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Aqui, a oração de pronome relativo (que interessem) vale por um adjectivo: interessantes É por isso que em gramática essas orações são designadas pelo nome de «adjectivas», e é por

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2. Este livro é o meu.

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No 1.° exemplo insistimos na posse, portanto no possuidor, como se disséssemos: «Este livro pertence-me a mim». No 2.° exemplo, a presença do artigo tem como resultado chamar a atenção para o objecto possuído, fazendo supor a existência de outros objectos não pertencentes ao sujeito. Aqui, o possessivo fumciona propriamente como pronome. Vejamos algums casos em que fumciona como adjectivo. Um gramático brasileiro, muito distinto, o Prof. Said Ali, teve o cuidado de fazer uma estatística, de onde se prova a gradual frequência do artigo antes do adjectivo possessivo, desde os mais antigos escritores. Fernão Lopes só em 5 % dos casos usa o artigo definido, Camões em 30 %, Vieira em 70 % e Herculano em mais de 90 %. Logo, estamos habilitados a assegurar que uma frase como esta, que anteriormente a Camões se dizia geralmente assim: fez SUA oração e partiu logo, hoje se usa deste modo: fez Á SUA oração e partiu logo. Temos pois de admitir que, de um modo geral, a língua de hoje reconhece o emprego expressivo do artigo antes do adjectivo possessivo. Há excepções. Vê j amos as principais:

Meu pai censurou-me. - Minha mãe resignou-se. É possível que isso se deva ao costume de

mencionarmos esses nomes no vocativo: ((Minha mãe, quando devo sair?» - Ó meu pai, já viu as horas?» Seria um caso de analogia: transferiu-se para os outros dizeres a prática usada no vocativo. Este emprego ainda constitui hoje um dos problemas intrincados da Estilística. O velho dicionarista Morais pronumciou-se sobre o caso, e a sua opinião merece ser registada, pelo que pode conter de verdade. Segumdo ele, omitia-se o artigo antes do adjectivo possessivo, quando o substantivo a que este se jumta significava uma individualidade única, que excluía outra de modo absoluto. Por isso se justificavam as locuções «teu pai», «minha mãe», etc. Não

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tendo cada indivíduo senão um pai, o artigo seria dispensável, porque o pronome determinava por si mesmo o substantivo de uma forma exclusiva. Quando porém o substantivo tinha uma significação menos determinada ou menos exclusiva, já a frase se podia construir com ou sem artigo: «Venho de ou da minha casa».

A opinião de Morais é fumdada sobre o que já dissemos: o artigo anteposto ao pronome tende a particularizar o objecto, a diferençá-lo dos outros. Quando dizemos «meu pai», não precisamos de particularizar uma pessoa que vale por si só, que é única; mas teremos de o fazer quando aludimos a uma entre outras. Por isso: «o meu irmão José». Queremos distinguir José de entre os outros irmãos. 2. Nos grupos fraseológicos tradicionais também se compreende a omissão do artigo: em poder de,

em nome de, a cargo de, em minha opinião, em meu entender, por vontade de, etc. Se usarmos o

possessivo, não poderemos, em boa linguagem, empregar o artigo. Assim, não diremos:

- O limo está no meu poder, mas está em meu poder, não lançou-se aos seus pés, mas a seus pés. Os principiantes têm certa inclinação para infringir este preceito, baralhando as coisas.

O pronome possessivo assume por vezes significações que pouco ou nada têm que ver com a posse. Vejamos os principais desses casos, que oferecem certa delicadeza estilística :

1. Pode denotar familiaridade e um certo sentimento de superioridade. O Conselheiro Acácio trata os seus amigos por o nosso, o meu. Exemplos: «O nosso Jorge opina pelo cozido». - «Não acha,

meu bom Sebastião ?» Quando Acácio diz nosso, está em meio de um grupo de pessoas de que ele

se supõe ser a figura mais relevante. Quando diz meu, o possessivo na l.a pessoa acentua a importância do sujeito,

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que consente descer a uma atitude de familiaridade. Na

3.a pessoa pode assumir valor idêntico e exprimir a ufania da propriedade condescendente: «O emigrado e Melchior constituíam a Artur uma pequena corte: gostava de os ver à sua mesa, bebendo-lhe o seu conhaque, cortejando-lhe a sua amante»-(A Capital, l.a ed., pág. 463). Note-se que o próprio Eça sublinha o possessivo para lhe atribuir esse matiz de significado.

2. Significa o acto ou sucesso habitual. Exemplo: «O doente teve o seu ataque; mas agora está melhor».

3. Emprega-se na 2.a pessoa, na linguagem exaltada, significando que quem fala não tem culpa nos males que refere. Exemplo: «Repara na má educação do teu filho!»

- dirá um marido irado para a sua mulher, a quem acusa de estragar com mimos a criança. 4. Usa-se em exclamações, com forte sentido recriminativo. Exemplos: Seu traste! - Sua desavergonhada! Meu mentiroso!

5. Equivale a um pronome ou expressão indefinida (algum, certo, aproximadamente, etc.). Exemplos: «Faz sua diferença». - «Terá os seus três metros». - «A obra tem seus defeitos». -

«Tenho as minhas dúvidas».

6. Exprime certa malícia e ironia familiares. Exemplo: «Vem cá, meu patriota, pensaste nas tuas responsabilidades ?».

7. Tem, para quem narra, um valor pitoresco, demonstrativo: «Voltavam à sua terra os meus cinco lutadores» (Garrett), isto é: os lutadores de que estou tratando, que mencionei acima. Parece haver aqui, com uma certa suficiência, uma leve sombra de humorismo.

8. Veja-se, enfim, este emprego curioso e anormal do possessivo seguido do infinito, em Fernando Pessoa:

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A expressão equivale a uma frase exclamativa e procura, ao que parece, traduzir uma atitude extática. É como quem dissesse: «Como tu ficas, pobre de anseios, nos bancos... l»

Os puristas condenam o abuso do possessivo como contrário ao génio da língua, da língua clássica, já se vê. Abusos são sempre de evitar; mas o seu emprego inteligente valoriza o estilo, porque o possessivo, com funções adjectivais, é, ou pode ser, um bom elemento de caracterização. Nada mais elucidativo, a esse respeito, do que observar as emendas que Eça de Queiroz introduziu no texto da novela Singularidades duma rapariga loura, publicada pela primeira vez em 1874:

1. «Foi neste ponto que Macário me disse com a sua voz singularmente sentida.»

2. «Mas isto bastou ao seu espírito tecto e severo para o obrigar a toma-la como esposa.» Os pronomes possessivos foram introduzidos depois, na edição definitiva, e não há dúvida que melhoraram estilisticamente o texto.

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