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CONTEXTO HISTÓRICO: O ―NÃO‖ DE HENRI BERGSON À SUPREMACIA DA RAZÃO E AS NOVAS LENTES PARA ENXERGAR O HUMANO

4. DISCUSSÃO SOBRE A DURAÇÃO E A MORAL PARA BERGSON

4.1. CONTEXTO HISTÓRICO: O ―NÃO‖ DE HENRI BERGSON À SUPREMACIA DA RAZÃO E AS NOVAS LENTES PARA ENXERGAR O HUMANO

De meados do século XV até o começo do século XX, ocorreram diversas transformações políticas, econômicas e sociais. O declínio do feudalismo possibilitou a formação dos Estados Nacionais, que por sua vez fizeram emergir novas concepções políticas e econômicas – a centralização do poder através da monarquia absoluta. Nesse período, a igreja católica deixa de ter a supremacia do poder político, econômico e ideológico, e o Estado se torna a instituição de maior influência na sociedade. Foi dentro desse contexto que se deu o desenvolvimento da ciência natural, a qual trazia em seu cerne novos métodos de investigação científica, baseados na razão humana, buscando desvincular-se dos dogmas da igreja católica (leia-se desvincular-se, igualmente, da fé). Nesse emaranhado de

acontecimentos, surge também a revolução industrial e, com ela, uma nova forma de organização social, agora mais urbana e técnica.

Segundo Santos B. S.:

O distanciamento e a estranheza do discurso científico em relação, por exemplo, ao discurso do senso comum, ao discurso estético ou ao discurso religioso estão inscritos na matriz da ciência moderna, adquiriram expressão filosófica a partir do século XVII com Bacon, Locke, Hobes e Descartes e não têm cessado de se aprofundar como parte integrante do processo de desenvolvimento das ciências (1989, p. 11).

Em conformidade com o pensamento de Santos B. S., podemos dizer ainda que a ciência moderna levou em consideração os critérios e métodos positivistas para a elaboração dos conhecimentos que seriam propagados como verdadeiros. Desse modo, a maior parte dos filósofos dos séculos XII, XVIII e XIX formularam diversas epistemologias (teorias do conhecimento), as quais visavam construir um conhecimento baseado na razão e passível de comprovação. Por conseguinte, a modernidade tinha suas bases lançadas no cientificismo, o qual vislumbrava tirar a sociedade do caminho das trevas, levar para a iluminação do saber e, consequentemente, promover mais justiça e felicidade.

No entanto, se por um lado a ciência nos libertou dos dogmas da religião, por outro ela nos aprisionou a um mundo marcado pela técnica, pelo desencanto dos elementos da vida, pela subjugação das dimensões do ser a uma única dimensão – no caso a racional – e pela crença que o conhecimento verdadeiro apenas existe dentro das comunidades científicas onde alguns poucos ―iluminados cientificamente‖ o produzem.

Como sabemos, o projeto da modernidade falhou num dos seus principais objetivos, uma vez que todo o conhecimento científico produzido não foi capaz de atingir seus ideais de ―iluminação‖. Muito pelo contrário, a modernidade não impediu as duas grandes guerras mundiais. E onde estava a razão humana enquanto regimes totalitaristas se formavam, enquanto fanatismos religiosos se propagavam, enquanto os genocídios ocorriam? Parece-nos que a racionalidade por si só não foi capaz de tornar o homem mais humano, torná-lo um vivente mais feliz e mais harmônico com seus pares. Röhr, ao refletir sobre os desequilíbrios ocasionados em virtude da supremacia da razão, no diz que

O cenário traçado nos ensina que o ser humano é vítima de uma atitude própria, que no isolamento, supervalorização e absolutização de aspectos do seu ser, divide-se consigo mesmo, negando as outras partes que mais cedo ou mais tarde se ―vingam‖, boicotando a vitória prometida do lado preferido: o corpo se vinga do seu desprezo com somatizações e doenças; as emoções e desejos contidos tornam-se psicoses, neuroses; as fantasias aprisionadas viram perversões ou tédio na esterilidade; a

espiritualidade cortada resulta em fanatismos ou melancolias; a limitação da razão termina na castração unidimensional de um homem robótico (1999, p. 03).

A partir dessa retrospectiva, percebemos o quão ofensiva foi a supremacia da razão para a sociedade como um todo e para o homem de modo particular. Não é nosso propósito apontar a modernidade e, por consequência, a razão como culpadas pela constituição de um mundo injusto e doentio, haja vista que não acreditamos que ideias extremistas possam ajudar em nosso encontro com nossa humanidade mais plena. E como já sinalizamos, a modernidade também teve seu lado positivo.

