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O adjectivo empregado como substantivo Assim como o substantivo vai muitas vezes

Aqui, a oração de pronome relativo (que interessem) vale por um adjectivo: interessantes É por isso que em gramática essas orações são designadas pelo nome de «adjectivas», e é por

6. O adjectivo empregado como substantivo Assim como o substantivo vai muitas vezes

empregado como adjectivo, também este serve não raro de substantivo, tanto na linguagem corrente como na literária. É sabido que muitos substantivos foram ao princípio adjectivos (a corrente, a

palhoça, o ouvinte, a festa, o Inverno, etc.) e que ainda hoje é vulgar dizermos: o sábio, o justo, um tímido, um preguiçoso, etc. Estes adjectivos são condensações de frases como esta: «um (homem ou

rapaz) preguiçoso». Tomaram-se, ou podem tomar se independentes e substantivados, pela capacidade que temos em conceber a qualidade para além do próprio objecto. Este princípio tem curiosas aplicações em Estilística.

Quando dizemos «o infeliz rapaz», consideramos, numa atmosfera sentimental, a infelicidade do moço. Não se ousou dizer, como locução equivalente, «a infelicidade do rapaz», mas adoptou-se uma construção, já citada por nós, que é um termo médio e um belo achado estilístico, muito frequente em linguagem familiar: «o infeliz do rapaz». Agora, aparece o adjectivo substantivado e menos dependente do substantivo, porque está separado dele pela preposição. Isto é, conserva a vantagem sentimental da posição, anteposto ao substantivo, e adquire maior relevo de significado. A linguagem literária a dotou o processo, frequente já nos Clássicos, como se vê desta frase de Fr. António das Chagas : «A mesma pena que na frieza nos espanta, no ardente do amor grande alegria nos dera». O escritor poderia ter escrito ardência; mas entendeu, e muito bem, que o emprego do adjectivo substantivo era mais expressivo.

tortuosidade»; mas o adjectivo precedido do artigo é mais expressivo, dá maior realce à qualidade. A acumulação dos sufixos naquele substantivo (-oso, -dade) desvanece a ideia central, rouba

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energia à imagem. Aviso útil para aqueles que usam e abusam de termos extensos e não de boa escolha: tempestuosidade, engenhosidaãe, grandiosidade, sumpiuosidade, etc. Embora estas formações possam encontrar-se em algums bons autores (veja-se, por exemplo, odiosidade em Raul Pompéia, incisividade em Mário de Andrade, engenhosidade em Aquilino Ribeiro), o vocábulo muito extenso é sempre de evitar em bom português.

Contudo, casos há em que a substantivação do adjectivo não pode passar sem reparo, por contrariar os hábitos do idioma. Veja-se este passo dum escritor moderno: «E ante os agradecimentos do

comovido por aquela solicitude imprevista, Firmino entrou». A condensação é excessiva, quase

brutal. Para uma boa compreensão, teríamos de dizer «do companheiro, comovidot>. Outra frase do mesmo escritor, que tem predilecção pelo processo: «Não contente com o laconismo, o loquaz insistiu». O adjectivo, alatinado, causa-nos impressão estranha, precedido do artigo. Se disséssemos popularmente «o tagarela», já o termo familiar, com fumção de substantivo, convinha perfeitamente ao discurso. A razão está bem de ver: loquaz é um adjectivo desbotado, de carácter literário; e ali o que convinha era um termo popular, fortemente pejorativo; logo, tagarela.

7. A gradação dos nomes. - É sempre possível conferir maior ou menor intensidade aos conceitos

expressos pela maioria das palavras. A linguagem tem processos para traduzir esse fenómeno, e os escritores, por sua vez, também os vão inventando. A gradação dos substantivos é determinada geralmente por meio do adjectivo (processo analítico) ou por meio de sufixos aumentativos e diminutivos (processo sintético). Quando dizemos «casa grande», «casa pequena», definimos o grau de dimensão do objecto. O mesmo faremos se, em vez do adjectivo, empregarmos os sufixos:

