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Actuação Policial e a Localização do Fenómeno Criminal

CAPÍTULO 3 – ACTUAÇÃO POLICIAL

3.4. Actuação Policial perante o Fenómeno Criminal

3.4.4. Actuação Policial e a Localização do Fenómeno Criminal

Não obstante, a intervenção policial realizada no cumprimento rigoroso da legalidade e das disposições legais, apresenta-se igualmente extremamente condicionada na sua capacidade de actuar, especialmente em determinados espaços, espaços estes que não sejam locais de domínio público178, principalmente em locais de domínio privado179e restritos ao público (espaços sobre os quais os legítimos proprietários têm um domínio e controlo completo, como é exemplo o domicílio.

A capacidade de detecção do fenómeno criminal pelas forças policiais e mesmo por terceiros, encontra-se desta forma extremamente dependente das circunstâncias do seu cometimento, pois segundo Robert (2002:196) “alguns passam a maior parte da sua vida longe de olhares indiscretos (transitam entre uma isolada casa e um escritório protegido por uma fortaleza de secretárias), outros, pelo contrário, estão muito mais expostos ao olhar público: vivem num prédio mal insonorizado e trabalham ou distraem-se em lugares expostos ao controlo social. Dispõem de protecção desigual, portanto, os seus actos são mais ou menos visíveis. Em suma, algumas infracções e as infracções de alguns estão mais expostas à observação policial” e pública.

Como já referimos anteriormente, segundo Mª Rosa Crucho de Almeida, a mulher incorre num menor risco de ser detectada visto que a sua vida ainda hoje tende a decorrer em espaços privados (domicílio ou emprego) e em posições de subordinação180 (SANTOS ET AL, 1996). O facto da vida da mulher decorrer normalmente em espaços de difícil acesso para as autoridades, como é o caso do domicílio ou local de trabalho, acarreta que crimes que ocorram num espaço de domínio privado, se não forem denunciados pelas vítimas ou por terceiros, tornam-se difíceis de ser detectados pelas autoridades policiais. Isto porque, a inviolabilidade do domicílio ou espaços análogos só poderá ser quebrada, se ordenada pela autoridade judicial competente e nos casos previstos na lei, segundo art. 34.º n.º2 CRP. Caso contrário a introdução em habitação ou a permanência nela depois de intimado a retirar-se, sem consentimento do legítimo proprietário e sem mandando judicial, constitui um crime de violação do domicílio, previsto e punidos pelo art. 190º, nº1 do CP (GONÇALVES & ALVES, 2000).

178Os Locais de Domínio Público subdividem-se em de utilização comum (são locais públicos de livre circulação, sem qualquer tipo de restrições, ex: via pública); os de utilização reservada (são locais em que estão sujeitos a restrições meramente subjectivas, ex: acesso de professores e alunos à escola); e os de utilização condicionada (locais da via pública que podem ser frequentados por qualquer pessoa, mas mediante uma taxa, como é exemplo das portagens nas auto-estradas) (CHAMBEL, 2000).

179 Os Locais de Domínio Privado subdividem-se nos de livre acesso ao público (são locais em que a entrada é livre, mas cuja utilização está sujeita a regras, ex: centros comerciais); nos de acesso condicionado ao público (são locais em que a entrada e a permanência só é permitida mediante alguns condicionalismos, na maioria dos casos monetários ex: autocarros, discotecas, entre outros); e restritos ao público (consubstanciam-se em locais totalmente vedados ao público, tendo como exemplo o domicílio) (CHAMBEL, 2000).

180“A conjectura de que as mulheres incorrem em menor risco de se tornar agentes, quer vítimas de crimes (pelo menos

dos chamados crimes de rua), parte da constatação de que as suas vidas tendem mais vezes a decorrer em espaços privados e em posições de maior subordinação” (SANTOS ET AL, 1996:361).

A questão basilar na actuação policial remete-os para a problemática, da sua maior ou menor capacidade de actuação, resultar directamente do enquadramento jurídico que poderá ser aplicado à questão em concreto e após valoração dos diferentes bens jurídicos que estão em causa, obrigando a uma profunda ponderação do perigo real ou iminente e do respeito pelos princípios da proporcionalidade e da adequação à situação em apreço181(DUARTE, 2004).

Como se poderá antever, a imediata actuação policial perante a suspeita da ocorrência de um ilícito criminal, em local que não seja de domínio público182, mesmo tendo como vítima pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, mesmo que preventiva, encontra-se condicionada, pela vontade dos titulares do direito de propriedade. Esta limitação abrange tanto a sua capacidade de recolher indícios de condutas ilícitas que viabilizem e justifiquem a intervenção policial, bem como nos casos em que não estejam reunidos todos os pressupostos exigidos por lei. Face a tamanhos condicionalismos, a intervenção policial decorrerá no sentido da salvaguarda da intimidade da vida privada, em detrimento das suspeitas de actos lesivos a bens jurídicos com maior relevância constitucional. Não se considere que este facto ocorre por mera conformidade ou por displicência das forças de segurança, antes por frequentemente os agentes policias se verem confrontados com processos crimes e disciplinares (LEONARDO, 2004), muitos deles longos e extremamente penosos, por o suspeito considerar que actuação policial foi desproporcional e desadequada, mesmo quando os pressupostos dessa intervenção foram adequados e lícitos.