Nossa intenção, dessa forma, foi apenas assinalar que não podemos ficar reféns de modismos e nem colocar nas mãos de uma única dimensão a responsabilidade pelo nosso desenvolvimento. Ao que nos consta, foi justamente tentando sair dessa lógica moderna/racional, que Bergson, no começo do século XX, nos aponta outros caminhos de fazer ciência e de pensar a realidade, sem cair em um extremismo. Pois segundo ele

De fato, percebemos bem que nenhuma das categorias de nosso pensamento – unidade, multiplicidade, causalidade mecânica, finalidade inteligente etc. – aplica-se rigorosamente às coisas da vida: quem poderá dizer onde começa e onde acaba a individualidade, se o ser vivo é uno ou múltiplo, se as células é que se associam como organismos ou se o organismo é que se dissocia em células? Debalde encaixamos o ser vivo neste ou naquele esquema. Todos os esquemas estouram. São demasiado rígidos, sobretudo para o que pretendamos introduzir neles. Nosso raciocínio, tão seguro de si quando transita através das coisas inertes, sente-se no entanto canhestro nesse novo terreno (1979a, p. 8).

4.1.1. O ser humano através da lente bergsoniana: a complementariedade entre o estático e o dinâmico

Podemos dizer ainda que, para Bergson, o ser humano convive com uma parte estática (corpo\matéria) e com uma parte dinâmica (sua interioridade\espírito), por conseguinte não podemos restringir o homem aos seus elementos fixos, pois, assim, estaríamos asfixiando nossa outra parte que é movimento. Ao que tange a parte estática, podemos dizer que, entre outras coisas, ela é a responsável por se adaptar aos hábitos sociais; já a parte dinâmica possui um espírito de criação, um élan vital. Concernente ao termo élan vital, utilizado por Bergson, elucidamos que significa a força criadora que cada um tem dentro de si. Nas palavras de Trevisan

O ―élan vital‖ comunica-se, sem interrupções, de germe para germe, através de gerações sucessivas; o indivíduo que nasce recebe o impulso, tal um depósito vivo

colocado no seio do seu organismo, guarda-o, deixa que se desenvolva e progrida antes de transmiti-lo, por sua vez acrescido e modificado, a outro indivíduo no momento da geração (1995, p.111-122).

Notamos que, para Bergson, a vida interior é uma constante criação, e o homem, é um ser criador por natureza. Seguindo esse raciocínio, este filósofo nos diz que ―a vida interior é tudo isto de uma só vez, variedade de qualidades, continuidade de progresso, unidade de direção. Não poderíamos representá-la por imagens‖ (1984, p. 17). Compreendendo o humano e sua vida interior desse modo, Bergson, então, pontua que o conhecimento não pode se dar apenas pela via da racionalidade (inteligência), posto que esta potencialidade ―só pode compreender as coisas porque ela se coloca no exterior dos objetos que analisa‖ (VIEILLARD-BARON, 2007, p. 34). Portanto, as constatações da racionalidade são sempre advindas de uma superficialidade.

Não podendo a inteligência dar conta do que há de sutil no existir humano e da fluidez da própria vida, Bergson aponta outro modo de conhecer a realidade, que seria através da intuição. Essa potencialidade é capaz de captar o que há de singular em algo ou alguém. Nessa direção, Röhr, ao refletir sobre a intuição dentro da perspectiva de Bergson, nos diz que ―a intuição humana não alcança só o interior do homem, expande-se à vida em geral e chega até o universo material‖ (1999, p. 05). Nas palavras do próprio Bergson, a intuição é ―a simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com o que ele tem de único e, consequentemente, de inexprimível‖ (1984, p. 14). Desse modo, inteligência e intuição se complementam no processo de conhecimento, e não se excluem.

Vale ressaltar que o modo de apreensão da realidade através da intuição não está relacionado aos órgãos do sentido40, mas faz parte de uma atividade mental41. Com essa perspectiva de conhecimento, Bergson não se fecha a uma bipolarização (racionalidade e intuição), mas expande a forma de conhecer para horizontes mais sutis de apreensão da realidade tão importantes quanto a inteligência. Ainda discutindo sobre a intuição, nos valemos das palavras de Röhr (1999, p.4), quando nos diz que não devemos confundir criatividade com intuição; para esse autor, a intuição refere-se a uma habilidade mental de captar um conhecimento singular sem que isso necessite de uma explicação racional para tanto. Já a criatividade trata-se de expressar de forma original elementos da nossa realidade,

40

Neste sentido a intuição Bergsoniana se diferencia da intuição de Kant, uma vez que para Kant a intuição ocorre através dos órgãos do sentido, sendo meramente responsável pela apreensão empírica da realidade, mas não representando uma forma de conhecimento válida. Para melhor entendimento ver Röhr 1999.

41

Quando concebemos a intuição enquanto uma atividade mental, estamos considerando-a parte da dimensão mental, assim como a razão, a imaginação, a fantasia e a memória. Para uma melhor compreensão ver Röhr 2013.

podendo ou não esses elementos serem captados por uma intuição. Achamos válido apontarmos essa diferenciação feita por Röhr, uma vez que é comum confundir a intuição com uma expressão de criatividade. Para além dessa questão, este autor, como já falamos anteriormente, comunga com Bergson a ideia de intuição deste.

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