• Nenhum resultado encontrado

PARTE I: ESTABELECENDO CONEXÕES ENTRE DEWEY, THORNDIKE E A EDUCAÇÃO

Capítulo 2: John Dewey: psicólogo, filósofo e educador matemático?

2.1 O livro The Psychology of Number

2.1.1 Caracterização do TPN

Os primeiros capítulos – de um total de 16 – focam na importância da psicologia na educação e no desenvolvimento do conceito de número (Quadro 1). Os outros capítulos, principalmente a partir do 8, passam a discutir paulatinamente conceitos matemáticos (adição, subtração, multiplicação, porcentagem, decimais entre outros), contrapondo o que os autores chamam de método psicológico com outros métodos e o raciocínio por trás de cada um deles.

64 No original: “saw it as a book suitable for high-school instructions, and he had visions of

making a lot of money from it.”

65 Georg Wilhelm Hegel, filósofo alemão e um dos representantes do “idealismo alemão”, é

considerado como o mais sistemático dos idealistas pós-kantianos. Ele buscou elaborar uma filosofia sistemática e abrangente a partir da lógica. (Disponível em

http://plato.stanford.edu/entries/hegel/ Acesso em 09 jul. 2013).

66 Carta de Dewey a Harris, em 04 dez. 1894, ref. (00493) (HICKMAN, 1992). No original: “It

may interest you to know—what I shouldn't like to give way to the general public—that I started first by trying to turn Hegel's logic of quantity over into psychology & then that into pedagogy.”

Quadro 1: Estruturação do livro The Psychology of Number

Capítulo Título68 Páginas

I O que a psicologia pode fazer pelo professor 1-22 II A natureza psíquica do número 23-34 III A origem do número: dependência do número em relação à

medida, e da medida em relação à sistematização da atividade

35-51 IV A origem do número: resumo e aplicações 52-67 V Definição, aspectos e fatores das ideias numéricas 68-92 VI O desenvolvimento do número, ou as operações aritméticas 93-118 VII Operações numéricas como externas e intrínsecas ao número 119-143 VIII Sobre o ensino inicial de números 144-165 IX Sobre o ensino inicial de números 166-189 X Notação, adição, subtração 190-206

XI Multiplicação e divisão 207-226

XII Medidas e múltiplos 227-240

XIII Frações 241-260

XIV Decimais 261-278

XV Porcentagem e suas aplicações 279-296 XVI Extração da raiz de um número 297-309

Fonte: McLellan e Dewey (1895).

O editor W. T. Harris destaca em seu prefácio a importância do livro, afirmando que, com a sua publicação, “acredita-se que uma carência especial é suprida”69. Essa suposta demanda seria resultado de um ensino de aritmética

baseado em métodos inadequados, aspecto enfatizado em ambos os prefácios. Ainda, a importância do método e a sua relação com a psicologia ganha destaque no prefácio do editor, ao dizer que “métodos devem ser escolhidos e justificados, se é que podem ser justificados, em bases

68 Título dos capítulos no original: I – What psychology can do for the teacher; II – The psychical

nature of number; III – The origin of number: dependence of number on measurement, and of measurement on adjustment of activity; IV – The origin of number: summary and applications; V – The definition, aspects and factors of numerical ideas; VI – The development of number; or, the arithmetical operations; VII – Numerical operations as external and as intrinsic to number; VIII – On primary number teaching; IX – On primary number teaching; X – Notation, addition, subtraction; XI – Multiplication and division; XII – Measures and multiples; XIII – Fractions; XIV – Decimals; XV – Percentage and its applications; XVI – Evolution.

61

psicológicas”70 (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. v) e que “os autores deste livro

apresentaram de uma forma admirável esta visão psicológica do número, e mostraram sua aplicação em métodos corretos de ensino dos diversos processos aritméticos”71 (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. vii).

No prefácio escrito pelos autores, tem início a crítica aos resultados insatisfatórios obtidos com o ensino de aritmética, consequência de um ensino inadequado da disciplina. Enfatizam o aspecto social ao afirmarem que a aritmética, assim como outras disciplinas, é capaz de inserir os alunos nas realidades do ambiente social. Mencionam em diferentes momentos a dimensão ética. Quanto ao método, os autores aludem às reações negativas em relação ao ensino de aritmética, destacando que “não é menos insensato quando se volta contra a aritmética em si, ao invés de voltar-se contra formas de ensiná-la que são estúpidas e que promovem a estupidez”72 (MCLELLAN;

DEWEY, 1895, p. xi).

O aspecto social ganha espaço no prefácio dos autores em relação ao papel que a aritmética desempenha se comparada a outras disciplinas. Nesse sentido, os autores afirmam que: “Apropriadamente concebida e apresentada, nem geografia ou história é uma forma mais efetiva do que a aritmética de trazer para o pupilo as realidades do ambiente social no qual ele vive”73

(MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. xiii).

Elementos tais como valor, ética e experiência são evocados ao longo dos capítulos. Logo no primeiro parágrafo do Capítulo 1 os autores discorrem sobre o valor de fatos e de teorias ligados às atividades humanas, e que esse valor é determinado por aplicações práticas, para realizar determinados propósitos, e que a questão do valor também se aplica à relação entre psicologia e educação, afirmando que “o estudo da psicologia tem um alto valor

70 No original: “Methods must be chosen and justified, if they can be justified at all, on

psychological grounds.”

