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2.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O TURISMO

2.2.1 Administração Pública

Ao se definir o conceito restrito de Administração Pública deve-se considerá-lo em um determinado tempo e espaço para que sua delimitação seja mais precisa, pois depende do contexto cultural de uma determinada época, em um dado lugar. Em qualquer país, independente de sua forma de governo ou organização política existe uma administração pública. Em específico, no caso do Brasil, Jameson (1965) define a administração pública como a ordenação, direção e controle de serviços do governo, nos níveis federal, estadual e municipal, de acordo com a doutrina do direito e da moral visando ao bem comum.

A administração pública é a que provê à sociedade, o serviço público14, que por sua vez deve ter a finalidade voltada para as finalidades coletivas, podendo ser voluntários (de livre aceitação), gerais (não define seus usuários), especiais (de certos grupos de pessoas), secundários (assimilados pelo serviço particular) e os essenciais (defesa nacional, justiça e polícia, água, energia elétrica) (ZORZAL, 2003).

Torres (2004) aponta que o papel que se espera da administração pública, no Brasil, é imenso e de extrema importância, pois nenhuma instituição teria a capacidade de substituir o Estado15 na tarefa de incorporação social da maior parte da população. Porém, atualmente existe uma imagem negativa do Estado, influenciada pela perspectiva minimalista que se firmou em função da crise econômica e do próprio Estado, que atingiu tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, a partir dos anos 1970. Mesmo que já esteja acontecendo uma revisão do consenso antiestatal, no Brasil ainda é muito difundido um clima de desconfiança com relação ao setor estatal, que vai além do

14 Alecian e Foucher (1997) enquadram como organizações públicas, aquelas que se dedicam à missão do serviço público e cujos recursos sejam formados, na sua maioria, por impostos, taxas ou algo semelhante, dos quais os montantes são fixados e impostos por lei. Por isso, estão inseridos os Municípios, as concessionárias de saneamento e energia elétrica e, indiretamente, as empresas prestadoras de serviço. Os autores excluem do campo do serviço público as organizações, públicas ou privadas, cujos lucros provêm basicamente da venda de bens ou serviços no mercado, bem como as associações, fundações, sindicatos e outros dos quais os recursos são formados basicamente de doações, de subvenções ou cotizações.

15 Atualmente, o Estado deve ser entendido como um agente econômico ativo que assume as funções de defesa, justiça e obras públicas, bem como, a realização de outras atividades voltadas para a satisfação de necessidades coletivas, em sua maioria, de caráter social (SILVA, 2000).

questionamento da capacidade do Estado de fomentar o desenvolvimento (FARAH, 2001, p. 120). A autora complementa que tal descrédito surge devido

[...] à ação estatal, às diversas políticas públicas e aos políticos de um modo geral. A ocorrência de práticas de cunho clientelista e marcadas pela corrupção, após a democratização dos anos 1980, e a maior visibilidade destes fenômenos, decorrente da própria democratização, articularam-se à onda minimalista neoliberal que propõe a redução radical do Estado [...] (FARAH, 2001, p. 120).

Farah (2001) adverte que não basta uma revisão do consenso pró-mercado por parte dos países desenvolvidos e das agências multilaterais de financiamento para reverter tal situação, também é necessário uma construção interna de uma nova imagem a respeito da ação estatal, tendo como pressuposto o reconhecimento de que o Estado é passível de reformas orientadas para a superação de características críticas de sua atuação no período nacional-desenvolvimentista, bem como para a sua adequação aos desafios postos pela globalização, pela reestruturação produtiva e pelo processo de democratização (que ainda está em andamento).

Pereira (1999) destaca três formas de se administrar o Estado:

• Patrimonialista – foi uma característica dos governos monárquicos, os quais confundiam o patrimônio do monarca com o patrimônio público, logo, não visava o interesse público. O Estado era visto como propriedade do rei. Como esse tipo de administração era incompatível com o capitalismo industrial e as democracias parlamentares que surgiram no século XIX, quando era necessário separar o Estado do mercado, surgiu à administração burocrática moderna; • Burocrática – surgiu nos anos de 1930 e serviu de base para a administração

profissional. O setor público, bem como o privado, adotou esse modelo como forma de organização estrutural. Nesse modelo, as ordens passam a ser dadas de maneira estável e previsível, os deveres e direitos de cada posto de trabalho são determinados claramente, assim como o grau de especialização requerido é especificado. Este modelo permite a implantação de mecanismos gerenciais que privilegiam a redução de custos e a otimização de resultados e que prevaleceu

durante muito tempo como a melhor forma de administração pública até os anos de 1970; e