casarão, casita. Neste último caso, como vimos no capítulo 6,

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anda apegado à palavra certo valor sentimental, mais ou menos vivo, conforme o sufixo empregado. Também a repetição do nome produz um efeito de intensidade, que a linguagem familiar conhece perfeitamente e a literatura aproveita. Veja-se este passo: «No barranco iam-se acumulando caixotes, sacos e barris, barris, barris, a cachaça era morfina para a vida triste do seringueiro». A repetição do nome é um processo estilístico que serve para exprimir, com alvoroço do sentimento, a quantidade ilimitada. O redobro da palavra é sinal de energia psíquica e encontra-se sobretudo nas línguas primitivas. Se quisermos reforçar a impressão que em nós causam ums olhos negros, não temos mais que repetir o adjectivo: «Depois, fitaram-se em mim ums olhos negros, negros». Como vemos, a repetição do nome não só dá intensidade à representação, mas ainda a envolve de certo mistério e perturbação afectiva.

Vejamos agora outro caso. Suponhamos este enumciado: «A rosa é a flor das flores». Queremos dizer que «a rosa é a mais bela de todas as flores». Tivemos arte de exprimir isso de forma muito condensada, repetindo o substantivo e pondo-lhe ao meio uma preposição. Este processo também é antigo. Encontra-se muito na Bíblia; e como a Bíblia é uma produção do génio hebraico, na parte que se chama o Velho Testamento, ficou a chamar-se a essa construção, poética e simplificadora, «superlativo hebraico». Podem tirar-se curiosos efeitos de estilo desse processo, como neste passo de Aquilino Ribeiro: «A vista repousava, bêbeda de luz, na confiança das confianças».

como a abominação das abominações», a ponto de o empregar até com os advérbios: «Numca dos

numcas poderás saber a energia e obstinação que empreguei em fechar os olhos... Nada dos nadas

veio ter comigo.» (Dom Casmurro, ed. de 1952, pág. 214).

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Passemos propriamente ao adjectivo, que admite um grau comparativo e outro superlativo. No emprego do comparativo, salta aos olhos a diferença estabelecida no uso do comparativo de superioridade para pequeno em Portugal e no Brasil. Em Portugal diz-se correntemente mais

pequeno. O brasileiro adoptou a forma menor, porque os gramáticos lhe incutiram o princípio da

lógica no discurso: quem diz mais pequeno devia também dizer mais grande; assim, deverá dizer-se

maior e menor. A introdução dessa forma literária e incolor, que fede a pedantismo de escola, foi

uma vitória lamentável da abstracção sobre o pitoresco. Aliás, o povo, em Portugal e no Brasil, vai dizendo mais pequeno; e na Galiza até se diz e escreve mais grande. Assim, por exemplo, em R. Otero Pedrayo: «Espanha fíxose mais grande e f onda.» (Arredar de si, pág. 14). O galego, porém, soube criar uma forma concentrada, com que evitou decididamente as reclamações dos gramáticos: transformou mais grande em meirande: «Dum dos meirandes tolos poidéronse aduvinhar alguas cousas.» (R, Otero Pedrayo, O senhorita da Reboraina, pág. 158).

Vejamos agora o valor estilístico do segumdo termo da comparação (que ou do que). Repáre-se nesta frase de um autor clássico: «Não há maior glória da que se alcança servindo a Deus.» A construção é elegante e sóbria. Apesar disso, a língua actual tende a substituí-la por estoutra: «Não há maior glória do que a que se alcança servindo a Deus». Ou ainda por esta: «Não há maior glória que aquela que se alcança servindo a Deus». A construção ganhou em clareza, mas perdeu muito em elegância e eufonia. Aquela repetição do que é extremamente dura e desagradável. A língua

sacrificou desta vez a música à clareza.

Antes de numerais parece mais elegante o emprego da preposição. «A quinta não vale mais de vinte contos» é, na verdade, mais bem-soante que «A quinta não vale mais que vinte contos». Contudo, a outros parecerá que o termo

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que dá mais energia e clareza à representação. A sua própria aspereza é um sinal de vigor: uma

questão de gosto pessoal.

