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PARTE III: CIRCULAÇÃO E APROPRIAÇÕES POR MEIO DOS IMPRESSOS

Capítulo 6: Os programas e as bibliotecas pedagógicas enquanto indicativos da circulação e

6.1 Os Institutos de Educação e os programas de ensino

6.1.1 Os programas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro

Publicados em março de 1937, os programas de ensino da Escola de Educação constavam no terceiro número da revista Arquivos do Instituto de

Educação, uma publicação do próprio Instituto, naquele momento vinculado à

Universidade do Distrito Federal.

Figura 11 – Sumário da Revista Arquivos do Instituto de Educação do Rio de Janeiro.

Abria aquele número da revista um texto inicial com informações gerais sobre o Instituto no ano de 1936 e um artigo de Lourenço Filho intitulado “A formação do professorado primário”, seguido então pelos programas de ensino

dos seguintes cursos e respectivos professores: Biologia educacional, J. P. Fontenelle; Psicologia educacional, Lourenço Filho; Sociologia educacional, Delgado de Carvalho, História da educação, Afrânio Peixoto; Filosofia da educação, sem indicação do docente189; Leitura e linguagem, Elvira Nisynska;

Cálculo, Alfredina de Paiva; Estudos Sociais, Maria Reis Campos; Ciências naturais, Venâncio Filho; Literatura infantil, Elvira Nisynska; Música e canto orfeônico, Ceição de Barros Barreto; Educação física, recreação e jogos, Lois Marieta Willians; Desenho e artes industriais, Nereo Sampaio; Prática de ensino, sem indicação de docente190.

Se foram publicados programas nos anos anteriores, não foram localizados ou mencionados em outras pesquisas que se debruçam sobre o Instituto de Educação do Rio. No entanto, a considerar as datas dos programas, a maioria apontada como 1935, é possível que essa tenha sido a primeira publicação.

Deter-me-ei no curso de Cálculo, que fazia parte da seção Matérias de ensino, a cargo da professora Alfredina de Paiva e Souza, no qual se inseriam as discussões sobre o ensino de aritmética. Primeiramente, cabe questionar sobre quem era a professora responsável. Alfredina de Paiva é invariavelmente citada em trabalhos que tratam do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e sobre os programas televisivos educacionais. Apesar do importante papel a ela atribuído, principalmente nos programas educacionais televisivos, pouco se sabe sobre sua trajetória profissional e pessoal. Almeida (2013) avançou nesse sentido, baseando-se em publicações de Alfredina de Paiva que ainda não haviam sido pesquisadas e em levantamento documental realizado no IERJ, mesmo que várias questões ainda permaneçam em aberto.

Nascida em 1905 em Bom Jesus de Itabapoana, interior do Rio de Janeiro191, Alfredina de Paiva se diplomou normalista em 1923 pela Escola

Normal do Distrito Federal. Em 1932 ingressou como professora no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Foi professora-chefe da seção de Prática de Ensino e assistente da seção Matérias de Ensino, sendo a responsável pelo

189 Inicialmente, o professor responsável pelo curso de Filosofia da educação era Anísio

Teixeira, que deixou a DGIP em 1935.

190 Segundo Pinto (2006), em 1934 Alfredina de Paiva e Souza era professora-chefe da seção

de Prática de ensino elementar.

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curso de Cálculo nessa última. No concurso em que ingressou no Instituto, Paschoal Lemme era o outro candidato, mas desistiu da vaga. Em 1941 concluiu o bacharelado em Pedagogia. Entre abril e agosto de 1952 esteve nos EUA realizando estudos voltados à metodologia da matemática. Em 1952 é jubilada no cargo que ocupava no Instituto de Educação. Em 1961 foi idealizadora de um programa de alfabetização pela TV na extinta TVE Brasil (ALMEIDA, 2013). Especificamente no campo da matemática, Alfredina de Paiva publicou manuais voltados à formação de professores, livros didáticos para o primário e artigos em revistas pedagógicas192.

Sobre o programa de Cálculo elaborado por Alfredina de Paiva, a bibliografia indicada conta com 34 títulos, sendo separados em 12 “compêndios ou livros de texto” e 22 “livros de consulta”. Constam três títulos de Thorndike, dois na bibliografia principal (The new methods in arithmetic e The Thorndike’s

arithmetic) e um como livro de consulta (The psychology of arithmetic). A

indicação de três títulos de Thorndike – sendo dois na bibliografia principal – é significativo da importância que ele assume no programa. Em número de títulos, fica atrás apenas de Margarita Comas193, que aparece com três obras

nas referências principais. No caso de Dewey, constam três títulos (Como

pensamos; El niño y el programa escolar e The child and the curriculum), todos

nos “livros de consulta”.

Dos 34 títulos, 9 são em português, 13 em inglês, 9 em espanhol e 3 em francês. Portanto, a presença francesa – e europeia – ainda se verifica, por meio das edições originais ou traduções. Ainda, é possível relacionar a presença marcante de títulos em inglês com outro fenômeno verificado por Vidal (2001), de um crescimento significativo no número de livros de autores dos EUA no acervo da biblioteca do Instituto, que será retomado posteriormente neste capítulo.

