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CAPÍTULO 3 – ACTUAÇÃO POLICIAL

3.1. Surgimento da Instituição Policial

Para se conhecer a história da génese das forças policiais seria necessário realizar uma extensa análise histórica. No entanto, descrever essa trajectória de forma exaustiva não seria tarefa simples, nem se iria coadunar com o objectivo do presente trabalho, pelo que dada a sua complexidade, e não sendo nosso objectivo descrever de forma pormenorizada a sua criação, analisaremos sumariamente o assunto para melhor enquadrar o nosso objecto de estudo.

Nos nossos dias não se poderá imaginar a sustentação de uma sociedade democrática sem um sistema policial eficaz e consistente. No entanto, a função policial como é encarada actualmente, não existiu de forma continuada ao longo dos tempos, estando desde cedo sujeita a inúmeras rupturas que foram permitindo o seu gradual aperfeiçoamento (BESSA, 2005).

Nas sociedades tradicionais, desde sempre a comunidade exerceu uma vigilância sobre os seus membros, existindo um controlo social que se poderá definir como local, pois nas pequenas comunidades as disputas pessoais/patrimoniais eram resolvidas sem grande intervenção do poder público, que por vezes era até inexistente. Não obstante, de forma a solucionar as inúmeras disputas e conflitos existentes no seio das comunidades, surge a ideia e a necessidade de criar um corpo de pessoas capazes de fazer cumprir as determinações da comunidade e a ordem pública, quando necessário (BESSA, 2005).

Na segunda metade do século XVIII a instituição policial nasce como instrumento do qual os Estados fazem uso para assegurar a disciplina, manutenção da ordem social, observância da lei e segurança de pessoas e bens, por toda a Europa. Até ao século XIX as zonas rurais eram as que maiores medos e problemas suscitavam, pois em relação à criminalidade era nestes locais que o Estado conseguia garantir com maior dificuldade a segurança de pessoa e de bens, ao contrário dos grandes aglomerados populacionais, nos quais “sendo um espaço regrado, era expulsa a desordem para fora de portas” (FERNANDES, 2003:54; VAZ, 2004).

foi caracterizado pelas profundas alterações demográficas, existindo um forte aumento da população nas cidades e modificações na estrutura etária e no grau de mobilidade das populações. Com a constituição de grandes aglomerados populacionais106, basicamente constituídos por emigrantes à procura de trabalho nas novas áreas fabris, a mobilidade e o anonimato não permitiam que o controlo social fosse exercido, tendo como consequência que o volume de criminalidade tenha crescido e a sua gravidade diminuído107. Os conflitos sociais foram então suplantados pelos

furtos e roubos de bens patrimoniais, face ao crescente número de bens expostos (CUSSON, 2006; VAZ, 2004). Os grandes espaços urbanos começam a ser descritos como locais perigosos e inseguros, desenvolvendo-se no interior das cidades “binómios antagónicos classes laboriosas/classes perigosas, cidade burguesa/cidade operária”, nos quais a metrópole é descrita como “lugar escuro, poderoso, sedutor, como um labirinto.” (FERNANDES, 2003:54; VAZ, 2004:90). Até essa época o fenómeno criminal existente era perpetrado numa relação de “inter- conhecimento”, ou seja, na esfera familiar ou entre vizinhos, e no qual a reposição da justiça era realizada pela própria comunidade, passando-se nas cidades (com a Revolução Industrial e a constituição de grandes aglomerados populacionais) para uma criminalidade “predatória”108. Esta criminalidade “predatória” caracteriza-se pela “dimensão relacional do crime que deixa de existir”, isto é o crime em si é uma “fugaz interacção”, sem qualquer relação interpessoal entre a vítima e o agressor (FERNANDES, 2003:56). Esta situação acontece pois vive-se hoje numa sociedade na qual os bens materiais estão amplamente distribuídos, especialmente os “objectos semiduráveis”109, estando estes objectos mal vigiados e praticamente ao dispor de qualquer indivíduo (ROBERT, 2002:172).

A Polícia moderna aparece precisamente “para responder ao desafio colocado pela erosão dos controlos sociais informais, através da progressiva transferência da responsabilidade pela segurança de bens e pessoas das comunidades para o poder público” (ROBERT, 2002:195). Com esta nova realidade nascem novas fronteiras e novas dimensões entre o que é esfera pública e a

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Embora Portugal se tenha mantido um país essencialmente rural, Lisboa e Porto destacam-se pelo aumento do seu “tecido urbano”, muito devido à migração de pessoas do campo para as cidades, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. No entanto, esta migração encontra uma série dificuldades de integração, vivendo em bairros degradados, em péssimas condições de vida e de trabalho, originado “a cidade como um espaço insalubre e inseguro, propícios à prática de ilegalidades e ao crime” (VAZ, 2004:89/90).

107 De acordo com Vaz (2004:94), no final do século XIX a maioria da criminalidade conhecida consubstancia “pequena criminalidade”, assistindo-se a uma enorme diminuição da criminalidade mais violenta e gravosa, demonstrado pelos 37% de todas as detenções realizadas entre 1886 e 1892 que perfaziam crimes de “ofensas corporais” e de “ferimentos”, percentagem esta comum à generalidade do País, na qual 87% de todas as detenções respeitam ao sexo masculino, contra 13 % do sexo feminino. A quase totalidade dos detidos desempenhava actividades na pequena indústria fabril, comércio e serviços.

108 Segundo Fernandes (2003:59), a hipótese predatória “funciona como esquema interpretativo das interacções com desconhecidos e condiciona a liberdade de circulação no habitat urbano”.

109 A via pública, “repleta de bens privados como os veículos automóveis, desprovidos de qualquer vigilância, as superfícies comerciais, que embora sejam espaços privados estão acessíveis a todos e expõem bens desprovidos de qualquer signo de posse” (ROBERT, 2002:173).

privada. As cidades em si constituem-se como espaços públicos, em que as artérias configuram e dão forma a própria cidade, acabando por essa prevalência da esfera pública reforçar o sentimento de individualidade (BRITO, 2003:50).

Desta forma, as inúmeras solicitações sociais no controlo efectivo da delinquência e da criminalidade, vai originar a concretização de forças dotadas de poder e meios que lhes permitem de forma eficaz velar pela segurança e ordem geral. Em Portugal, tal como em toda a Europa, as instituições policiais vão deparar-se com uma lenta evolução, alcançando poder e competências cada vez mais alargadas, de modo a atingir a paz e a tranquilidade pública, que outras medidas preventivas da criminalidade não conseguirem alcançar (VAZ, 1998: 54).