Sobre o superlativo convém notar o seguinte. Os dois processos mais frequentes para exprimir a intensidade dos atributos e qualidades consistem em fazer preceder o adjectivo de um advérbio de quantidade (muito, extraordinariamente, extremamente, etc.) ou acrescentar o sufixo -íssimo ao adjectivo. Temos pois dois tipos de superlativos: muito rico e riquíssimo. De um modo geral, tem-se a impressão de que o emprego do sufixo imprime maior força intensiva à ideia. Assim, «um homem riquíssimo» parece-nos mais opulento que «um homem muito rico». Mas, é claro, a intensidade depende mais ou menos do emprego do advérbio: dizer «um homem

prodigiosamente rico» equivale mais ou menos a dizer «um homem riquíssimos.

É bem conhecida aquela curiosa personagem do romance Dom Casmurro, o José Dias, que

empregava o superlativo absoluto simples a torto e a direito, a pontos de morrer com um superlativo na boca, lindíssimo, referido ao azul do céu. Segumdo o autor, Machado de Assis, «era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases». O certo é que esta mania da superlativação originou aquele pitoresco incidente narrado espirituosamente pelo autor a pág. 229 da ed. de 1952:

febre... As febres, assim como dão com força assim também se vão embora... com os dedos, não; onde está o lenço?

Enxuguei os olhos, posto que de todas as palavras de José Dias, uma só me ficasse no coração: foi aquele

gravíssimo. Vi depois que ele só queria dizer grave, mas o uso do superlativo faz a boca longa, e, por amor do

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A linguagem popular, em busca de maior expressividade, desconhecendo os advérbios cultos

(consideravelmente, prodigiosamente, excessivamente, etc.) e achando desbotado e froixo o

advérbio muito, inventou curiosos processos superlativantes, que a literatura imita com vantagem. Assim: «um homem podre de rico», «um homem rico a valer», «um homem rico até mais não», «um homem rico à beça», «mulher gorda que nem», etc. Um dos mais curiosos está no uso do diminutivo para efeitos de intensidade, como se mostra neste passo de Aquilino Ribeiro: «A alcatifa da terra, que se antemostrara verde-verdinha, revestia-se a todo o longo do vale de mil tons furta-cores.» (A Casa Grande de Romarigães, 267). Os escritores místicos também tiveram de inventar formas superlativantes, porque a língua usual era débil demais para exprimir os paroxismos do seu amor de Deus. Veja-se este trecho de um deles: «Bendita e louvada seja eternamente aquela muito mais que além de infinita e entranhavelmente amável bondade». Acumulando advérbios e adjectivos numa sucessão quase delirante, conseguiram o efeito almejado. A par dos superlativos em -issimo, que a língua tolera, embora avessa, em princípio, a palavras esdrúxulas, aparecem também formas alatinadas em -imo e -érrimo; facílimo, humílimo,

stibtílimo, paupérrimo, acérrimo, etc. Essas são puramente literárias e, mesmo dentro da literatura,

de uso pouco frequente. São construções mais ou menos artificiais, sem grande fumção expressiva, enfim, quase valores mortos para a arte do estilo. Por isso mesmo não é de estranhar que as formas cm -érrimo, pelo que têm de invulgares e malsoantes, sirvam para fins humorísticos. «O baile esteve chatérrimo», dirão dois rapazes em estilo de gíria. Monteiro Lobato usou o sufixo em casos como estes:

a) «vestidos de soleníssimas sobrecasacas e com solenérrimos tubos de chaminé reluzentes nas

cabeças». (O Presidente negro, 2.a ed., 288);

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b) «escorregou e caiu, patenteando aos olhos arregalados da sala a infamérrima víscera de má

morte». (Cidades mortas, 7.a ed., 105).

Mário de Andrade também o empregou ironicamente: «todo cheio de manchas e galos duma

tremendérrima sova de pau». (Macumaima, 2.a ed., 81). Não podia deixar de lhe aproveitar o chiste

um outro escritor brasileiro de grandes recursos expressivos, Guimarães Rosa: «Mas agora, maior mais real, directo - no lugar amplo e sem outras formas um homem sozinho, bébedérrimo, Badu.»

(Sagarana, 5.a ed., pág. 52). E, enfim, um escritor português Brás Buriti, serviu-se dele com

abumdância e espírito jocoso: «E quem mo houvera de dizer a mim, neste tristérrimo fim de vida, avô de quinze netos». O inadequado do seu emprego, em adjectivos que só comportam o sufixo

-issimo, já diz o bastante sobre o carácter humorístico da expressão.

