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PARTE III: CIRCULAÇÃO E APROPRIAÇÕES POR MEIO DOS IMPRESSOS

Capítulo 6: Os programas e as bibliotecas pedagógicas enquanto indicativos da circulação e

6.1 Os Institutos de Educação e os programas de ensino

6.1.2 Os programas do Instituto de Educação de São Paulo

Os programas analisados foram publicados em formato de brochura pela Imprensa Oficial de São Paulo entre 1933 e 1937, com exceção do programa de 1935, que foi analisado com base na publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo201.

A aritmética aparece nos programas do curso Matérias e prática do ensino primário. Ao contrário do programa do Instituto de Educação do Rio, não há programas distintos tratando as diferentes áreas (aritmética, linguagem, etc). Portanto, a análise será feita de forma mais abrangente, não sendo possível uma comparação simétrica entre os programas dos dois Institutos, o que não inviabiliza o estabelecimento de algumas (des)conexões.

O curso Matérias e prática do ensino primário foi ministrado em um primeiro momento por Antônio Firmino de Proença – entre 1933 e 1935 – e,

200 O livro Vida e educação reúne a tradução dos textos The child and the curriculum e Interest

and effort.

201 Se o programa de 1934 foi publicado em forma de brochura/livreto, tal exemplar não foi

localizado. Uma cópia do programa publicado no DOSP foi gentilmente cedida por Dênis Herbert de Almeida.

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posteriormente, assumida por Onofre de Arruda Penteado Júnior, entre 1936 e 1937.

Antônio Firmino de Proença (Sorocaba, SP 1880 – 1946) diplomou-se professor pela Escola Normal da Praça em São Paulo. Foi nomeado professor interino da Escola Complementar de Guaratinguetá em 1904, dois meses após a sua formatura. Poucos meses depois foi transferido para a Escola Complementar de Piracicaba, na qual assumiu, em 1911, a cadeira de aritmética, álgebra e geometria. Lecionou em diferentes escolas do interior paulista até ser admitido na Escola Normal da Capital em 1930, onde seria nomeado diretor. Antes, no entanto, ocupou o cargo de Inspetor Geral do Ensino, em 1928. Publicou livros didáticos e artigos sobre diferentes áreas do ensino, inclusive aritmética (BARREIRA, 2010; CARVALHO, BARREIRA E NERY, 2010). Nas análises realizadas por Almeida (2013), uma das constatações é que Proença adotava o método intuitivo, mas também incorporava elementos relacionados ao modelo escolanovista. Tais aspectos reforçam as conclusões de Valente (2011; 2014b) de que o método ativo não suprimiu o método intuitivo.

Sobre a trajetória pessoal e profissional de Onofre de Arruda Penteado Júnior foram localizadas poucas informações. Em 1935 prestou concurso para ocupar a cátedra da Metodologia do ensino primário, para a qual foi aprovado, assumindo o lugar de Proença, que fora transferido para a Direção da Escola Secundária. Com a extinção do Instituto, foi transferido para a FFCL, onde assumiu a Didática Geral e especial como professor catedrático (EVANGELISTA, 2002). Teve vasta produção, publicando livros e artigos. Entre outros, escreveu sobre metodologia, didática e ensino de aritmética.

O programa do curso Matérias e prática de ensino do curso primário (MPE) de 1933202 contém 16 referências, das quais quatro são em inglês. Não

são indicados livros específicos sobre ensino de matemática/aritmética. Consta um único livro de Dewey, Fines, materias, métodos de la educación. Chama a atenção a presença do manual de Aguayo, Didactica de la escuela nueva. Nos programas dos outros cursos não constam livros de Dewey, mas Thorndike

202 Segundo informações na capa da brochura: “Programas do 1º ano apresentados pelos

professores das cinco secções e aprovados pelo Conselho Técnico para o período de transição, correspondente ao ano letivo de 1933.”

aparece na bibliografia de dois cursos: Psicologia educacional com o livro

Educational psychology. Briefer course (1927), e Estatística aplicada à educação, com An introduction to the theory of mental and social measurements (1913)203. O primeiro curso estava a cargo de Noemy Rudolfer,

e o segundo de Milton da Silva Rodrigues.

O programa de MPE de 1934 apresenta uma única mudança, o acréscimo de uma referência, The psychology and pedagogy of reading, de Ed. Burke Huey. Dewey aparece na bibliografia do programa de Filosofia da

educação, a cargo de Roldão Lopes de Barros, com o livro Education and democracy. Thorndike consta no mesmo programa com o livro Elementary principles of education – uma coautoria com Gates – e em Psicologia educacional, com Educational psychology Briefer Course (1927).

