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ACOLHIMENTO, ABERTURA E CUMPLICIDADE: A PORTA DE ENTRADA PARA O ESTABELECIMENTO DOS LAÇOS INTER-HUMANOS E DA CONFIANÇA

6. PENSANDO A FORMAÇÃO HUMANA À LUZ DA DÁDIVA DE S

7.1. ACOLHIMENTO, ABERTURA E CUMPLICIDADE: A PORTA DE ENTRADA PARA O ESTABELECIMENTO DOS LAÇOS INTER-HUMANOS E DA CONFIANÇA

Este tópico versa sobre a postura dos educadores ante a alteridade de seus educandos e ao desafio de desenvolver uma proposta pedagógica. Trata-se de uma disposição para estar

aberto ao outro, para se doar, para enxergá-lo em sua singularidade, reconhecer suas potencialidades e acolhê-lo. Essa disposição não implica no abandono do ser individual do educador, pois percebemos que ela advém – sim – da própria natureza dele. Afinado a essa reflexão, Policarpo Júnior (2010) nos diz que a prática pedagógica do educador não deve estar dissociada do restante de sua vida.

Sendo assim, iniciamos pela importância que reside na boa recepção que o educador proporciona a seus educandos, elemento que depende também das pré-disposições de seus estudantes. Aqui, falamos do receber bem aquele que chega, do acolher as singularidades que se apresentam diversas naquele coletivo que se forma cotidianamente. Nessa direção, um dos professores entrevistados – Cláudio, da Instituição C – nos disse que os aspectos mais importantes no relacionamento dele com seus educandos são

Abertura, confiança. [...] Quando eu digo abertura, é você se dar mesmo para o outro, oferecer o seu melhor, e não simplesmente estar ali por uma questão de uma obrigação externa. [...] O aspecto principal é você estar ali por liberdade pura e nessa liberdade você poder se abrir para o outro, para dar o que você tem de melhor, isso para mim é o aspecto fundamental.

A fala de Cláudio enfatiza a liberdade que deve existir no educador para abrir-se às individualidades que ali se apresentam. No decorrer da nossa entrevista com esse educador, ele nos revela que essa abertura sincera e livre é fundamental para que o educando se sinta acolhido, se sinta à vontade para ser quem ele é. Mais adiante, ele vai nos dizer que esse acolhimento é fundamental para que a confiança (elemento que abordaremos mais adiante) se estabeleça nessa relação pedagógica. A partir da fala de Cláudio, enfatizamos seu gesto de oferecer o que há de melhor, e relembramos o que havíamos dito sobre a dádiva de si, sobre o gesto de deixar transbordar o que há de melhor dentro de si, afetando o outro. Sendo assim, a fala de Cláudio desvela esta face humana e mágica de oferecer o que se tem de melhor dentro de si, sem ter certeza alguma se isto será recebido, se será fecundado, ou se haverá algum retorno. Essa atitude de abertura do educador, essa doação de si mesmo, aponta para uma possibilidade de acontecer algo a mais, de – de repente – se inaugurar uma relação, de quem sabe contribuir para o desenvolvimento do educando. Dentro desse viés, Godbout (1992, p. 15) chega a dizer que ―é preciso pensar o dom, não como uma série de actos unilaterais e descontínuos, mas como uma relação‖, ou seja, o educador – ao se doar, ao se abrir a quem chega – se coloca em relação, mas o florescer desta só ocorrerá também se o educando aceitar receber o que está sendo doado, se também se colocar em relação. Do contrário, essa doação ficará perdida, tal qual uma semente em terreno infértil.

Quando nos referimos à abertura, queremos enfatizar que ela não implica numa prática teatralizada pelo educador, muito pelo contrário. O educador, enquanto ser vivo com especificidades próprias, deve buscar ser sincero nessa relação. Quando perguntado sobre os aspectos mais importantes que considerava existir em seu relacionamento com os educandos, Caio – educador, da Instituição C – afirmou a importância da abertura e reforçou a importância da honestidade que devemos ter enquanto educadores:

A abertura. Eu acho que eles sabem que às vezes sou bem duro com eles. [...] Não é uma dureza de rigidez. Às vezes é uma dureza mas que tem abertura. Eles sabem que tem isso. Você não precisa fingir para os meninos que você é uma pessoa boa, que você é santo, que você é realizado; você é humano como eles, você tem falhas como eles. [...] Isso é honestidade.