Note-se porém que o próprio superlativo em -issimo implica por vezes um sentido mais ou menos jocoso, como se deixa ver deste gracioso trecho de Camilo, em que o grande escritor rnete a ridículo o efeito pedantesco da palavra comprida, tão repugnante ao génio da nossa língua:

«V. tomou-se um pouco suspeito ao meu José Mendes com o estilo libérrimo das suas cartas

inconvenientíssimas. Desculpe-me os superlativos. Hoje dá-me para aqui a mania. Todas as vezes que a minha

e meia da política por empreitada».

(Dispersos, n, 351).

Aborrecendo essa desinência esdrúxula, contrária ao génio da língua, o galego rural teve artes de a encurtar,

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convertendo o -issimo em ismo, como em moitismo, santismo,

longuismo, tremenáismo, etc.:

«Quê engado o daquela capela gorecida no seo de sombra dum teixo grandismo!» (Anxel Fole, À

lus do candil, 77).

«Nestas foi cando se ouviu, ò lonxe, um berro tremendis.mo.-i> (E. Blanco-Amor, A esmorga, 118). «co’as espigas por riba da cabeça / no carreiro longuismo dos adeuses». (Díaz Castro, Nimbas, 60). Aliás, esta tendência equilibradora do galego já se praticava no francês e provençal arcaicos, onde essas terminações esdrúxulas também foram reduzidas a graves: grandisme, fortisme, saníisme,

altisme.

9.

OS PRONOMES

l. O pronome pessoal. - Um dos caracteres que distinguem a nossa língua, se a compararmos, por

exemplo, com o francês, é o pouco uso do pronome pessoal, nas formas chamadas de sujeito: eu, tu,

ele, ela, nós, vós, eles, elas. É que as terminações verbais são suficientemente claras para

dispensarem a menção da pessoa. Vejamos este pequeno trecho:

«Não conheço pessoalmente esse indivíduo de quem falas. Não sabemos quem é, donde vem. Mas podeis estar certos de que será recebido condignamente: os hóspedes foram sempre bem acolhidos nesta casa; sentados à mesa comum, fazem parte da família».

Neste período não há um único pronome pessoal, nem é preciso. Experimentemos contudo pôr os respectivos pronomes :

«.Eu não conheço pessoalmente esse indivíduo de quem tu falas. Nós não sabemos quem ele é,

donde ele vem. Mas vós podeis estar certos de que ele será recebido condignamente: os hóspedes foram sempre bem acolhidos nesta casa: sentados à mesa comum, eles fazem parte da família». Se compararmos os dois trechos, logo vemos que o segumdo está por demais sobrecarregado de pronomes. E logo sentimos que o emprego do pronome chama mais vivamente a atenção para a respectiva pessoa. É um processo enfático.

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Um indivíduo muito cheio de si empregará com mais frequência o pronome eu. Desse facto se derivaram até os termos egoísmo, egocentrismo, etc., todos formados do vocábulo latino ego, que quer dizer «m». A fala dum conselheiro Acácio, homem que a si mesmo concedia grande

importância, tende para um abusivo emprego do eu, como se vê destes passos, em que outros, que não ele, omitiriam talvez o pionome:

<(Eu peço ao meu Savedra que não tire desse facto ilações erradas. Os meus princípios são bem

conhecidos.»

- «Eu não quero entrar em discussões políticas: só servem para dividir as famílias mais umidas.» •- «Porque eu entendi que era o meu dever dedicar um tributo à memória da infeliz senhora.»

O abuso do pronome pessoal, eu ou me, está explicado graciosamente neste trecho de Monteiro Lobato:

«- Muito bem, senhor Ayrton Lobo! Sempre contei com a sua presteza, quando o senhor me andava a pé. Agora, que se deu ao luxo de um automóvel, gasta-me vinte e tantos dias numa simples cobrança e aparece-we com essa cara de cachorrinho que me quebrou a panela!

Me, me, me, me... tudo para aquele homem se relacionava egoisticamente à sua pessoa...» (O Presidente negro, 194).

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