O programa de MPE de 1935 sofre mudanças mais significativas. Ao todo, são 21 referências, e não constam edições em inglês. Dewey é excluído e aparece pela primeira (e única) vez o manual de Backheuser, Técnica da

pedagogia moderna. Também são incluídos os livros de Lourenço Filho, Introdução ao estudo da escola nova; e de Anísio Teixeira, Educação Progressiva. É incluída uma única referência específica sobre matemática, do

Departamento de Educação do Distrito Federal, o Programma de Mathematica. Nos outros programas desse ano não constam obras de Dewey ou Thorndike.

Em 1936, Penteado Júnior assume o curso de MPE. Na bibliografia constam 22 referências, das quais nenhuma edição em inglês. São incluídos três livros de Dewey: Pedagogia y filosofia; Teorias da educação; Fins,

materias e métodos. Pela primeira vez Thorndike é incluído, com a edição

brasileira A nova metodologia da aritmética. Aguayo volta a aparecer, mas dessa vez com dois títulos: Pedagogia científica e Didática da escola nova204. É mantido o livro de Lourenço Filho, Introdução à escola nova. Aparecem pela primeira vez os seguintes livros: Educação para uma civilização em mudança, de Kilpatrick; Como se ensina a leitura, de Pennel e Cusack; O cálculo e a

203 Indico o ano da edição que é informado nos programas, dado geralmente omitido nos

mesmos.

204 Considerando os títulos, provavelmente são as edições brasileiras de Aguayo, visto que

Didática da escola nova foi publicado em 1935 e Pedagogia científica no ano seguinte, pela Editora Nacional.

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medida205, de Decroly e Hemaide; Como se ensina a aritmética, de Faria de

Vasconcelos. O número de títulos voltados especificamente ao ensino de aritmética é significativamente maior em comparação aos programas dos anos anteriores, três no total (Thorndike; Decroly e Hemaide; Vasconcelos). Nos outros programas do mesmo ano, Thorndike é indicado no curso Psicologia

educacional, com o livro Educational psychology - Briefer Course (1927), e

Dewey no curso de História e filosofia da educação, com Democracia e

educação.

As referências indicadas no programa de 1937 totalizam 23, 5 em inglês. Dewey aparece com um título a menos: Theorias sobre La educación e Fines,

matérias, métodos de la educación. Thorndike contabiliza um título a mais, The psychology of arithmetic e A nova metodologia da aritmética. Aguayo continua

com os mesmos títulos, Didactica de La escuela nueva206 e Pedagogia científica.

Dewey aparece no curso de Sociologia educacional, a cargo de Fernando de Azevedo, com o livro El niño y el programa escolar (1930). Thorndike mais uma vez consta na bibliografia do curso de Psicologia

educacional com o título Educational psychology Briefer Course (1927).

O Quadro 5 fornece uma visão geral da distribuição dos títulos de Dewey (D) e Thorndike (T) pelos programas em que são incluídos no IESP.

Quadro 5: Dewey e Thorndike nas bibliografias dos programas do IESP

Ano

Curso 1933 1934 1935 1936 1937

Matérias e prática de ensino (Proença/Penteado Junior)

D D D/T D/T

Psicologia educacional (Noemy Rudolfer)

T T T T

Estatística aplicada à educação (Milton Rodrigues) T Filosofia da educação (Roldão Lopes) D/T D Sociologia educacional (Fernando de Azevedo) D

Fonte: Programas do IESP publicados entre 1933 e 1937.

205 Não localizei quaisquer informações sobre a suposta tradução de Decroly e Hemaide. A

edição francesa é citada por Souza (1938), constando as seguintes informações editoriais: Le calcule et la mesure au premier degrée de l’école Decroly. Neuchatel et Paris, 1932.

206 O título em espanhol do livro de Aguayo no programa de 1937 coloca em dúvida se a edição

indicada no ano anterior era de fato a tradução brasileira ou se apenas o título foi traduzido por algum descuido ao ser indicado na bibliografia.

Comparando os programas do curso de MPE no primeiro momento, sob responsabilidade de Proença, e em um segundo momento, sob responsabilidade de Penteado Júnior, percebe-se um aumento no número de referências norte-americanas. Ainda, Thorndike é inserido no segundo momento. Quanto a Dewey, há um acréscimo de obras, mas o título Fines,

materias, metodos de la educación207 é mantido.

Em comparação com o programa de Cálculo do IERJ, os programas de MPE do IESP apresentam os seguintes autores em comum, mesmo que com obras diferentes: Dewey, Thorndike, Backheuser, Lourenço Filho, Aguayo, Sainz e Sampaio Dória. Um ponto dissonante é a ausência de títulos específicos sobre testes e medidas nos programas de MPE de São Paulo.

