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Dewey e Thorndike no cenário norte-americano: aproximações, distanciamentos e

PARTE I: ESTABELECENDO CONEXÕES ENTRE DEWEY, THORNDIKE E A EDUCAÇÃO

Capítulo 1: O panorama educacional e a educação matemática nos EUA: fim do século XIX e

1.4 Dewey e Thorndike no cenário norte-americano: aproximações, distanciamentos e

Geralmente apontados como os dois principais teóricos da educação dos EUA, Dewey e Thorndike se aproximam em diferentes pontos, assim como se distanciam em uma série de outros. Em termos de proximidades, elas não se resumem apenas aos aspectos teóricos, mas abarcam também suas trajetórias pessoais.

Eles foram contemporâneos. Nasceram e cresceram na costa leste dos EUA, em estados vizinhos, Vermont e Massachusetts. Tiveram percursos acadêmicos iniciais semelhantes, passaram por instituições e assumiram referenciais teóricos em comum no início de suas formações. Ambos encerraram suas carreiras na Columbia University, tendo ligações – diretas ou não – com o Teachers College.

Em termos de distanciamento, apesar de contemporâneos, a diferença de idade de 15 anos os coloca em contextos históricos diferentes no início de suas vidas. Dewey nasceu pouco antes da eclosão da Guerra Civil americana. Os primeiros anos de sua vida foram na ausência de seu pai, que se uniu às tropas da União. Thorndike nasceu após o fim da guerra. De que forma isso afetaria suas trajetórias, é difícil dizer.

Dewey graduou-se na Universidade de Vermont, concluiu o doutorado, em 1884, na John Hopkins University, trabalhou nas Universidades de Michigan e Minnesota e, em 1894, foi admitido na Universidade de Chicago, onde comandaria a escola laboratório. Em 1904 deixou a Universidade de

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Chicago devido a divergências internas e foi admitido na Columbia University, onde ficaria até sua aposentadoria. Já Thorndike graduou-se na Wesleyan

University, em 1895; concluiu o mestrado em Harvard, em 1897; o doutorado

na Columbia, em 1898. Em 1899 foi contratado pelo TC/CU.

Entre as intersecções, está a relevância de William James em suas formações: no caso de Dewey, uma importante referência teórica, e no caso de Thorndike, também foi seu professor no mestrado. Outro ponto de intersecção é James Cattel, orientador de Thorndike no doutorado e amigo de Dewey desde os tempos em que foram colegas na John Hopkins University. E, por fim, suas atuações praticamente no mesmo período no TC/CU.

Warde (2002a) destaca as proximidades e distanciamentos teóricos entre Dewey e Thorndike, chamando a atenção principalmente para as oposições entre eles no âmbito do Teachers College, que se acirraram após o fim da I Guerra Mundial. Para Warde (2002a), as oposições se basearam em suas abordagens. Thorndike tendeu ao empirismo, baseado em experiências com crianças e jovens para abstrair resultados no campo da educação. Na sua percepção, “era preciso fazer experimentos para produzir conhecimentos sobre a natureza humana” (WARDE, 2002a, p. 09). Por outro lado, Dewey enfatizava o cunho filosófico da educação.

Dizendo de outra maneira, Dewey aceitava que os problemas humanos eram sempre problemas práticos; o que ele não aceitava é que as soluções a serem encontradas tivessem um estatuto “tão somente” prático, ainda que fossem teóricas; pois, o problema não era, para ele, a relação teoria e prática; mas a equação imanência e transcendência (WARDE, 2002a, p. 13).

Outros distanciamentos teóricos são apontados por Tomlinson (1997), que destaca as visões radicalmente diferentes de como a arte de ensinar poderia ser traduzida em ciência. Tomlinson (1997) afirma que, para Thorndike, a escolarização prolongada não era para todos, mas para poucos mais dotados mentalmente. Também acreditava que adultos tinham menos capacidade de aprender que crianças, o que desvalorizava a educação de adultos. “Diferente de muitos de seus seguidores, Thorndike não via a educação ao longo da vida

como um mecanismo para combater as desigualdades da educação escolar e da sociedade”49 (TOMLINSON, 1997, p. 372).

Contrapondo Dewey e Thorndike, Tomlinson resume:

Enquanto concordava com Thorndike acerca da universalidade do método científico, Dewey tinha uma compreensão mais sofisticada da complexidade do fenômeno educacional. Ele reconhecia que devido aos seres humanos terem intenções, assuntos conscientes, que criam significado e organizam comportamentos para assegurar suas necessidades em campos social e histórico com múltiplas camadas, a experiência básica não era quantificável, como Thorndike havia argumentado, mas irredutivelmente qualitativa e racional. [...] O mais importante, em contraste com a preocupação de Thorndike com questões meio-fim instrumentais, a escola laboratório poderia contribuir para a determinação experimental dos objetivos da educação50 (TOMLINSON, 1997, p. 377).

