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PARTE III: CIRCULAÇÃO E APROPRIAÇÕES POR MEIO DOS IMPRESSOS

Capítulo 6: Os programas e as bibliotecas pedagógicas enquanto indicativos da circulação e

6.2 Constituição das bibliotecas pedagógicas: reflexo de um projeto de formação de

6.2.3 Acervo Paulo Bourroul

O Acervo Paulo Bourroul alocado na FEUSP219 é resultado de doação

feita pela Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo220 de parte do acervo da biblioteca da Escola Caetano de Campos. A

biblioteca da Caetano de Campos, segundo Pestana (2011), recebeu o nome “Biblioteca Paulo Bourroul” em 1942, em homenagem ao professor Paulo Bourroul que havia falecido no ano anterior.

Paulo Bourroul foi professor (1880-1884) e diretor (1882-1884) da então intitulada Escola Normal de São Paulo. Em 1883, em viagem à França, comprou para a escola um laboratório de físico-química e um total de 122 livros, que comporiam a primeira biblioteca voltada à formação de professores de São Paulo. Pestana (2011) destaca a presença marcante de livros relacionados ao método intuitivo ou lições de coisas comprados para a 4ª cadeira de pedagogia e metodologia. Ainda, a autora informa que a biblioteca estava sob a guarda do Arquivo do Estado em 1978, quando a Secretaria Estadual de Educação se mudou para o prédio da escola na praça da República.

Composta inicialmente por 122 livros, a Biblioteca Paulo Bourroul acumulou uma série de novos títulos ao longo de sua história221. A parte que foi

doada à FE/USP consiste na biblioteca de professores, enquanto que a

219 Processo FEUSP 116/76.

220 Termo de doação SCCT-613-76. Publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo em

26/05/76.

221 Considerando as datas das edições presentes no acervo e a data de doação à FEUSP,

assumo que a biblioteca recebeu exemplares pelo menos até a segunda metade da década de 1960.

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biblioteca infantil faz parte do acervo do Centro de Referência em Educação “Mario Covas”.

Ao consultar o catálogo, tive como foco as obras sobre ensino de matemática – edições em português, inglês e espanhol – do final do século XIX e do século XX, de autores norte-americanos ou britânicos, especificamente publicações de Dewey e de Thorndike. Ainda, me atentei para possíveis obras sobre metodologia de ensino, escola nova/educação progressiva. Após o levantamento preliminar por meio do catálogo do acervo, na sequência selecionei alguns dos livros para conferir o conteúdo e analisar a materialidade dos mesmos em busca de vestígios de sua aquisição.

No acervo também constam livros de Isaias Alves, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, sendo que dos dois últimos autores há várias obras. Ainda, chama a atenção a presença de várias obras do final do XIX de autores norte-americanos, visto que este é um período com forte circulação de compêndios franceses.

A partir do inventário inicial, selecionei para análise física os manuais sobre ensino de matemática/aritmética, todos os livros de Dewey e de Thorndike, e obras que discutissem a escola nova/educação progressiva. Durante a análise física dos livros constatei uma variedade de etiquetas e carimbos utilizados na catalogação (Cf. Apêndice E). Os carimbos e etiquetas ora trazem o nome da instituição, ora o nome da biblioteca, e por vezes ambos. No entanto, apesar de serem livros provenientes da Biblioteca Paulo Bourroul, a diversidade de nomes que aparecem nos carimbos e etiquetas são evidências das diferentes fases pelas quais a escola Caetano de Campos passou e também dos espaços que o acervo da biblioteca percorreu. Ao longo de sua história, a instituição teve diferentes nomes, sendo (re)batizada várias vezes, indicativo das próprias mudanças e gestões pelas quais passou. De forma análoga, os nomes das bibliotecas e órgãos responsáveis também sofreram mudanças. Portanto, situar no tempo os nomes atribuídos é chegar a uma estimativa de quando os livros analisados foram adquiridos.

Segundo Patrícia Golombek222, a escola teve os seguintes nomes:

Escola Normal (1846); Escola Normal da Capital (1895-1911); Escola Normal Secundária de São Paulo (1911); Escola Normal da Praça da República ou Escola da Praça (1913); Escola Normal de São Paulo (1920); Instituto Pedagógico de São Paulo (1931); Instituto Caetano de Campos (1933); Instituto de Educação da Universidade de São Paulo (1934); Escola Normal Modelo (1938); Escola Caetano de Campos (1939); Instituto de Educação Caetano de Campos (1946); Instituto de Educação Estadual Caetano de Campos (1973); Escola de Primeiro e Segundo Graus Caetano de Campos (1976).223

Quanto às denominações da biblioteca, como afirmado anteriormente, Pestana (2011) informa que em 1942 ela é batizada Biblioteca Paulo Bourroul. Mas nos carimbos analisados aparecem referências a outras bibliotecas e departamentos, que excedem o espaço da Caetano de Campos. São eles:

 Divisão de Documentação e Divulgação: O Decreto n. 52.324, de 1º de dezembro de 1969 dispõe sobre a organização da Coordenadoria do Ensino Básico e Normal da Secretaria da Educação, à qual está subordinada a Divisão de Documentação e Divulgação, e a esta última está subordinada a Biblioteca Pedagógica Central (DOSP 2/12/69). Aparentemente, essa Divisão é criada por este Decreto, visto que é a primeira menção à mesma no Diário Oficial de São Paulo que foi localizada.

