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O TEMPO EM HENRI BERGSON: O FLUIR DA DURAÇÃO

4. DISCUSSÃO SOBRE A DURAÇÃO E A MORAL PARA BERGSON

4.2. O TEMPO EM HENRI BERGSON: O FLUIR DA DURAÇÃO

A partir da ideia de que o humano convive tanto com o estático como com o dinâmico e da complementaridade existente entre a intuição e a inteligência, Bergson reflete sobre o tempo. Ele nos diz que o tempo cronológico é um tempo fragmentado que não corresponde ao dinamismo da vida interior. Para ele, o tempo real ―é o progresso contínuo do passado que rói o futuro e infla ao avançar. A partir do momento que o passado aumenta sem cessar, infinitamente ele se conserva‖ (BERGSON, 1979a, p. 16). Sendo assim, o referido filósofo nomeia esse tempo real enquanto duração. Para explicitar o seu pensamento sobre o dinamismo da vida, Bergson chega a dizer que se observarmos um mesmo objeto, a partir do mesmo ângulo, em um mesmo dia, a nossa visão não visualizará o objeto da mesma forma que quando o olhou pela primeira vez, posto que ele já envelheceu um pouco, e a nossa visão dele será colorida pela memória do nosso primeiro contato com esse objeto (BERGSON, 1979a). Bergson nos diz ainda que o resultado dessa presença do passado no presente gera uma impossibilidade, para a consciência, de passar duas vezes pelo mesmo estado.

Observamos já neste ponto da argumentação que outras duas categoria são importantes para esse autor: a memória e a consciência, visto que, como o tempo é, para ele, algo que simplesmente dura, a memória é a responsável por guardar tudo o que é pensado, visto e desejado desde o primeiro despontar de nossa consciência (Bergson, 1979a). Dessa forma, a memória se confunde com a consciência. Sobre a memória, Bergson nos diz também que existem dois tipos: uma pura/recordação e a outra habitual/ativa. A memória pura é a que percebe a continuidade existente entre passado e presente. Utilizamos esse tipo de memória ao lembrar a infância e narrar com detalhes os momentos vividos. Desse modo, o passado se faz presente. Já a memória hábito enxerga o passado como algo distante do presente. Este tipo de memória é a responsável por nossas respostas mecânicas; fazemos uso dela quando, por exemplo, dizemos o nosso endereço, pois, nesse caso, estamos apenas levantando uma

informação, não resgatamos um sentimento ou procuramos detalhes/impressões. (BERGSON, 1979b)

No que tange à consciência, Bergson afirma que

A consciência opera por dois métodos complementares: de um lado, por uma ação explosiva que libera em um instante, na direção escolhida, uma energia que a matéria acumulou durante longo tempo; do outro, por um lado de contração que concentra nesse único instante o número incalculável de pequenos eventos que a matéria realiza, e que resume em uma palavra a imensidade de uma história (2009, p. 16).

Sob o mesmo ponto de vista de Bergson, Meyer (apud AMORIM; HABITZREUTER, 2010) pontua que a consciência é uma tentativa de apreensão do que se passa em nosso interior, distanciando-se, assim, do que já nos é pré-estabelecido pelos hábitos sociais. Ou seja, é um olhar para o que pulsa dentro de nós. Para Bergson ―cada momento de nossa vida interior corresponde assim a um momento de nosso corpo e de toda a matéria circundante, que lhe seria ‗simultânea‘: essa matéria parece então participar de nossa duração consciente‖ (2006, p.52). Ou seja, nossa duração apresenta também resquícios de nossa materialidade. Pois, como diria Pinto (2010, p. 25), um estudioso das obras bergsonianas, ―atingir a duração em toda a sua pureza não é tarefa fácil. A realidade, conforme nos mostra Bergson, sempre se nos apresenta na experiência como um ‗misto‘, como algo que mistura extensão e duração [...]‖.

