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CAPÍTULO 1 A MULHER E O FENÓMENO CRIMINAL

1.5. Algumas Teorias relativas à Criminalidade Feminina

1.5.7. Movimento de Emancipação Feminina

Na segunda metade do século XX assiste-se a um grande desenvolvimento económico e alterações políticas e sociais, nas quais as primeiras críticas feministas apontavam para a conformidade social das mulheres como a principal explicação da diminuta participação no fenómeno criminal. Em meados da década de 70 uma nova corrente nasce com o Movimento de Emancipação Feminina48(HEIDENSOHN & FARRELL, 1989; NOGUEIRA, 2001b).

Este movimento nasce, em parte, relacionado com a procura de igualdade perante o homem em questões sociais, políticas, económicas, movimento este que teria um profundo impacto especialmente no que concerne ao fenómeno criminal feminino. O Movimento de Emancipação Feminina originou um grande debate acerca da sua influência no aumento da criminalidade feminina e na modificação dos delitos que eram tradicionalmente atribuídos à mulher. Com o aumento da participação feminina no mundo do trabalho, aliado à maior liberdade alcançada no tradicional trabalho doméstico, no seu papel social e genericamente em várias esferas da vida social, inúmeros estudos vêm confirmar a ocorrência de um aumento da criminalidade feminina em relação à criminalidade masculina (LEMGRUBER, 2001; SHOEMAKER, 1996).

Esta tese da emancipação feminina foi primeiramente proposta por duas escritoras norte- americanas: Freda Adler (obra Sisters in Crime49 publicada em 1972) e Rita James Simon (com a obra The Contemporary Woman and Crime em 1975), tendo como base de sustentação as estatísticas oficiais da criminalidade relativas ao número de detenções entre 1960 e 1970 de indivíduos do sexo feminino. Ambas as publicações, embora não tivessem chegado as mesmas conclusões, partilhavam da ideia que a mulher ao obter uma maior liberdade e uma consequente alteração do seu papel social originou um maior número de oportunidades para o cometimento de crimes, gerando um aumento da criminalidade feminina (SHOEMAKER, 1996).

De acordo com Adler, os efeitos da emancipação feminina fizeram-se sentir particularmente em duas áreas: em primeiro lugar numa maior imitação dos padrões do comportamento masculino por parte das mulheres, como é evidência o facto de uma crescente participação feminina nos bandos de rua; em segundo lugar esse comportamento criminoso ocorre numa altura conturbada para as mulheres, no período da adolescência (SHOEMAKER, 1996). A mesma autora constata que existe pouca diferenciação entre o potencial criminal feminino ou masculino, já que as antigas

48 Movimento que se preocupava com a promoção dos direitos e interesses da mulher na sociedade, tendo o seu ressurgimento nos finais da década de 60 passando pela reivindicação da igualdade económica, social e política, conjuntamente com alterações na lei no que concerne à lei do aborto e do divórcio e reformulação de inúmeras teorias científicas acerca da mulher (GIDDENS, 1997).

diferenças entre os tipos de actividades ilícitas praticadas, eram o resultado dos diferentes papéis sociais do homem e da mulher50. Chega mesmo a afirmar que a criminalidade feminina é um indicador preciso da liberdade da mulher, isto é, o aumento da criminalidade é proporcional ao aumento da liberdade (WILLIAMS, 1991).

Alguns autores como Simon (1975) partilham de uma perspectiva diferente, realçando que o movimento de libertação feminina, ao proporcionar um aumento de oportunidades para a mulher cometer actos ilícitos, estes limitaram-se a crimes financeiros e de propriedade, directamente relacionados com as suas actividades profissionais (WILLIAMS, 1991). Para comprovar este aumento da criminalidade feminina, inúmeros estudos realizados recorreram às estatísticas criminais. Adler (1979:407-417) analisou dados estatísticos referentes a inúmeros países, dentro dos quais se destacam a Inglaterra, Alemanha, Canadá, Noruega, Brasil, Japão, Finlândia e Índia. Segundo a autora, entre os anos de 1960 e 1972, ocorreu um aumento mais significativo da criminalidade feminina em comparação com a criminalidade masculina na generalidade dos países analisados, atribuindo o facto ao movimento de libertação feminina. Contudo, em Portugal, segundo as Estatísticas da Justiça utilizadas por Boaventura Santos (1996), pode-se concluir que ocorreu uma diminuição no número de condenados e arguidos do sexo feminino em relação ao sexo masculino entre os anos de 1962 e 1982, não se adequando os números nacionais a esta teoria.

Da mesma forma, Carol Smart (1979) fez uso das estatísticas oficiais da Inglaterra e do País de Gales para verificar se terá ocorrido um aumento da criminalidade feminina no período de 1965 a 1975, tendo concluído que ocorrera um aumento substancial na criminalidade feminina em relação à masculina. Contudo, argumentou não ser fiável comparar a percentagem do aumento da criminalidade feminina em relação à masculina devido a dois factores. O primeiro consubstanciava- se no facto do aumento ocorrido já se ter iniciado muito antes dos efeitos do movimento de emancipação feminina se terem verificado. Em segundo lugar, o número reduzido de crimes praticados pela mulher em relação ao elevado número de crimes praticados por homens. Deu mesmo o seguinte exemplo: ocorreu um aumento no número de homicídios de cerca de 500% cometidos por mulheres entre 1965 e 1975, reportando-se esses 500% ao aumento de 5 casos de homicídio, passando de 1 caso para 5 casos nos 10 anos analisados. Pelo contrário, a criminalidade