A discussão sobre a educação progressiva e sobre a comparação entre Dewey e Thorndike comumente remete ao argumento de que Dewey “perdeu” a disputa. Sobre a discussão em termos de quem “perdeu” ou “ganhou”, retomarei os argumentos de Labaree (2005; 2011) acerca da disputa entre os progressistas administrativos e os pedagógicos – apresentado anteriormente neste capítulo – e a análise feita por Tomlinson (1997).

Afirmação recorrente nos escritos sobre a educação progressiva, citada, por exemplo, por Tomlinson (1997), Martin (2002) e Labaree (2005), Ellen Condliffe Lagemann diz: “Não se pode entender a história da educação nos Estados Unidos durante o século XX a menos que se compreenda que Edward L. Thorndike venceu e John Dewey perdeu”51 (TOMLINSON, 1997, p. 367). A

compreensão do porquê Dewey perdeu e Thorndike ganhou remete, na perspectiva de Labaree (2005; 2011), às razões dos progressistas administrativos terem vencido em relação aos progressistas pedagógicos.

49 No original: “Unlike many of his followers, Thorndike did not view lifelong education as a

mechanism for combatting the inequalities of schooling and society.”

50 No original: “While agreeing with Thorndike about the universality of the scientific method,

Dewey had a more sophisticated understanding of the complexity of educational phenomena. He recognised that because human beings are purposive, conscious subjects, who create meaning and organise behaviours in order to secure their needs within multilayered social and historical fields, basic experience was not quantifiable, as Thorndike had argued, but irreducibly qualitative and rational. […] Most importantly, in contrast to Thorndike’s concern with instrumental means-end questions, the laboratory school would also contribute to the experimental determination of education aims.”

51 No original: “One cannot understand the history of education in the United States during de

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Portanto, ao situar Thorndike na primeira vertente e Dewey na segunda, Dewey teria perdido visto que a teoria de Thorndike foi incorporada na organização escolar e na estruturação dos currículos.

Todavia, o cenário decorrente dessa disputa é mais complexo do que se pode pensar em um primeiro momento, ao considerar que, por um lado, temos a visão que moldou a prática e, por outro, a visão que persiste na retórica dos educadores. Para Labaree (2011), a vitória dos progressistas administrativos se traduziu na organização escolar e do currículo que perdura até hoje. Por outro lado, os progressistas pedagógicos moldaram a forma como falamos sobre a escola. Mas, mesmo em vista da vitória de Thorndike, a sua figura não ganhou maior projeção ao longo das décadas. Como observa Tomlinson (1997):

Enquanto críticos populares, historiadores e filósofos têm analisado e debatido a visão de educação progressiva de John Dewey, notavelmente pouca atenção tem sido dada ao pensamento e influência exercida por Edward Lee Thorndike, o principal teorista do Teachers College da Columbia University – a escola de pós-graduação em educação mais influente dos EUA52 (TOMLINSON, 1997, p. 366).

Esse apagamento de Thorndike do discurso educacional e da historiografia tem uma explicação mais ampla na opinião de Labaree (2011).

Ironicamente, as ideias de reforma mais bem-sucedidas, à medida que elas se tornam parte do cenário natural da educação escolar, tendem a perder suas conexões com o autor original e a desaparecer de vista. Em contraste, as ideias perdedoras tendem a permanecer identificadas com o criador e preservar sua visibilidade, precisamente porque elas ainda estão fora dos muros da escola, tentando encontrar um caminho para entrar53 (LABAREE, 2011, p. 163).

Portanto, ao “vencer”, Thorndike foi sendo apagado progressivamente ao longo das décadas do discurso educacional.

Retomando as aproximações entre Dewey e Thorndike, um tema

52No original: “While popular critics, historians, and philosophers have analysed and debated

John Dewey’s vision of progressive education, remarkably little attention has been paid to the thought and influence exerted by Edward Lee Thorndike, the leading theorist at Columbia University’s Teachers College – America’s most influential graduate school of education.”

53No original: “Ironically, the most successful reform ideas, as they become part of the natural

landscape of schooling, tend to lose their connection to the original author and to disappear from view. In contrast, losing ideas tend to remain identified with their creator and preserve their visibility, precisely because they are still outside the walls of the school trying to find a way in.”

abordado por ambos foi a educação matemática, apesar de que em diferentes proporções. Nesse sentido, quais suas contribuições? O que escreveram a respeito? Qual foi a recepção de suas publicações? Estas e outras questões serão abordadas nos capítulos 2 e 3.

Capítulo 2: John Dewey: psicólogo, filósofo e... educador