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1 DISCUSSÕES SOBRE ESTADO

1.3 CONCEPÇÕES IDEALISTAS E CONCEPÇÕES MATERIALISTAS: O ESTADO COMO INSTITUIÇÃO E ESTADO COMO RELAÇÃO SOCIAL.

1.3.2 CONCEPÇÃO MATERIALISTA !

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1.3.2 CONCEPÇÃO MATERIALISTA !

A concepção materialista é aquela que, em linhas gerais, compreende o Estado como relação social, ou seja,

(...) como um conjunto de relações sociais articuladas organicamente com a dominação política e a organização da exploração, estabelecidas a partir dos fundamentos da sociedade na qual ele se estabelece como fenômeno histórico127.

Se optarmos por definir o Estado como relação social, o primeiro problema que se coloca é o de saber: qualquer forma de relação social é, portanto, estatal? Acredita-se que não, por isso, um certo grau de institucionalização é necessário, o que nos leva a um segundo ponto: qual é esse limite? De que grau de institucionalização estamos falando e o que define essa distinção?128

O primeiro grande eixo interpretativo no qual iremos nos deter é o elaborado por Karl Marx acerca dos modos de produção. No que tange mais diretamente as sociedades orientais, Marx enxerga sua especificidade no surgimento do chamado “modo de produção asiático”129 que, segundo Ciro Flamarion Cardoso, é usado

Para designar um tipo de sociedade em que uma “comunidade superior”, mais ou menos confundida com o Estado e que se encarna num governante “divino”, explora mediante tributos e trabalhos forçados as comunidades aldeãs – caracterizadas pela ausência de propriedade privada e pela autossuficiência, permitida pela união do artesanato e da agricultura130

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127

CERINEU, op . cit., p. 34.

128

Uma tentativa de síntese das concepções materialistas sobre o Estado foi dada por Fábio Frizzo por ocasião da IV Jornada do NIEP Prék, ocorrida em setembro de 2014 na Universidade Federal Fluminense. O texto da apresentação (“Estado, Sociedade e Classe no Egito Faraônico”), que partem de reflexões relativas à sua pesquisa de doutorado, ainda não concluída, foi-nos gentilmente cedido pelo autor.

129

As reflexões de Marx sobre o modo de produção asiático não aparecem de forma sistematizada em suas obras, sendo encontradas de maneira esparsa nas Formen, que compõem um capítulo dos Grundrisse, de 1858. (Cf. MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1985. Prefácio de Eric Hobsbawm).

130

CARDOSO, Ciro Flamarion. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo : Ática, 2005. p. 82.

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As críticas ao modo de produção de asiático podem ser feitas, em primeiro lugar, pelo fato de este modelo atribuir uma centralidade muito grande ao Estado (Marx também se apropria da ideia de “despotismo oriental”) quando se percebe, conforme apontado anteriormente, que no caso egípcio sua atuação é definida mais em termos de fragmentação e de descentralização que propriamente por uma centralidade baseada no exercício de um poder absoluto.

Uma ideia presente na noção de modo de produção asiático de Marx e que se tornou bastante popular no século XX através de Wittfogel é a teoria da “hipótese causal hidráulica”, que atribuía à necessidade de organizar as atividades de irrigação o surgimento de Estados centralizados no mundo antigo, como é o caso do Egito131. Jean Vercoutter, egiptólogo francês, é um dos que se apropriou desse

modelo interpretativo:

Há quem se extasie muito a respeito da estabilidade do povo egípcio... Esta característica... foi favorecida pela necessidade de um governo politicamente forte para assegurar a irrigação... (cuja) manutenção não pode ser assegurada senão por um poder central forte que a saiba impor a todas as províncias. Assim, todo o sistema político egípcio repousa sobre uma necessidade física, geográfica, da qual não temos equivalente algum em nossas sociedades ocidentais.132

Sabe-se, contudo, que o controle das obras de irrigação era feito, nessas sociedades, no nível local. No Egito, somente no Reino Médio (dois milênios após a unificação) torna-se perceptível a existência de um controle centralizado dessa atividade133.