Chama a atenção a forte presença de títulos relacionados a testes e medidas, cinco no total – todos nas leituras recomendadas –, isso sem contar os manuais que abordam tal temática em seu interior. São os títulos: How to

measure in education, McCall; Educational tests and measurements, Monroe,

192 Essas publicações serão retomadas no capítulo 7.

De Voss, Kelly; Testes e escalas, Isaias Alves; Tests, Russel; Statistical

methods applied to education, H. Rugg. A presença desses títulos se justifica

pelo teor do programa, cujo sétimo tópico tem como tema “Os testes em matemática”. Tal constatação reforça o que foi discutido no capítulo 4, da forte vinculação dos estudos sobre testes e medidas à matemática e não somente à psicologia194. Nota-se que, com exceção do livro de Isaias Alves, são todos

títulos em inglês. Para além dos testes, mas de forma inter-relacionada, cabe destacar que esse período foi marcado pelo recurso às estatísticas, não apenas no campo educacional. Conforme esclarecem Silva e Valente (2015), esse foi um tempo de “valorização das práticas estatísticas como mecanismo de base para elaboração de ações amplas em nível nacional, rumo à constituição de um orgânico sistema de ensino” (p. 445). Os autores afirmam ainda que o uso das práticas estatísticas funcionava como:

uma das formas de tratar as questões educacionais de modo

cientifico – termo bem ao gosto de uma época de

assentamento do que ficou conhecido como pedagogia

científica: uma pedagogia que se afirmou no aparato médico-

bio-psicológico de avaliação estatística (SILVA; VALENTE, 2015, p. 456, grifos dos autores).

Considerando os outros títulos arrolados nas referências do programa, é possível dizer que a circulação de Dewey e de Thorndike não se dá apenas por meio de suas obras, mas também de forma indireta, a partir das referências feitas por outros autores. Exemplo disso são os manuais de Aguayo e Backheuser. As apropriações presentes nesses manuais serão discutidas no próximo capítulo.

Com relação aos outros programas, temos o seguinte cenário: Dewey aparece nas referências dos programas de Psicologia educacional; Filosofia da educação; Leitura e linguagem; Estudos sociais; Literatura infantil; Música e canto orfeônico; Educação física, recreação e jogos. Ou seja, de 14 programas apresentados na revista, Dewey consta nas referências de 8195.

194 Títulos específicos sobre testes e medidas aparecem nos programas de ensino dos

seguintes cursos: Biologia educacional; Psicologia educacional; Leitura e linguagem.

195 Dos seis programas em que Dewey não consta na bibliografia, quatro simplesmente não

trazem referências bibliográficas. Os outros dois são os programas de Biologia educacional e Ciências naturais.

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Thorndike aparece apenas no programa de Psicologia educacional, com o título Elementary principles of education, que tem como coautor Arthur Gates196, e mesmo assim aparece em uma bibliografia secundária, “Livros

recomendáveis para questões gerais”. De forma indireta, ele se faz presente, por exemplo, no livro Introdução ao estudo da escola nova, de Lourenço Filho. Aliás, é importante ressaltar, como apontado anteriormente, que o curso Psicologia educacional estava a cargo de Lourenço Filho.

É interessante notar a presença de Lourenço Filho e Anísio Teixeira nos programas. Enquanto Lourenço Filho consta nas referências de sete programas197 com o livro Introdução ao estudo da escola nova e/ou Os testes ABC; Anísio Teixeira consta em quatro198, com o livro Educação progressiva.

Ou seja, depois de Dewey, Lourenço Filho é o autor mais citado nos programas. Para os gestores – Anísio Teixeira na DGIP e Lourenço Filho na direção do IERJ – e professores do Instituto, os programas eram um espaço privilegiado para disseminarem suas produções e discursos/modelos pedagógicos voltados à formação de professores. No tocante aos discursos/modelos defendidos por esses dois educadores brasileiros, é importante destacar que há vários pontos divergentes, como destacam Vidal (2001) e Nunes (2000)199.

Dentre os títulos de Dewey, aqueles citados nas bibliografias e respectivas quantidades de programas em que aparecem são: Como

pensamos (6); Vida e educação (5); Pedagogia y filosofia (1); Democracia e educação (1); El niño y el programa escolar (1); The child and the curriculum

(1); Art as experience (1). Portanto, o mais citado é justamente o que aparece no programa de Cálculo. Mas o que chama mais a atenção é a presença de

196 O livro foi traduzido em 1936, sob o título Princípios elementares da educação, pela

professora Haydée Bueno de Camargo, do Instituto de Educação de São Paulo, e publicado pela Livraria Acadêmica, Saraiva e Cia.

197 Lourenço Filho consta nas referências dos seguintes programas: Biologia educacional;

Psicologia educacional; Filosofia da educação; Leitura e linguagem; Cálculo; Estudos sociais; Educação física, recreação e jogos.

198 Anísio Teixeira consta nas referências dos seguintes programas: Psicologia educacional;

Filosofia da educação; Leitura e linguagem; Estudos sociais.

199 Citando algumas dessas divergências, enquanto Vidal (2001) destaca as diferentes

apropriações que Anísio Teixeira e Lourenço Filho fizeram de Dewey, como do conceito de experiência, Nunes (2000) fala das diferentes apropriações que eles fizeram de Thorndike.

Vida e educação,200 por ter sido traduzido por Anísio Teixeira e publicado em

1930.

Considerando o panorama, Dewey aparece como uma abordagem geral, o que se alinha com os outros programas, e aponta para um modelo de formação docente que se pretendia consolidar, sob a gestão de Anísio Teixeira. Nesse sentido, o programa de Cálculo se alinharia com esse discurso, o que é reforçado pelo fato de Dewey constar na bibliografia secundária – “livros de consulta” – e não na principal. Por outro lado, suscita dúvida a razão de aparecerem as edições em inglês e espanhol em vista da existência da tradução feita por Anísio Teixeira, no programa de cálculo. Seria um sinal de resistência à figura de Anísio Teixeira ou à qualidade da tradução? Ou uma forma de incentivar a leitura em outros idiomas, visto que traz a mesma referência, mas em idiomas diferentes? A análise dos manuais de Alfredina de Paiva no próximo capítulo fornece mais elementos para elucidar essas questões.