• Nenhum resultado encontrado

PARTE II: INTERCÂMBIO ENTRE BRASIL E EUA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:

Capítulo 4: Diálogos entre a psicologia educacional e a formação do professor de matemática

5.4 Algumas considerações

“Aqueles que viajam, partem na busca do desconhecido, daquilo que não se sabe, do que está distante. Mas partem também na busca do que lhe é próximo e conhecido, visto que a viagem nunca os atira num estranhamento profundo” (CHAMON, FARIA FILHO, 2007, p. 50). Se pensarmos no caso de Alda Lodi e Isaias Alves, ao se lançarem na viagem de estudo no Teachers

College/ Columbia University, eles já sabiam de antemão parte das discussões

educacionais e autores com os quais iriam se deparar. De fato, esse conhecimento prévio era determinante na escolha do destino. Thorndike já era uma referência conhecida de Isaias Alves, considerando suas publicações anteriores à ida aos EUA. No caso de Alda Lodi, certamente já tinha alguma familiaridade com as discussões empreendidas por Dewey. Se Isaias Alves desconhecia o trabalho de Dewey, o que é pouco provável, o seu relatório de viagem deixa claro a presença marcante do filósofo nas discussões dos cursos que frequentou e que não pôde ignorar. No caso de Alda Lodi, é mais difícil precisar se Thorndike era conhecido entre o professorado mineiro, mas suas anotações de aula no TC/CU e livros de sua biblioteca particular – incluindo livros do próprio Thorndike adquiridos em Nova Iorque – evidenciam a relevância que era atribuída ao psicólogo americano naquela época. Mas a “busca do que lhe é próximo e conhecido” também pode ser pensada nas comparações inevitáveis que emergiram no contato com a realidade americana, em constantes paralelos traçados entre o “familiar” – o contexto brasileiro – e o “novo” – o contexto americano. O relatório de Isaias Alves exemplifica muito bem essa situação.

A viagem com fins pedagógicos, vinculada a elementos que são conhecidos previamente, sinalizam para um movimento de legitimação dos discursos e práticas já existentes desses viajantes. Como explicam Chamon e Faria Filho (2007): “O conhecimento in loco das modernas práticas pedagógicas norte-americanas, eram manejados como táticas de aceitação e penetração, argumento de prestígio que tinha em mira a legitimação do orador” (p. 58). A viagem era o elemento diferenciador entre aqueles que podiam comprovar e aqueles que apenas ouviram ou leram. Certamente tais táticas

foram empregadas por Alda Lodi e Isaias Alves: Alda Lodi se consolidou enquanto referência na metodologia da aritmética na formação de professores primários em Minas e Isaias Alves despontou no cenário nacional, ocupando diferentes cargos administrativos e técnicos.

É interessante notar, no que concerne às apropriações feitas por Alda Lodi e Isaias Alves, as apreensões diversificadas, e mesmo opostas, das mesmas leituras, autores e discussões. Talvez o exemplo mais significativo seja a forma como Dewey é mobilizado nas escritas dos dois educadores brasileiros.

Isaias Alves cita Dewey invariavelmente ao fazer críticas sobre o que considera uma visão educacional distante da realidade e sua apropriação pelos reformadores da escola nova no Brasil. Essa posição negativa em relação à filosofia de Dewey sinaliza para uma divergência teórica marcante, visto que Isaias Alves era estudioso e defensor da adoção de testes e medidas como elementos fundamentais no âmbito escolar. Seu posicionamento teórico – entre outras questões – também o levou ao distanciamento e conflitos com outros educadores, como Anísio Teixeira e Lourenço Filho.

No caso de Alda Lodi, chama a atenção a forma como ela incorpora Dewey no curso de metodologia da aritmética, fazendo uso de conceitos para discussões mais amplas, como a noção de experiência e partir dos interesses da criança. Ainda, há indícios de referências ao The psychology of number, escrito em coautoria com McLellan, nas aulas de metodologia.

No caso de Thorndike, os documentos analisados indicam a receptividade dos trabalhos do psicólogo, mas com focos ligeiramente diferentes. Por um lado, o interesse de Isaias Alves repousava nas discussões sobre testes e medidas e experiências empreendidas por Thorndike. Por outro lado, Alda Lodi buscava as discussões relacionadas ao ensino de aritmética a partir de um viés psicológico, o que, consequentemente, incluía referências aos testes também.

Além das apropriações, os documentos também sinalizam para diferentes processos que fizeram circular as ideias de Dewey e Thorndike. Enquanto professora de metodologia da aritmética, Alda Lodi determinava as leituras para as aulas. Neste caso foram identificados tanto livros de Dewey e

159

Thorndike, quanto livros de autores que os citavam. Além disso, é preciso considerar a própria prática discursiva de Alda Lodi, cujos vestígios foram analisados no relatório dos três primeiros meses de atividade na Escola de Aperfeiçoamento. Os cursos e palestras ministrados em outros estados também são elementos que devem ser considerados, mas a ausência de maiores informações sobre o conteúdo dos mesmos impossibilita fazer afirmações mais assertivas.

No caso de Isaias Alves, a circulação se deu de forma indireta, ou seja, via psicologia educacional. A publicação de seu relatório de viagem, no qual é dada ênfase aos livros sobre ensino de matemática de Thorndike, sinaliza uma forma pela qual referências ao psicólogo foram difundidas. Ainda, a presença de seus livros nas referências indicadas nos cursos de formação de professores.

É importante deixar claro que, com isso, não pretendo defender que Alda Lodi e Isaias Alves foram os responsáveis pela inserção de Dewey e Thorndike e nem que foram os principais divulgadores, o que implicaria, como dito anteriormente, em uma tentativa de identificar origens e desenvolver uma análise linear, fugindo à proposta de uma história conectada. Alda Lodi e Isaias Alves constituem exemplos das diferentes formas pelas quais Dewey e Thorndike foram apropriados e as representações constituídas, bem como processos de circulação, que se conectam às trajetórias de outros sujeitos com suas respectivas apropriações, circulações e redes, cujas intensidades são difíceis de precisar.

PARTE III: CIRCULAÇÃO E APROPRIAÇÕES POR MEIO DOS