71 No original: “the authors of this book have presented in an admirable manner this

psychological view of number, and shown its application to the correct methods of teaching the several arithmetical processes.”

72 No original: “it is none the less unwise when turned against arithmetic itself, and not against

stupid and stupefying ways of teaching it.”

73 No original: “Properly conceived and presented, neither geography nor history is a more

effective mode of bringing home to the pupil the realities of the social environment in which he lives than is arithmetic.”

disciplinar para o professor”74 (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. 02). Também

criticam o estudo por meio de fatos, crítica essa que é retomada diversas vezes nos capítulos seguintes, em relação aos métodos que primam pela memorização, que segundo os autores é o caso do método Grube75.

Os autores discorrem sobre o processo de reflexão, o qual envolve abstração e generalização. Portanto, a psicologia é importante pelo seu valor no treino prático e profissional do professor. Em relação à educação, eles a definem como a ciência da formação do caráter e que “o problema da educação é essencialmente um problema ético e psicológico76 (MCLELLAN;

DEWEY, 1895, p. 04). Grande destaque é dado à importância da experiência, que não se trata de qualquer tipo de experiência, mas sim aquela composta por certo tipo de prática baseada em princípios racionais. O papel da psicologia seria tornar a experiência racional.

Quanto à origem do número, afirmam que é de natureza psíquica, portanto, ele é um processo racional e não se resume apenas à pura percepção, ao sentido. O número é “um produto psíquico, e tem uma razão psíquica para sua origem”77 (p. 23). Os objetos em si e sua percepção não

constituem números, bem como a percepção da multiplicidade das coisas não implica na consciência do número. A consciência do número consiste na capacidade de quantificar, numerar, medir. “Número não é uma propriedade dos objetos que pode ser percebida por meio do mero uso dos sentidos, ou gravado na mente pelas denominadas energias externas ou atributos”78

(MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. 23-24).

No que se refere à noção de unidade e de multiplicidade, os autores defendem que objetos diferentes devem ser vistos como parte de um todo, um grupo, enquanto que objetos iguais devem ser vistos em sua unidade/individualidade, e que “número é um produto da forma pela qual a

74 No original: “the study of psychology has a high disciplinary value for the teacher.”

75 Augusto G. Grube, professor alemão que em 1842 publicou em Berlim o Guia para o cálculo

nas classes elementares, seguindo os princípios de um método heurístico, livro amplamente adotado, traduzido e mesmo imitado (COSTA, 2010).

76 No original: “the problem of education is essentially an ethical and psychological problem.” 77 No original: “a psychical product, and has a psychical reason for its origin.”

78 No original: “Number is not a property of the objects which can be realized through the mere

63

mente lida com objetos na operação de tornar um todo vago em definido”79

(MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. 32). Tais operações são a discriminação e a generalização, sendo esta última composta pela abstração e agrupamento.

Se tudo que está relacionado às atividades humanas fosse ilimitado, não haveria necessidade de nos preocuparmos com a noção de quantidade, afirmam os autores. O limite é “a ideia primária em toda quantidade, e a ideia de limite surge devido à alguma resistência encontrada no exercício de nossa atividade”80 (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. 36).

Como mencionado anteriormente, os autores tecem críticas ao método Grube, cujo foco seria a memorização, contrapondo ao que eles propõem no método psicológico, cujo foco é no processo mental, o resultado é apenas um detalhe. Ou seja, no processo mental o foco é no exercício da atenção e julgamento, que forma o hábito definido de análise e síntese. Ainda, a aprendizagem de fatos, a preservação e retenção de informação, são resultados da formação de hábito. Segundo Costa (2010, p. 119), o método Grube consiste:

em fazer os alunos, eles mesmos e por intuição, as operações fundamentais do cálculo elementar. Tal método tem por objetivo fazer conhecer os números: conhecer um objeto, que não é somente conhecer seu nome, mas vê-lo sob todas as formas, em todos os seus estados, nas suas diversas relações com outros objetos; é poder comparar com outros, seguir nas suas transformações, escrever e medir, compor e decompor, à vontade.

Apesar de Hegel ser mencionado apenas no prefácio do editor, quando este discute a relação entre multiplicidade e unidade e faz referência ao texto “Lógica”81, é possível afirmar que o pensamento hegeliano teve um papel

importante na elaboração do texto com base nas cartas de Dewey. Outro aspecto que chama a atenção é a presença reduzida de discussões que remetam ao cotidiano do aluno. Um dos poucos momentos que os autores aludem explicitamente a situações da vida real é quando defendem que as

79 No original: “number is a product of the way in which the mind deals with objects in the

operation of making a vague whole definite.”

80 No original: “the primary idea in all quantity, and the idea of limit arises because of some

resistance met in the exercise of our activity.”

81 Conforme aparece no prefácio: “Hegel, Logik, Bd. I, 1st Th., S. 225” (MCLELLAN; DEWEY,

crianças podem trabalhar com operações que envolvem números maiores logo no início, pois elas vivenciam isso em situações de suas vidas familiares, como, por exemplo, quando o pai vende algumas vacas ou cavalos, elas conseguem compreender o valor total da venda (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p. 90-91).

Ao longo do livro os autores discutem o processo para ensinar as operações aritméticas e que com isso eles pretendem “mostrar como essas operações representam o desenvolvimento do número enquanto o modo de medida”82 (MCLELLAN; DEWEY, 1895, p 94).