No caso de Penteado Júnior, a sua influência parece ter se estendido pelas décadas seguintes. Os programas de Didática Geral e Específica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP parecem apontar para a permanência de alguns livros de Dewey e do manual A nova metodologia da

aritmética, de Thorndike até, pelo menos, início dos anos 1960. No caso da

Didática da matemática, o manual A nova metodologia da aritmética aparece nos programas de 1954, 1959 e 1960208. No caso da Didática geral, constam

os seguintes livros de Dewey: Democracia e educação e Como pensamos (1953, 1954, 1959 e 1960). Outra presença relevante é Aguayo, com o livro Pedagogia científica (1953, 1954, 1959). A presença de tais referências nos programas parece estar relacionada com o catedrático da disciplina, o professor Onofre de Arruda Penteado Júnior, e os resquícios de sua atuação no IESP.

A presença dos livros de Dewey e Thorndike em programas de outros estados e/ou em diferentes períodos permite perceber a circulação de seus textos em diferentes espaços e em períodos nem sempre coincidentes. Isso reforça que a circulação/apropriação de ideias/objetos/modelos não se dá de forma sincrônica e a recepção pode ser bem diversificada. Na sequência indico alguns exemplos.

207 Reproduzo os títulos conforme constam nos programas de ensino. Em alguns casos, ora o

título aparece em espanhol, ora em português.

208 Foram analisados os programas de 1953, 1954, 1959 e 1960. O programa de Didática da

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No programa para o ensino primário de Pernambuco, datado de 1929, aparecem as primeiras referências ao livro de McLellan e Dewey em um programa, portanto, anterior ao Rio e São Paulo. O programa, vinculado à Diretoria Técnica de Educação de Pernambuco, foi publicado em brochura extensa – 262 páginas – pela Imprensa Oficial em 1929, e inicia com uma apresentação de José Ribeiro Escobar, Diretor Técnico de Educação.

Os três primeiros programas apresentados na brochura são de aritmética, álgebra e geometria. No final da brochura, sob o título “alguns livros recommendados”, relação bibliográfica dividida por curso209. As referências

indicadas para matemática (aritmética, álgebra e geometria) são basicamente divididas em textos em português e francês. A única exceção é o livro de McLellan e Dewey. Entender como tal referência é incluída em um programa para o ensino primário remete diretamente a entender quem é o Diretor Técnico de Educação responsável.

O referido programa se insere no cenário da reforma educacional de Pernambuco, realizada por Carneiro Leão, em 1929. Para levar a reforma a cabo, Carneiro Leão contou com a colaboração do governador de São Paulo, Júlio Prestes, que promoveu a ida de um grupo de professores, entre eles José Ribeiro Escobar, naquela época professor de matemática da Escola Normal da Praça. Ele havia assumido a cadeira de Matemática e Didática da Escola Normal em 1921. No bojo da reforma em Pernambuco, Escobar assumiu a Diretoria Técnica de Educação. Ao retornar a São Paulo, assumiu o cargo de Assistente Técnico de Ensino, a convite de Sud Menucci, então Diretor Geral do Esnino. Em 1934, passou a ocupar o cargo de Chefe do Serviço de Programas e Livros Escolares. Entre suas publicações estão livros e artigos sobre o ensino de aritmética (ARAÚJO, 2009; OLIVEIRA, 2015).

A ida de Escobar e outros professores de São Paulo para auxiliarem na reforma educacional pernambucana ilustram um cenário comum na época:

Viagens de estudo ao Estado de São Paulo e empréstimo de técnicos passam a ser rotina administrativa na hierarquia das providências com que os responsáveis pela instrução pública

209 Os cursos são: aritmética, álgebra, geometria, higiene, educação física, linguagem,

desenho, história e previsão social, ciências físicas, ciências naturais, geografia e cosmografia, história, educação estética, música, trabalhos manuais, educação cívica e moral.

dos outros estados tomam iniciativas de remodelação escolar na Primeira República (CARVALHO, 2000, p. 112).

Algumas referências indicadas nos programas dos outros cursos são dignas de nota e sinalizam a tentativa de Escobar de se alinhar com as discussões da escola nova, entre elas: Ferriere – La escuela activa; Hamaide – El methodo Decroly; Montessori – Case dei bambini. No entanto, a presença de títulos como Lições de cousas, de Calkins, mostram a permanência de resquícios da pedagogia intuitiva. Isso reforça as conclusões de Oliveira (2015) que, ao analisar artigos sobre ensino de aritmética publicados por José Ribeiro Escobar nos anos 1920, apesar de ser um entusiasta da escola nova, suas recomendações para o ensino de número guardavam resquícios do método intuitivo.

Outro exemplo de permanência é o programa do ensino primário e pré- primário da Bahia de 1963. Nele consta o manual de Thorndike, A nova

metodologia da aritmética210. Se não pela presença do manual de Thorndike,

outros títulos também chamam a atenção pela frequência com que aparecem em programas e manuais anteriores à década de 1960. São eles: Backheuser – Como se ensina a aritmética; Margarita Comas – Metodologia de la aritmética

y la geometria; Alfredina de Paiva e Souza – O cálculo no ensino primário;

Vasconcelos – Como se ensina a aritmética.

6.2 Constituição das bibliotecas pedagógicas: reflexo de um projeto de