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A ADMINISTRAÇÃO REGIONAL ATRAVÉS DAS AUTOBIOGRAFIAS: ARTICULAÇÕES ENTRE ESTADO E PROVÍNCIAS.

Organograma 2 – A administração egípcia na VIª dinastia segundo Harco Willems.

3 A ADMINISTRAÇÃO REGIONAL ATRAVÉS DAS AUTOBIOGRAFIAS: ARTICULAÇÕES ENTRE ESTADO E PROVÍNCIAS.

Um dos elementos centrais a ser analisado nesta tese – e neste capítulo, em particular – é como o exercício de funções dentro do quadro institucional do Estado constituía importante fonte de poder para as elites provinciais durante o Reino Antigo, através das quais organizavam e reproduziam boa parte de suas relações e representações sociais. Buscar-se-á avaliar, também, de que maneira a incorporação dessas elites em funções estatais era importante estratégia para o fortalecimento do próprio Estado, demonstrando estarem essas duas esferas organicamente articuladas. Outras lógicas de organização social, como o parentesco e o patronato, também serão levadas em consideração neste capítulo por constituírem importantes lógicas de organização social submetidas à lógica do Estado.

Da mesma forma, através da análise da documentação (autobiografias e decretos régios) procurar-se-á compreender elementos que nos auxiliem a desvelar, tanto quanto possível, como se dava a atuação do Estado nas províncias e de que forma a administração estatal se articulava nessas regiões tendo em vista a

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expansão da sua centralidade. Para tanto, realizamos uma seleção de autobiografias dentre o conjunto existente no Reino Antigo, optando por aquelas que julgamos oferecer as informações mais relevantes para que pudéssemos levar a cabo o estudo proposto. As autobiografias serão aqui agrupadas regionalmente, a fim de que possamos, tanto quanto possível, destacar as particularidades percebidas em cada província, o que nos auxilia na comprovação da teoria de que o sistema administrativo egípcio não era monolítico e não funcionava igualmente para todas as regiões, já que a maior ou menor presença do Estado estava condicionada à relevância estratégia e econômica de cada um dos nomos.

Para este estudo deve-se levar em consideração, portanto, aquilo que aponta Nely Arrais quando menciona a distinção, existente no Egito, entre administração central e administração regional:

A separação destes níveis não é sempre clara, mesmo porque uma das características dos cargos funcionais no Egito faraônico foi a grande mobilidade horizontal, ou seja, os funcionários não eram especializados como na administração moderna, podendo exercer diversas funções dentro dos quadros administrativos, fosse no nível central, fosse no nível regional. Outrossim, a administração regional e a central apresentam características próprias dependendo do período em questão: em períodos de centralização, algumas atribuições dos poderes regionais poderiam ser limitadas e dirigidas pela administração central ocorrendo uma inversão em caso de fraqueza do poder central, i.e., uma ampliação da influência dos chefes locais até as esferas mais altas do governo312.

Antes de nos dedicarmos à análise do conteúdo das autobiografias, apresentaremos algumas discussões teóricas a respeito da administração provincial no Egito do Reino Antigo, as quais julgamos essenciais para uma melhor compreensão dos elementos que serão destacados no estudo das fontes.

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ARRAIS, Nely Feitoza. O nomo e o controle administrativo no Antigo Egito. In.: CARDOSO, Ciro; OLIVEIRA, Haydée (orgs.).

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3.1 OS NOMOS: UNIDADES TERRITORIAIS OU ADMINISTRATIVAS?

Como o tema desta tese toca diretamente a relação entre poder central e poderes locais no Egito, não é possível avançar sem compreender melhor uma das unidades básicas da administração egípcia no âmbito local: o nomo.