50Muito embora a criminalidade feminina fosse considerada como “um barómetro que indica o seu grau de participação social e o seu envolvimento com o mundo exterior ao domicílio, a diversificação e o aumento da participação da mulher em condutas ilícitas poderá ser relacionado directamente com a evolução dos seus papéis sociais”. Nesta linha de pensamento, “as mulheres que pertencem estratos sociais inferiores têm maior possibilidade de serem presas e condenadas que as mulheres de classe média ou da burguesa” (LUCCHINI, 1997:92). Desta forma, levanta-se a seguinte questão: se as mulheres de estratos sociais inferiores têm maior probabilidade de serem “presas e condenadas”, também é um facto que essas mesmas mulheres face à menor alteração dos seus papéis sociais, que continuam a decorrer no seio familiar e do domicílio também terão menos oportunidades de condutas ilícitas no exterior e menor probabilidades de serem detectadas.

masculina revela números base extremamente elevados, tendo como consequência que, um aumento de 9000 para 10.000 mil crimes terá uma percentagem de aumento unicamente de 10%, enquanto realmente aumentou cerca 1000 casos (JONES, 1998).

Apoiando de certa forma as conclusões de Smart (WILLIAMS, 1991), através de uma análise mais exaustiva das estatísticas criminais da Inglaterra e do País de Gales, Steven Box e Chris Hale refutaram a ideia que haveria alguma ligação entre a criminalidade feminina e o movimento de emancipação feminina, rejeitando todos os argumentos anteriormente apresentados. Do seu ponto de vista, Adler e Simon não tomaram em consideração alguns aspectos importantes, a ter na interpretação das estatísticas criminais. Entre esses factores, destacam-se as possíveis alterações no funcionamento judicial e mudanças na recolha e análise dos dados estatísticos criminais.

Os criminólogos, Darrel Steffensmeier e Renee Steffensmeier, (SIEGEL, 1995:70) concluíram igualmente que a relação entre o movimento de emancipação feminina e o aumento da criminalidade feminina era ténue e extremamente vaga, sendo esta relação mais uma invenção social do que uma realidade empírica. Estes autores argumentam que o aumento da criminalidade feminina além de já se ter verificado em anos anteriores ao início do movimento de emancipação feminina, a maioria das mulheres criminosas provinha das classes sociais mais desfavorecidas, sendo estas as menos abrangidas pelo movimento de emancipação feminina.

Em Portugal, nos anos 70 e 80 o movimento feminista “não teve espaço para se transformar num movimento de amplas massas de mulheres” sendo que a participação da mulher na revolução de Abril de 1974, originou o “direito à palavra e à participação, duas das grandes conquistas da cidadania feminina” (TAVARES, 2000). É aceite genericamente que a mulher portuguesa tem vindo nas últimas décadas ocupar um lugar na sociedade e na vida pública, lugar este que ainda algum tempo lhe estava restringido, no entanto não se consubstanciou ainda uma profunda alteração das relações de género na sociedade portuguesa (LEAL, 2005).

Este movimento originou que a geração seguinte de criminologistas feministas focasse a sua atenção da emancipação para a sociedade patriarcal, baseando-se no facto de as diferenças de poder entre a mulher e o homem provocarem que o fenómeno criminal feminino se concentre em tipo de crimes em que o poder necessário e exercido é menor. No entanto, até ao momento poucos estudos têm sido realizados nesta nova perspectiva (LILLY, CULLEN & BALL, 1995).

Apesar do movimento de emancipação feminina ter permitido às mulheres uma maior liberdade de actuação e de afirmação, segundo Anthony Giddens (1997:194) existem alguns dados que apontam para facto de as mulheres conseguirem mais facilmente escapar à justiça, já que invocam o “contrato do género”, no qual a mulher é apresentada como um indivíduo inofensivo e

carente de protecção, não se enquadrando no estereótipo de um verdadeiro criminoso51. Em

oposição a esta tese, há quem defenda que a mulher sofre de uma dupla punição perante a Justiça. Segundo esta teoria da “dupla punição”, os tribunais não estão habituados a lidar com mulheres criminosas, muito devido à sua baixa participação nas estatísticas criminais, sendo desta forma vistas e punidas pelo tribunal tanto como criminosas e como afrontando o seu papel na sociedade enquanto mães e esposas, estando inclusive sujeitas a um controlo mais rígido e apertado (INCIARDI, 2002; MAGUIRE, 1997; LEMGRUBER, 2001:374; YOUNG, 1996).

Desta forma, ao abordarmos as diferentes teorias/correntes relativas circunstancialismos da participação feminina no fenómeno criminal e as possíveis explicações para um menor envolvimento das mulheres em comportamentos desviantes, facilmente se descortina que as estatísticas oficiais da criminalidade, enquanto fonte de medição da criminalidade, desempenham um papel essencial na fundamentação de inúmeras teorias.

51Os apoiantes desta tese não entendem o sistema judicial como sendo imparcial e neutro, pois a visão estereotipada da mulher irá influenciar as decisões tomadas pela polícia e tribunais (LUCCHINI, 1997). No entanto, um hipotético tratamento diferenciado, isoladamente não poderá explicar tamanha disparidade entre as taxas de criminalidade feminina e masculina.