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CAPÍTULO 1 A MULHER E O FENÓMENO CRIMINAL

1.5. Algumas Teorias relativas à Criminalidade Feminina

1.5.1. Cesare Lombroso e a “Mulher Delinquente”

As primeiras possíveis explicações para o fenómeno criminal feminino surgiram somente no final do século XIX, por intermédio de Lombroso, fundador da Escola Positivista28, que fazia assentar todas as suas explicações da criminalidade em factores pessoais relacionados com a constituição morfológica e física de cada indivíduo29, procurando verificar as características que diferenciavam os loucos dos delinquentes, utilizando a observação de cadáveres e de indivíduos nas prisões e asilos de Pavia30 (AGRA, 2001). O objectivo primordial de Lombroso seria poder

diferenciar um indivíduo criminoso de um não criminoso, apenas pela simples associação de traços físicos e morfológicos, o que na sua perspectiva iria facilitar adopção de medidas de combate à criminalidade (LUCCHINI, 1997). Esses traços, segundo Gassin, constituiriam estigmas “anatómicos, fisiológicos e funcionais, consubstanciando-se num traço psicológico essencial: atrofia de sentimentos morais de compaixão e de piedade assim como a ausência de escrúpulos e remelosos que fazem do delinquente um louco moral” (AGRA & MATOS, 1997:15). O autor considerava que não era suficiente, para o sistema judicial, a existência de uma lei, uma infracção e um autor para se proceder à determinação da pena, torna-se imprescindível o conhecimento do indivíduo e da sua natureza, ou seja, o conceito de perigosidade31(MANITA, 1997). O criminoso, considerado “meio homem, meio animal, determinado por forças instintivas que lhe escapam (...) torna-se figura do medo, espectro de ameaça” (AGRA, 2001:76). A sua visão é essencialmente

28 Escola que em oposição à Escola Clássica (Escola de Beccaria e dos seus seguidores), estuda a delinquência e a criminalidade, analisando dados concretos, baseando-se na verificação empírica, abordando o seu objecto de estudo de uma forma verdadeiramente científica, ou seja, de uma forma positiva (BELEZA, 1998). A Escola Clássica partilhava uma visão da natureza humana como racional e livre, dotado de livre arbítrio, capaz de realizar escolhas racionais, pelo que considerava que a simples divulgação das leis e o carácter fixo das suas penas e a sua aplicação mediante a gravidade do acto (Princípio da Legalidade) teriam por si só um efeito dissuasor do cometimento de ilícitos criminais, pois o poder de punir encontraria uma nova legitimação: o contrato social (AGRA, 2001; CASTRO, 2000). A Escola Positivista, fundada por Lombroso, nasce da verificação da ineficácia da corrente clássica, partilhando da necessidade de focar o estudo do fenómeno criminal no homem delinquente e na investigação das causas do crime, isto é, as penas deveriam ser adequadas não de acordo com o acto, mas de acordo com a perigosidade e as características individuais do indivíduo (AGRA, MANITA & FERNANDES, 1997). A Escola Positivista realiza a sua tarefa “através da observação de factos cujas características próprias permitem classificá-los e relacioná-los entre si tendo em mira a lei ou leis que os articula” (AGRA, 2001:74).

29A investigação criminológica surge em Portugal, associada às ciências médicas, como resultado de inúmeros estudos realizados à imagem da Escola Italiana, como era o caso de Basílio Freire e Júlio de Matos. Em 1889, Manuel Deusdado publica a obra “Estudos sobre a Criminalidade e Educação”, na qual desmistifica algumas das ideias defendidas pela Escola Italiana, ao colocar em causa a existência de um criminoso nato, apresentando alguns fenómenos sociais como possíveis explicações da ocorrência de determinados crimes (TROGANO, 2000:20).

30Pavia, cidade Italiana situada nas margens do Rio Ticino, localizada a 35km da cidade de Milão.

31O conceito de perigosidade foi utilizado em Psiquiatria desde o início só século XIX por A. Feuerbach. No entanto é com Garofalo que ganha outra dimensão. A escola positivista partilhava a opinião que a doutrina penal não deveria assentar na culpa, mas sim na perigosidade do indivíduo para a sociedade, tendo como objectivo aplicar medidas mais

antropológica do crime e das suas origens, representa um fenómeno de atavismo32, de regressão na

evolução da espécie humana, sendo tal comprovado pelos traços morfológicos e anatómicos dos indivíduos a observar33(BELEZA, 1998).