O termo “nomo” vem da terminologia adotada durante o período ptolomaico para se referir ao que, em egípcio, era denominado de spAt, também traduzido genericamente como “província”313. Os nomos eram controlados por chefes locais provenientes de famílias importantes de cada uma destas regiões os quais, cada vez mais, passam a ser incorporados no quadro da administração estatal. O auge do desenvolvimento das províncias, durante o Reino Antigo, acontece na VIª dinastia, quando aparecem os primeiros nomarcas, ou seja, funcionários do Estado responsáveis pelo controle individual de alguns nomos, que passam a dominar os registros monumentais e epigráficos nas províncias. Por isso, esses personagens obscurecem, muitas vezes, a existência de outras autoridades locais, fundamentais para a organização e equilíbrio do Estado mas sobre as quais quase nada sabemos por serem parcíssimos os registros que as mencionam.

Uma das mais completas listas de nomos de que temos notícia é a encontrada na Capela Branca do faraó Senusret I, da XIIª dinastia314. Nela, são apontados vinte e dois nomos no Alto Egito e que, apesar de serem de um período posterior ao Reino Antigo, são compatíveis com as referências encontradas para esta época315. Para o Baixo Egito não há nenhuma lista completa de nomos a não ser no período greco-romano, onde se menciona a existência de vinte na região do Delta. Não é possível afirmar, contudo, que essa realidade tenha sido a mesma do Reino Antigo.

Dentre os nomos do Alto Egito que analisaremos nesta tese, nem todos foram escavados e, por isso, não possuímos muitas informações sobre eles, especialmente para o contexto que nos interessa, que é o fim do Reino Antigo e Primeiro Período Intermediário. Os nomos mais bem documentados na época em !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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Os nomos são, frequentemente, associados às províncias egípcias. Mais adiante, contudo, iremos problematizar essa associação. O emblema de cada nomo era associado aos mais importantes deuses locais como podemos verificar, por exemplo, no símbolo do quinto nomo, que representa o deus tutelar de Coptos, o duplo-falcão .

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Cf. LACAU, Pierre; CHEVRIER, Henri. Une chapelle de Sesóstris Ier à Karnak. Cairo : IFAO, 1956. 315

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que estudamos são: Assuã e Elefantina (primeiro); Edfu (segundo); Coptos (quinto); Dendera (sexto); Abidos (oitavo); Asiut (décimo-terceiro); Deir el-Bersha (décimo- quinto) e Beni Hassan (décimo-sexto). Além disso, a administração regional no Egito não era uniforme em todo o território, o que significa que nem todas as localidades eram articuladas em torno de autoridades provinciais. Outras autoridades locais, como os chefes das cidades (HqA nwt), também eram bastante proeminentes e aparecem como autoridades máximas em determinadas regiões, situação mais acentuada entre o Primeiro Período Intermediário e Reino Médio, especialmente na porção mais meridional do território.

A tabela a seguir mostra os nomes dos nomos do Alto Egito, indicando as principais cidades de cada um, cuja localização geográfica é apontada no mapa que também se encontra a seguir:

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Tabela 2. Nomos do Alto Egito segundo o Decreto I de Coptos.

Número (segundo referência moderna) Nome em egípcio antigo Principais cidades Outros nomes pelos quais são conhecidos 1 Ta-sety Assuã/Elefantina 2 Wetjezet-Hor Edfu 3 Nekhen El- Kab/Hieracômpolis 4 Waset Luxor

5 Gebtiu Qift (Coptos)

6 Iqer Qena/Dendera Nomo Coptita

7 Bat Hu

8 Ta-wer Girga/Abidos Nomo Tinita

9 Khenty-minu Akhmin/Sohag

10 Wadjet

11 Incerto

12 Iafet Deir el-Gebrawi

13 Nedjfet khentyt Assiut

14 Nedjfet pehtyt El-Qusiya/Meir

15 Wenet Deir el-Bersha/

Hatnub

Nomo Hare

16 Mahedj Zawiyet el-Meitin/

Beni Hassan/Tehna Nomo da Gazela 17 Input 18 Anty Kom-el-Ahmar 19 Wabwy Oxirrinco

20 Naret khentyt Beni Suef/

Sedment

21 Naret pehtyt Meidum/Atfih

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