Ou seja, é importante que o educador seja honesto, mas que também mantenha um canal de diálogo, de abertura para com seus educandos.

Nesse sentido, ressaltamos aqui o relacionamento que o educador Adalberto – da Instituição A – estabeleceu com seu grupo de educandos. Após presenciar algumas práticas desse educador e observar seu relacionamento com os educandos antes, durante e após a atividade propriamente educativa, gostaríamos de ressaltar a cumplicidade, o diálogo aberto, o respeito e o carinho que foi gerado nessa relação pedagógica. Percebemos que um diferencial apresentado por Adalberto foi justamente sua postura em escutar os anseios de seus educandos, em valorizar a opinião que eles tinham acerca dos demais acontecimentos, em manter-se aberto ao diálogo, sempre gerenciando a conciliação entre suas atividades pedagógicas e as demandas que emergiam de seus educandos. Percebemos que a forma de ser e de agir desse educador acabou por ―abrir as portas‖ para um bom relacionamento com seus educandos, adolescentes que se sentiam mais à vontade por serem escutados por seu professor.

Chegamos ao último elemento deste tópico, que é a cumplicidade. Quando falamos em cumplicidade, queremos ressaltar o apoio mútuo, em que ambas as partes se reconhecem, se escutam e dividem um mesmo espaço, respeitando os limites existentes nas fronteiras do outro. Enfatizamos a conceituação que o educador Bernardo – da Instituição B – faz da Educação, quando afirma que “Educação é permuta, é reciprocidade; algo que sempre se

inaugura, sempre se cria e se refaz”. Tendo esse imperativo enquanto norteador de suas

práticas, Bernardo nos diz que os elementos que devem embasar a relação entre educador e educandos são:

Cumplicidade. Ligação. Coligação. Cumplicidade de gente com gente, de pessoa para pessoa, um cobrando a natureza legítima do outro. A confiança é o resultado disso. É um casamento, no sentido dos propósitos. A mesma disposição para se abrir, para participar, para que o encontro aconteça. Não é uma concordância de ideias, mas sim um flerte, uma abertura. Cooperação, cumplicidade. Sem isso não pode haver prazer, nem sentido. [...] A cumplicidade permite a escuta de um pensar diferente, de uma visão diferente.

Também marcaram nossas observações da prática pedagógica de Bernardo e de Cláudio os momentos de escuta que esses educadores dedicavam a seus educandos. Eram momentos de escuta e de reflexão, e nunca de imposição de ideias. Se estavam tratando, por exemplo, sobre a questão de ser adolescente – como foi o caso de uma aula de Cláudio – os educandos se posicionavam dizendo o que entendiam sobre o assunto e, daí, Cláudio ia problematizando as falas de modo que seus educandos escutassem o que eles mesmos haviam dito. O mesmo ocorreu em uma aula de Bernardo sobre o que é ética; ele ia problematizando as assertivas de seus educandos sem um julgamento de valor, de modo que seus educandos refletissem sobre que haviam dito. Às vezes, ao final das discussões, os educandos repensavam suas concepções e refaziam seus comentários diante das problematizações feitas por seus educadores e demais estudantes. Caracterizamos esses movimentos como movimentos de abertura e de cumplicidade por parte dos educadores, uma vez que não negam a singularidade e o conhecimento dos educandos, e ainda fomentam o cultivo da criticidade e do respeito à diversidade de ideias. É um momento em que educadores e educandos partilham, de forma cúmplice, a trilha do conhecimento.

Pensamos que essas reflexões sobre os elementos que estão contidos no debate sobre os laços inter-humanos que se desenvolvem nas relações pedagógicas são edificantes para pensarmos uma Educação que se proponha formar integralmente o ser. Desse modo, atentamos para a afirmação do educador Bernardo sobre a cumplicidade:

A cumplicidade é o resultado da minha abertura para o outro e da abertura dele para mim. A confiança é a base; mas não há confiança se não houver cumplicidade, vínculo.

É nessa intersecção entre a abertura e o acolhimento – por parte do educador – e a consequente cumplicidade gerada a partir da adesão do educando ao educador e à sua proposta educacional que iniciamos a reflexão de nosso próximo tópico: a importância dos laços/vínculos inter-humanos para a relação pedagógica.

7.2. OS LAÇOS/VÍNCULOS INTER-HUMANOS: AS SUTILEZAS QUE EXTRAPOLAM

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