• Gerencial – a partir dos anos de 1980 iniciou-se a prática dessa forma de gestão nos países de primeiro mundo e, no Brasil, nos anos 90. De acordo com Pereira (2000, p. 18), “A reforma gerencial busca criar novas instituições legais e organizacionais que permitem que uma burocracia profissional e moderna tenha condições de gerir o Estado brasileiro”. A dimensão-gestão da reforma gerencial influi diretamente a prestação de serviços, pois pretende utilizar novas idéias gerenciais e oferecer à sociedade um serviço público de melhor qualidade. Segundo Pereira (1999), a administração pública gerencial apresenta as seguintes características: descentralização do ponto de vista político; descentralização administrativa; organizações com poucos níveis hierárquicos; pressuposto da confiança limitada; controle por resultados e administração voltada para o atendimento do cidadão. Santos (2004) acrescenta mais duas características, quais sejam: organizações flexíveis ao invés de unitárias e monolíticas, nas quais as idéias de multiplicidade, de competição administrada e de conflito tenham lugar; e definição dos objetivos a serem atingidos pelas unidades descentralizadas na forma de indicadores de desempenho, sempre que possível quantitativos, que constituirão o centro do contato de gestão entre o Ministro e o responsável pelo órgão que está sendo transformado em agência.

Analisando as três formas de gestão do Estado, propostas por Pereira (2000), no contexto atual, observa-se que são poucos os governos que utilizam a forma paternalista de gestão do Estado. No que tange ao modelo burocrático, por ele ter se desenvolvido em uma sociedade na qual as mudanças aconteciam mais lentamente e em uma época na qual somente os que ocupavam o topo da hierarquia social possuíam informações para decidir adequadamente, ou seja, em condições adversas das atuais (OSBORNE; GAEBLER, 1994, p. 16), ele encontra-se ultrapassado e, segundo Osborne e Gaebler (1994), o ambiente contemporâneo exige instituições que produzam bens e serviços de qualidade, assegurando alta produtividade aos investimentos feitos e somente o modelo gerencial pode proporcionar tal situação.

Nesse sentido, o desafio da nova administração pública é transformar estruturas burocráticas, hierarquizadas e distantes da sociedade em organizações flexíveis e empreendedoras. Esse desafio faz com que as organizações públicas adotem padrões de gestão desenvolvidos para o ambiente das empresas privadas, com as devidas adaptações à natureza do setor público (PEREIRA; SPINK, 1999).

Entretanto, essa transição, de uma administração pública burocrática para a gerencial, deve ocorrer de uma maneira gradual e com a mesma intensidade nos diversos setores. O novo modelo de administração pública (gerencial) deve tirar proveito das conquistas e dos pontos positivos do modelo burocrático, bem como eliminar o que é inútil (PEREIRA, 1999). O quadro a seguir apresenta as diferenças entre a administração pública burocrática e a gerencial.

Administração pública burocrática Administração pública gerencial Controle de processos e procedimentos (passo a

passo)

Controle de resultados (definição de indicadores de desempenho definidos por contrato)

Procedimentos rígidos Procedimentos flexíveis

Auto-referente Orientada para o cidadão

Centralização Descentralização e delegação de autoridade Hierarquização Incentivo a criatividade e inovação

Não existe grau de confiança Políticos e funcionários públicos merecem um grau limitado de confiança.

Quadro 1: Administração pública burocrática x gerencial Fonte: Pereira (1999).

Pereira (1999, p. 265) acrescenta que

[...] a combinação de princípios gerenciais e burocráticos deve variar de acordo com o setor. A grande qualidade da administração pública burocrática é a sua segurança e efetividade. Por isso, no núcleo estratégico, onde essas características são muito importantes, ele deve ainda estar presente, em conjunto com a administração pública gerencial. Já nos demais setores, onde o requisito da eficiência é fundamental, dado o grande número de servidores e de cidadãos- clientes ou usuários envolvidos, o peso da administração pública burocrática deve ir diminuindo até praticamente desaparecer no setor das empresas estatais.

A administração burocrática clássica foi implantada no Brasil em 1936, mas quando o Estado liberal do século XIX deu lugar ao Estado social e econômico, verificou- se que o pressuposto no qual se baseava, o da eficiência, não se tornou real, revelando sua

lentidão, seu alto custo, sua baixa qualidade e sua baixa ou inexistente orientação para o atendimento da demanda dos cidadãos (SANTOS, 2004).

