamos analisar o gênero Jornalismo Opinativo em relação a um fato concreto de nosso trabalho: as Eleições 2010.

Ao tratar a questão dos gêneros, Bakhtin afirma que a primeira constatação a fazer é saber que existe uma separação dupla: existem os primários e os secundários. O motivo desse corte é a separação do diálogo (conversa) da soma de discursos ordinários, que são mais complexos que o primeiro por conta da ideologização que o lugar social impõe. Nesta segunda linhagem temos como exemplo a carta, as declarações públicas,

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os livros, o teatro e os documentos em geral; já a primeira vale até mesmo para uma réplica simples em um bate papo. Os gêneros primários, por serem mais simples, têm uma relação mais concreta com a realidade, são mais instáveis na medida em que ainda carecem de valoração ideológica e aceitação social, demonstrando uma fragilidade. Já os gêneros secundários, mais complexos e oficiais, são uma incorporação e reelaboração do que antes era primário, claro que com uma carga de peso maior. Nesta relação dupla é que a vida penetra na linguagem e a linguagem também penetra na vida. Bakhtin ressalva que ignorar este vínculo é desvirtuar a historicidade do estudo.

Apesar de ter certa notoriedade acadêmica, a noção de discurso de Bakhtin não é hegemônica. Por exemplo, Foucault (2004) relaciona discurso com poder. A sociedade para o filósofo francês seria controlada e selecionada a fim de atender a procedimentos que conjurem poderes, perigos e dominação. Já para Pechêux (1997), discurso é a relação entre a linguagem (definida pelo corte saussureano) e a ideologia. Nota-se uma distinção límpida entre o conceito de discurso de Bakhtin e os demais quadros epistemológicos. Saussure nem chegou a tangenciar a questão. Benveniste36 (1995) tinha discurso como produto da enunciação, a língua que se manifesta por membros de uma comunidade, necessitando um locutor e um alocutário (emissor e receptor). No campo dos estudos de comunicação, um profícuo estudioso é Van Dijk37 (1980), que estabelece a notícia como discurso, alinhado com a AD e relacionando texto e contexto indistintamente, porém sem deixar de lançar mão das estruturas gramaticais e atos de fala. Não é nossa intenção analisar todas as proposições conceituais de discursos, e sim ressaltar que a maioria delas ou supõe a ascendência do eu sobre o tu, ou o outro (dependendo da teoria) ou não implica a possibilidade da troca, da via de mão dupla. O dialogismo em que Bakhtin insiste é calcado na reciprocidade dos sentidos, baseado nos signos como arenas de lutas, estabelecendo gêneros do discurso – ora prevalecendo um discurso, ora outro, porém sempre movediças e nada estanques.