Lombroso e o seu genro Guiglelmo Ferrero, são os primeiros a estudar a criminalidade feminina de um ponto de vista unicamente científico, sendo a obra “La Donna Delinquente”34, publicada em 1903, uma clara demonstração da procura de uma explicação biológica para o fenómeno criminal, ligando o comportamento criminoso da mulher às suas características biológicas e não tendo em consideração possíveis factores sociais (BIERNE, 1994). Nesta obra descrevia a criminalidade feminina como uma tendência inata das mulheres, que não se tinham transformado em “feminine womens with moral refinements”. Lombroso e Ferrero estudaram e mediram o tamanho dos crânios, da face e das tatuagens de mulheres condenadas, de modo a comparar com os de mulheres consideradas “normais”, para aí encontrar sinais evidentes de degeneração ou de atavismo35. Argumentavam igualmente que a mulher seria caracterizada por ser fria, calculista, sem sentido de moralidade, invejosa, pouco inteligente, vingativa, entre outros36. As mulheres criminosas eram consideradas mais masculinas do que femininas, partilhando o pensamento e a força masculina (LILLY, CULLEN & BALL, 1995). Contudo, as conclusões desse estudo revelaram claramente que a Teoria do Atavismo não se adequava à explicação do fenómeno criminal feminino, pois se a delinquência feminina fosse explicada tendo como base unicamente as características primitivas, as mulheres criminosas teriam que evidenciar essas características em relação a outras mulheres, o que não acontecia salvo raríssimas excepções. Assim, nasce o conceito de Determinismo Biológico, que se baseava na presunção que a mulher evoluíra menos do que o homem, tendo como consequência que a mulher havia degenerado menos do que os indivíduos do sexo masculino (WILLIAMS, 1991). Para os autores, a mulher estaria menos afastada das suas origens ancestrais do que o homem, possuindo dessa forma um menor grau de degenerescência, sendo esta a explicação para que as diferenças biológicas e morfológicas entre as mulheres criminosas e as não criminosas fossem quase insignificantes (LUCCHINI, 1997).

32 Atavismo é definido como sendo “uma situação na qual um membro de uma determinada espécie poderia ser identificado, como um ancestral pertencente a um período de evolução genético mais primitivo” (DOWNES & ROCK, 1995:23), no qual o criminoso seria visto como movido por forças das quais não tem consciências e não controla (CASTRO, 2000).

33 Já sob a Influência de E. Ferri, Lombroso apresenta cinco tipos de criminosos: criminoso nato; criminoso louco; criminoso de hábito ou profissional; criminoso de ocasião; criminoso de paixão (MANITA, 1997).

34Esta obra, ao contrário do que é publicitado, poderá ser considerada como sendo mais da autoria de G. Ferrero do que propriamente de Lombroso, como mencionado no prefácio dessa obra (BELEZA, 1990).

35 Considerou que as mulheres baixas, cabelo escuro e com formato de crânio e feições faciais masculinas teriam elevada predisposição para o fenómeno criminal (LILLY, CULLEN, BALL, 1995).

36 Para Sigmund Freud “anatomia era o destino”, devido à “anatomia inferior” da mulher em relação ao homem, a mulher estaria destinada a ocupar uma posição inferior na sociedade (LILLY, CULLEN, BALL, 1995:175). Sugeriu que as mulheres tinham uma tendência natural para “invejar o símbolo da dominância masculina na sociedade, podendo ser esta uma das explicações para a criminalidade feminina (SHOEMAKER, 1996:227).

Lombroso e Ferrero, viam a mulher como um sujeito passivo e conservador, no qual a sua vida quotidiana era de carácter primordialmente familiar, enquanto o homem apresentava um papel muito mais activo, o que resultava numa maior evolução biológica deste em relação à mulher. Desta forma, afirmavam que a mulher estava menos inclinada para o crime e que as verdadeiras mulheres criminosas eram raras. Contudo, eram de opinião que essas mulheres eram anormais e degeneradas, sendo “geneticamente mais masculinas do que femininas” e que “consequentemente a mulher criminosa seria um monstro” (LOMBROSO cit in SMART, 1979:32-35). Estes autores, erradamente partiram do princípio que a inferioridade social da mulher, conjugada com a sua aparente inactividade e falta de “inteligência”, fossem um reflexo da sua natureza feminina. Igualmente, as investigações foram realizadas sem atender à realidade social, económica, cultural e raramente tendo em conta os sistemas de controlo e as leis existentes para formular uma explicação do fenómeno criminal (SMART, 1979). Nesta linha de pensamento, Tarde já em 1886 refutava totalmente as teorias de Lombroso, questionando como seria possível antever um “tipo criminal, concebido enquanto categoria natural capaz de explicar o crime independentemente do tempo, espaço, poderia ser condicionado a cometer crimes diferentes consoante o lugar onde vivesse?”. Igualmente, inúmeros estudos da época concluíram que não existiam diferenças significativas entre criminosos e não criminosos, não tendo o Atavismo resistido às críticas devidamente fundamentadas apresentadas naquela época37(CUSSON, 2006:64).

As Teorias de Lombroso, apesar se serem severamente criticadas pela “falta de sustentação e pela justaposição muitas vezes pouco harmoniosa das diferentes imagens de mulher...”, influenciaram decisivamente as posteriores abordagens ao fenómeno criminal feminino, tendo dado um grande contributo nos consequentes estudos relativamente ao Fenómeno Criminal e nas circunstâncias que o rodeiam (MATOS, 2006:70).