Foi quando, em meados de 1995, surgiu uma nova oportunidade para a reforma do Estado, no qual o governo brasileiro, através do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, apresentou o Programa de Reforma Administrativa: o "Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado" (BRASIL, 2005c), contendo as diretrizes gerais para a Reforma da Administração Pública Federal.

Dentro das propostas do Plano Diretor destaca-se a retração das funções do Estado. Além de orientar que o papel prestador do Estado fosse reduzido, fortalecendo suas funções reguladoras e promovendo a descentralização de serviços e atividades, tanto para os níveis subnacionais quanto para o setor privado, o plano ainda destaca a retirada do Estado da provisão direta das atividades “não exclusivas”, incluindo a prestação de serviços de saúde (TEIXEIRA, 1995).

Com relação às funções do Estado, o Plano propôs a existência de quatro setores (BRASIL, 2005c):

• núcleo estratégico do Estado – onde são definidas as leis e as políticas públicas e é cobrado o cumprimento destas. Na esfera federal, fazem parte deste setor os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e, no Poder Executivo, o Presidente da República, os Ministros e seus assessores diretos;

• atividades exclusivas do Estado – são aquelas em que é exercido o “poder de Estado”, ou seja, o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Exemplos dessas atividades: cobrança e fiscalização dos impostos, serviço de trânsito, polícia, órgãos de fiscalização e de regulamentação, forças armadas, órgãos responsáveis pelas transferências de recursos, dentre outros;

• serviços não-exclusivos ou competitivos do Estado – setor no qual o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. Tais serviços, embora não envolvendo o poder de Estado, são realizados ou subsidiados por ele por envolverem direitos humanos ou economias externas, não podendo ser adequadamente recompensados no

mercado, através da cobrança dos serviços. Podem-se citar os hospitais, universidades, museus, centros de pesquisa e outros; e

• produção de bens e serviços para o mercado – é realizada pelo Estado através das empresas de economia mista, voltadas para o lucro, algumas ainda pertencentes ao Estado, outras em privatização, que operam em setores de serviços públicos e/ou em setores considerados estratégicos.

Assim, em cada um dos setores será necessário considerar o tipo de propriedade – estatal, pública não-estatal ou privada – e o tipo de administração pública mais adequada – burocrática ou gerencial, como mostra o quadro 2 (BRASIL, 2005c).

Quadro 2: Forma de prioridade e de administração dos setores do Estado

Fonte: Adaptado do Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 2005c).

Quanto ao tipo de propriedade, no núcleo estratégico esta só pode ser estatal. Nas atividades exclusivas de Estado, onde o poder extroverso de Estado é exercido, a propriedade tem de ser necessariamente estatal (BRASIL, 2005c).

Em contrapartida, para o setor não-exclusivo ou competitivo do Estado é ideal que a propriedade seja pública não-estatal, pois o controle social fica mais fácil e direto, através

Forma de Propriedade Forma de Administração Formas de

Prioridade e de Administração Setores do

Estado

Estatal Pública Não-

Estatal Privada Burocrática Gerencial

NÚCLEO ESTRATÉGICO ATIVIDADES EXCLUSIVAS SERVIÇOS NÃO- EXCLUSIVOS PRODUÇÃO PARA O MERCADO Publicização Privatização

da participação nos conselhos de administração dos diversos segmentos envolvidos, ao mesmo tempo em que favorece a parceria entre sociedade e Estado. As organizações são administrativamente autônomas e seus dirigentes assumem maior responsabilidade, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição (BRASIL, 2005c).

Já no setor de produção de bens e serviços para o mercado, a propriedade privada é a regra. Somente se justifica a propriedade estatal quando não existem capitais privados disponíveis ou, então, quando existe um monopólio natural. Ainda assim, a mais adequada é a gestão privada, desde que acompanhada por um seguro sistema de regulação (BRASIL 2005c).

Quanto ao tipo de administração, ressalta-se que, no núcleo estratégico, o princípio administrativo adotado é o da efetividade. Por corresponderem às leis e às políticas públicas, as decisões devem ser tomadas para atender com eficácia ao interesse nacional e serem cumpridas efetivamente, assim é mais adequado que haja um misto de administração pública burocrática e gerencial. Em contrapartida, quanto aos demais setores, o princípio correspondente é o da eficiência, pois se busca a relação ótima entre qualidade e custo dos serviços disponíveis ao público, logo a administração deve ser gerencial (BRASIL, 2005c).

Não obstante este trabalho enfocar o núcleo estratégico do Estado, onde se elaboram as políticas públicas, os stakeholders serão definidos mediante análise dos quatro setores relacionados às funções do Estado, mencionados anteriormente.