Este “aparente condicionamento” obriga-nos a diferenciar as condutas criminais relativamente à sua “visibilidade pública”. Nesta perspectiva, Costa Andrade, considera que o grau de visibilidade de um crime depende, em grande parte dos locais no qual é praticado, sendo que certos tipos de

181 Face à denúncia de terceiros (vizinhos/familiares), da própria vítima ou de casos por si detectados, relativamente a suspeitas da ocorrência criminal, a decorrer naquele momento no interior do domicílio ou de outro local de domínio privado, se um dos titulares do direito de propriedade não consentir às forças de segurança que entrem no domicílio para verificar a situação, ou simplesmente não atenderam a qualquer solicitação policial, mesmo estando em causa suspeitas de fenómenos de maus tratos e violência sobre pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, a actuação policial estará extremamente condicionada. Nesta situação, e mesmo face à confirmação por vizinhos ou testemunhas da ocorrência, as forças de segurança se não forem autorizadas a aceder ao interior do domicílio, para confirmar as suspeitas e prestar auxílio às vítimas, por um dos legítimos titulares desse direito, restam-lhe três soluções: se após ponderação a força policial entender que o perigo para a vida ou para a integridade física da vítima, é actual ou iminente, tentará “tendo em conta os princípio da proporcionalidade, da adequação, da necessidade, da intervenção mínima e da proibição do excesso, fazer prevalecer estes últimos, postergando o direito à inviolabilidade do domicílio”. Em segundo lugar, poderá ser contactada autoridade judiciária competente, para autorização à realização da diligência, apesar desta via nem sempre ser viável e eficaz; em terceiro lugar, e como opção regularmente tomada, elabora-se auto de notícia circunstanciado, remetendo-se o mesmo com a maior brevidade possível para o Ministério Público. Isto é, se as forças policiais não tiverem a certeza ou não conseguirem comprovar que esta a ocorrer um perigo real ou iminente, a sua actuação irá dirigir-se para a protecção da inviolabilidade do domicílio e nunca das hipotéticas vítimas, por força da doutrina legal.

182O conceito de domínio público, pode ser caracterizado como “o conjunto das coisas que, pertencendo a uma pessoa colectividade direito público de população e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se

ilícitos criminais praticados em locais de domínio privado e restritos ao público têm menor probabilidades de chegar ao conhecimento das autoridades policiais, do que crimes praticados em lugares mais expostos, espaços de domínio público, como a via pública (ALMEIDA, 1988). Estes factos acarretam que uma significativa parte da violência e de outros fenómenos criminais perpetrados de forma silenciosa e discreta em locais privados, além de se manterem afastados do conhecimento da sociedade que os rodeia, só chegam ao conhecimento público através de terceiros quando atingem graves proporções, pelo que “apenas umas quantas ultrapassarão a surdez ou a cegueira da indiferença e da tolerância, chegando então ao conhecimento das forças policiais” (LEONARDO, 2004:217).

Durante um longo período, o domicílio foi considerado como local inviolável e seguro para a família e seus pares. No entanto nos nossos dias, a violência e outros fenómenos criminais são uma realidade incontornável e cada vez mais comum e visível no seio da própria família. A família ao refugiar-se de olhares e intromissões exteriores da sociedade acabou por criar em simultâneo, tanto as condições para uma vida harmoniosa e resguardada, tal como facilitou os comportamentos violentos e criminais183, salvaguardados pela inviolabilidade do domicílio e reserva da intimidade da vida privada (SOUSELA, 2006). Neste sentido, o crime advém em larga medida da percepção de oportunidade do autor do ilícito. A demarcação inequívoca entre espaço domínio privado e espaço de domínio público acarreta que nos espaços de domínio privado exista uma sensação de “posse do espaço” criando barreiras contra a intrusão exterior. No que diz respeito a espaços de domínio público, como as vias públicas, são percepcionados como perigosos, principalmente em locais em que a percepção do risco por parte do cidadão aumenta em função do meio físico, no entanto estão submetidos a um controlo por parte da sociedade e do próprio Estado (SANI & MATOS, 1998). Nos espaços privados abertos ao público existe um “controlo informal” mediante a vigilância realizada pelos proprietários ou por sistema de segurança por estes instalados. Já nos espaços de domínio privado não abertos ao público (como é exemplo o domicílio), existe um sentimento de maior protecção e de isolamento dos perigos do mundo exterior.

Nesta medida, o domicílio enquanto “esfera privada, escondida dos olhares públicos”, facilita a ocorrência de fenómenos de maus tratos como forma de violência conjugal, maus tratos de menores e de idosos, dadas as situações de grande fragilidade e vulnerabilidade social em que se encontram, apresentando-se o domicílio como um dos lugares mais inseguros184 das sociedades modernas” (MATOS, 2001:103).

183 Segundo Gelles, os indivíduos têm uma maior probabilidade de agredir ou matar os seus familiares, nos seus próprios domicílios, do que outra qualquer pessoa, noutro qualquer lugar (SOUSELA, 2006).

184

Chesnais afirma que “o quadro familiar é o mais seguro e, também o mais perigoso; crê-se menos na violência dos que nos estão próximos do que na dos estranhos, mesmo se, objectivamente, com maior frequência se está menos em