 Biblioteca Pedagógica Central: criada pelo Decreto nº 4.795 de 17 de dezembro de 1930 e subordinada à Directoria Geral de Ensino, nova designação da então Directoria Geral da Instrucção Pública (DOSP 18/12/30), em 1933 ela passa a ser subordinada à Diretoria Geral do Departamento de Educação (Jornal Do Estado, 3/5/33). Pelo Decreto n. 7.339 de 5 de julho de 1935, fica subordinada à Secretaria da Directoria

222 Golombek organizou uma página da internet dedicada à história da Caetano de Campos e

na qual reúne documentos e relatos diversos. Ainda, partindo da reunião e organização de todo esse material, Golombek foi curadora em 2014 de uma exposição no Arquivo Histórico de São Paulo, que trazia originais e reproduções de diversos objetos da escola, exposição essa intitulada “Ramos de Azevedo e a Escola Caetano de Campos”.

223 Disponível em http://www.iecc.com.br/historia-da-escola/denominacoes-da-

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do Ensino e a Directoria do Ensino por sua vez está subordinada à Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública (DOSP 7/7/35). Decreto n. 13.966, de 3 de maio de 1944, dá o nome de “Embaixador José Carlos de Macedo Soares” à Biblioteca Pedagógica Central, do Departamento de Educação.

 Biblioteca Central de Educação: o termo também é usado para se referir à Biblioteca Pedagógica Central (DOSP 23/4/44), mas não está claro desde quando isso ocorre. Segundo Vidal (2004), a BCE foi criada por Fernando de Azevedo em 1933, vinculada ao Departamento de Educação.

Na ausência de livros de tombo da biblioteca Paulo Bourroul, a análise física dos exemplares em busca de vestígios de suas origens e data de aquisição foi a saída encontrada. Foram observados carimbos, etiquetas e anotações, quando presentes (Cf. Apêndice F). Tal estudo possibilitou chegar a datas aproximadas. No caso de Dewey, constam dois exemplares de The

psychology of number (adquiridos a partir da década de 1930)224. Quanto a

Thorndike, constam dois exemplares do manual A nova metodologia da

aritmética (adquiridos por volta da década de 1930), um exemplar de Princípios elementares de educação (adquirido entre as décadas de 1950 e 1960), e um

exemplar de Teacher’s word book of the thousand words (adquirido entre 1934 e 1938)225.

A partir da análise física e de conteúdo dos livros, estabelece-se o diálogo entre a circulação e as apropriações. Em termos de apropriação, vários dos livros consultados fazem referência a autores – e mesmo a exemplares – que também constam no acervo. Ou seja, as referências cruzadas verificadas apontam para autores que estavam circulando nos EUA e aparentemente tiveram uma considerável recepção a considerar o número de vezes que são citados por outros autores. Não apenas Dewey e Thorndike são evocados por vários autores das obras consultadas, como também autores como Buswell, Stone, McMurry e D. E. Smith, que são citados de forma recorrente.

224 Constam exemplares de outros livros de Dewey no acervo: Como pensamos (1933; 1959);

Los fines, las materias y los metodos de la educación (1927); O pensamento vivo de Jefferson (1942); Reconstrução em filosofia (1959); Vida e educação (1959).

225 Conferir Apêndice F sobre detalhes dos carimbos, etiquetas e datas aproximadas de

A frequência com que tais autores e seus respectivos livros são evocados parece indicar uma bibliografia que estava em alta nos Estados Unidos, e quem solicitou a aquisição das referidas obras para a biblioteca da Caetano de Campos/Instituto de Educação/Departamento de Educação provavelmente estava a par do que estava circulando em termos de ensino de matemática/aritmética.

Apesar de na época do encerramento abrupto do IEUSP ter sido informado que o acervo e os docentes foram realocados na FFCL, a análise do Acervo Paulo Bourroul deixa claro que uma parte do acervo da biblioteca do IEUSP foi deixada para trás. Se houve critérios na separação dos livros que foram para a FFCL e os que permaneceram na Caetano de Campos ou se no processo de remoção do acervo uma parte simplesmente foi abandonada, não é possível dizer.

A presença dos livros de Dewey e de Thorndike apontam para a circulação de seus textos, o que deve ser tomado sem desconsiderar as outras obras que compõem o acervo. Neste caso é possível falar em circulação direta e indireta, já que as obras de Dewey e de Thorndike circularam em suas edições originais ou traduzidas (circulação direta), mas também são citadas e por vezes discutidas por outros autores cujos livros fazem parte do acervo (circulação indireta). Seguindo essa mesma lógica, também é possível falar em diferentes formas de apropriação: aquelas que se dão a partir dos textos originais (que podem assumir diferentes formatos, seja em termos da materialidade da edição ou das diferentes traduções), e as apropriações das apropriações (o que estaria imbricado em processos de ressignificação e hibridação).