Diante do dinamismo da duração, Bergson nos diz que ela só pode ser-nos apresentada a partir de um esforço intuitivo. A partir desse esforço, temos como percebê-la enquanto unidade, multiplicidade, entre outras características. No entanto, esses conceitos nunca chegam, de fato, a representar o que é a duração, posto que eles são exteriores ao movimento da vida interior. Enfatizamos que não temos como descrever a duração; tudo o que falamos sobre ela gira em torno de aproximações, que ao serem traduzidas por símbolos gráficos já perdem muito de sua essência (BERGSON, 1984). Corroborando com o que acabamos de afirmar, Pinto nos diz que

A duração é o meio por excelência em que se desenvolvem os fatos de consciência que se relacionam intrinsecamente e se perpetuam uns nos outros, multiplicidade fluida e qualitativa, da qual só artificialmente podemos isolar ―estados‖ como se fossem coisas no espaço, e a qual só podemos conhecer verdadeiramente, para Bergson, por intermédio da intuição (2010, p. 24).

Dentro desse contexto, Bergson se pergunta qual o sentindo que nossa consciência atribui à palavra existir; e ele próprio responde, a partir de seus estudos, que existir, para um ser consciente, significa necessariamente mudar amadurecendo constantemente, ―amadurecer criando-se infinitamente a si mesmo‖ (BERGSON, 1979a, p. 18). Nesse sentido ele ainda afirma que

Se nossa existência se compusesse de estados separados dos quais um ―eu‖ impassível devesse fazer a síntese, para nós não haveria duração. Porque um eu que não se transforma não dura, e um estado psicológico que permaneça idêntico a si mesmo também não tem duração se não for substituído pelo estado seguinte (Ibid., p. 15).

Este poder de criação infinita, presente no humano, está também diretamente ligado à liberdade. De acordo com a interpretação que Vieillard-Baron faz da liberdade em Bergson, notamos que

Assim é o ato livre: é aquele que expressa melhor a nossa personalidade, sem deixar nada de essencial de lado. Mais o ato é livre, mais ele nos exprime. Da mesma forma que o eu admite níveis de profundidade, a liberdade admite graus. Nem somos totalmente livres, nem totalmente determinados, mas somos mais ou menos livres (2007, p.17).

A partir da citação acima, podemos dizer ainda que criar é um ato livre, desde que expresse o que há no interior de cada um de nós. É importante considerar, também, que sofremos influências tanto do que há de mais íntimo em nós, quanto do mundo exterior (hábitos e costumes da vida social). Portanto, nossa liberdade não é total.

Notamos que, na tentativa de compreender cada um desses termos (intuição, élan vital, duração, memória, consciência, liberdade) todos eles estabelecem relação entre si e que a intuição é o elo entre todos eles. Ou seja, por a intuição ser uma forma de conhecer algo ou alguém a partir do que há de mais singular em seu interior, pensamos que ela é fundamental para um viver criador. E por falar em vida criadora, esta só se realiza na duração, ou seja, no transcorrer do tempo; tempo este que é contínuo, não existe fragmentado, pois o passado, presente e futuro fazem parte de um todo indissociável. Desse modo, nossa vida atual é embebecida pelo que estava em nós e atuava sobre nós ainda há pouco. (BERGSON, 1979a)

Em Bergson, falamos de um ―eu‖ que dura, que está em movimento contínuo, que tem a capacidade de armazenar lembranças e de fundir o passado no presente; que para conhecer algo necessita usar sua inteligência e sua intuição; que é capaz de voltar-se para o seu interior e não deixar-se aprisionar pelo mundo exterior; que possui liberdade, mesmo não sendo plena;

que possui a mágica força criadora. Para esse autor, este ―eu‖ pode ser qualquer um de nós. Dessa forma, o que diferencia cada um de nós? Por que em alguns homens o seu eu interior se faz mais presente que em outros? O que permite a alguém doar-se, doar o que há de melhor em si? É na tentativa de responder essas indagações que, nas próximas linhas, continuamos a seguir a filosofia bergsoniana, mas explorando mais especificamente a noção de moral desse autor; posto que essa noção, que ele desenvolve em uma de suas últimas obras – As duas

fontes da moral da religião – está ancorada nas suas ideias anteriores, principalmente em sua

percepção do que é estático e o que é dinâmico no existir humano.

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