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Características e o resplandecer da moral aberta/dinâmica

4. DISCUSSÃO SOBRE A DURAÇÃO E A MORAL PARA BERGSON

4.3. A PRESENÇA DA MORAL FECHADA E DA MORAL ABERTA NO SER HUMANO

4.3.2. Características e o resplandecer da moral aberta/dinâmica

Mas, do que se trata a moral aberta? Podemos dizer que ela é oriunda de um movimento interior do próprio ser, da sua conexão com a humanidade. Essa moral faz transbordar o que há de mais humano em nós. Segundo Bergson esse tipo de moral é um apelo que inunda o ser, é a encarnação do excesso que transborda os limites do comum e da moral social; capaz, portanto, de transformar a inteligência e mover a vontade (BERGSON, 2005). Ou seja, a moral dinâmica é um movimento interior que impulsiona a ação, conectando-a não apenas a um grupo social específico, mas, sim, à toda a humanidade. Se a moral fechada nos pressiona a cumprir deveres em prol de um grupo social, a moral aberta nos convida a fazer parte da humanidade como um todo. Dentro dessa perspectiva, o filósofo ainda nos diz que

[...] amor à família, amor à pátria, amor à humanidade. [...] À primeira vista, a consciência percebe uma diferença de natureza entre os dois primeiros sentimentos e o terceiro. Aqueles implicam escolha e, por conseguinte, exclusão: poderão incitar à luta; não excluem o ódio; este é só amor. Aqueles irão imediatamente estabelecer-se sobre o objeto que os atrai; este não cede ao atrativo de seu objeto; não o visou; projetou-se mais além, e só atinge a humanidade ultrapassando-a. Terá ele a rigor um objeto. Nós o indagaremos. Limitemo-nos por ora a consignar que essa atitude da alma, que é antes um movimento, basta-se a si mesma (BERGSON, 1978, p. 32- 33).

De acordo com o pensamento de Bergson, podemos dizer ainda que a moral aberta não delimita, não exclui, apenas impulsiona ações pautadas em valores propriamente humanos. Esse tipo de moral não conhece fronteiras e nem se fecha em pequenos nichos. Não se

submete nem ao eu individual e nem ao social. Ela é vida, criação, conexão com o nosso eu mais interior, com o nosso próprio élan vital. É, em sua essência, algo sutil, mas potente. E por onde passa, afeta e faz florescer o que há de bom. Para Bergson (1984), em toda a história da humanidade existiram pessoas que atingiram essa moral, como, por exemplo, os sábios da Grécia, os mestres budistas, Jesus Cristo, alguns santos do cristianismo, entre outros. Para esse autor, essas personalidades são consideradas pessoas excepcionais, místicos que ―[...] nada pedem, e no entanto obtêm. Eles não precisam fazer exortações, basta que existam, sua existência é um chamado. Pois esse é justamente o caráter dessa outra moral‖ (BERGSON, 1984, p. 28). Portanto, a presença desses homens e mulheres excepcionais no mundo nos convida, nos chama a sermos pessoas melhores. Eles, a partir de sua coerência e do amor que emanam pela humanidade como um todo, são capazes de nos fazer, ao menos, pensar em um agir mais pleno e integrado aos valores, de fato, humanos. Ainda sobre o chamado que essas pessoas guiadas pela moral aberta nos fazem, Bergson nos diz que

Só conheceram perfeitamente a natureza desse chamado aqueles que se achavam diante de uma grande personalidade moral. Mas cada um de nós, em momentos em que suas máximas habituais de conduta lhe pareceram insuficientes, indagou quanto a que fulano ou beltrano teria esperado dele em semelhante ocasião. Poderia ser um parente, um amigo, que evocássemos assim pelo pensamento. Mas poderia ser também outra pessoa que jamais víramos, cuja a vida apenas nos foi narrada, e ao juízo de quem submetemos então a imaginação nossa conduta, temendo dela uma censura, orgulhosos de uma aprovação. Poderia ser mesmo, trazida do fundo da alma à luz da consciência, uma personalidade que nascesse em nós, que sentíssemos capaz de nos invadir por inteiro mais tarde, e à qual quiséssemos nos ligar na hora como faz o discípulo em relação ao mestre (1978, p. 29).

Diante da assertiva acima, pensamos que, em certas circunstâncias da vida, nossos hábitos sociais não parecem ser suficientes para explicar algumas de nossas atitudes, nem, tampouco, o nosso eu individual. São nesses momentos, em que nos fazemos outros, em que agimos mais humanamente, que, a nosso ver, nos conectamos ao chamado das pessoas excepcionais e\ou, mais modestamente, às fagulhas da moral aberta presente em pessoas do nosso cotidiano. Ou seja, a presença desse tipo de moral na ação de outras pessoas nos chama a desenvolver nossa humanidade.

Dentro desse contexto, Bergson (1984) se questiona sobre qual é a força existente na moral aberta que se assemelha à pressão social. E ele responde dizendo que

Fora do instinto e do hábito só existe atuação direta da sensibilidade sobre o querer. A propulsão exercida pelo sentimento pode aliás assemelhar-se de muito à obrigação. [...] Na emoção mais tranquila pode entrar certa exigência de ação, que difere da obrigação definida há pouco naquilo que não encontrará resistência,

naquilo que só imporá o consentido, mas que não deixa de assemelhar-se à obrigação naquilo que impõe alguma coisa (BERGSON, 1978, p. 33).

Dessa maneira, a força que nos arrebata, dentro da perspectiva da moral aberta, é uma força contida na emoção44, a qual é muito diferente da força exercida sobre nós pelos hábitos sociais; estes nos limitam, nos tolhem e moldam. A força da emoção45, como diria Bergson, é criação, movimento, ela nos permite expandir no que há de mais humano. Sendo assim, para explicar a atuação desta força, ele a compara com a emoção musical, posto que, ao escutarmos uma música, nos remetemos ao que ela exprime (alegria, tristeza etc.). Assim, ela não introduz em nós estes sentimentos. Ela apenas nos introduz neles. Estes sentimentos já existiam em nós. O mesmo acontece com a moral aberta das pessoas excepcionais, pois elas não incutem em nós os valores humanos; a partir de seu agir, elas nos desvelam esses valores, nos fazem entrar em contato com eles, nos colocam em movimento com tais valores (BERGSON, 1978).

No entanto, em algumas pessoas, essa afetação, esse chamado não passará de uma perturbação passageira que se transformará em uma expansão do dever social. Já para outros, ―[...] é uma vida nova que se anuncia; compreendemos, sentimos que outra moral sobrevém‖ (BERGSON, 1978, p. 30). Dessa maneira, a ressonância que esse tipo de moral terá em nossas vidas irá depender da abertura que temos para o nosso eu interior.

4.3.3. As essências das morais bergsonianas e os primeiros delineamentos da relevância

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