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131

Cf. WITTFOGEL, Karl A. Oriental Despotism. A comparative study of total power. Yale University Press, 1957; BUTZER, Karl W. Early Hidraulic Civilization in Egypt. A study in cultural ecology. Chicago: The University Chicago Press, 1976.

132

VERCOUTTER, Jean. L ‘Egypte ancienne. Paris : Presses Universitaires de France, 1968. p. 18.

133

Cf. CARDOSO, Ciro. A falência da « hipótese causal hidráulica ». In. : _____. O Egito Antigo. São Paulo : Brasiliense, 2004. pp. 14-25. Muito se fala a respeito dos modos de produção como expressão do paradigma evolucionista em voga durante o século XIX e, por isso mesmo, é hoje rechaçado por diversos estudiosos. Ellen Wood, contudo, ao comparar as ideias de Weber às de Marx, sustenta que “o conceito de modo de produção de Marx é mais sensível à especificidade e à variabiliade históricas” (WOOD, op. cit. p.152). Em sua análise, a cientista política observa que Marx

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Embora criticado e ausente dos debates por muito tempo, novas perspectivas envolvendo o modo de produção asiático levaram ao reavivamento das discussões sobre economia egípcia na década de 70 com Mario Liverani e Carlo Zaccagnini. Apoiados em fontes da história próximo-oriental, estes estudiosos compreenderam o modo de produção asiático como resultante da articulação de dois modos de produção, que chamaram de “aldeão” e de “palaciano”. No Brasil, o reavivamento dessas discussões impactou decisivamente o trabalho do historiador marxista Ciro Flamarion Cardoso em seus estudos sobre o Egito Antigo134.

Boa parte das concepções materialistas sobre o Estado traz em seu cerne a ideia de desigualdade social pautada no surgimento da propriedade privada. Um dos primeiros a teorizar sobre o Estado dessa maneira foi Engels, em A origem da

família, da propriedade privada e do Estado135. Segundo Engels, o surgimento do

Estado pode ser caracterizado como a passagem de um poder “funcional” para um poder “explorador”, cujo marco é uma clivagem social produzida pela estratificação econômica. Há, em Engels, uma relação causal entre o surgimento da propriedade privada e o aparecimento do Estado. A lógica do estudioso alemão conjectura que, no início, havia a propriedade comum dos meios de produção, incluindo a terra. Com o crescimento da população, teria ocorrido também uma maior divisão do trabalho e, portanto, um aumento na produção. O excedente dessa produção teria sido apropriado por certos grupos que passaram a não mais trabalhar na produção de alimentos, gerando a escravidão. Disso resulta uma clivagem social e, para fazer valer e garantir os interesses econômicos das classes dominantes é que teria surgido o Estado, na forma de um aparato político e institucional.

Este é, também, o posicionamento do historiador russo Igor Diakonoff, que afirma que “a divisão de classes é a razão de ser do Estado”. Para este estudioso, o processo de estratificação gerado pela liberação de parte da população do trabalho produtivo em virtude da produção de excedentes está na base da formação do Estado. A partir desse processo, que considera comum a todas as sociedades, Diakonoff tipifica três modelos de desenvolvimento das sociedades orientais, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! reconhecia modos de atividade econômica específicos em formações sociais distintas, sendo o capitalismo apenas um deles, enquanto Weber pressupunha a submissão à inevitabilidade do sistema capitalista, para ele o verdadeiro modo de atividade econômica.

134

Cf. CARDOSO, op. cit (2003).

135

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

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notadamente aquelas do Mediterrâneo e do Antigo Oriente Próximo: o mesopotâmico, o egípcio e o das sociedades não-hidráulicas, no qual inclui gregos, fenícios e cartaginenses136.

Outra visão próxima à de Engels é a de Oppenheimer, que também percebe o Estado enquanto instrumento de dominação137. Sua interpretação, que data do início

do século XX, parte do princípio de que todos os Estados são formados na base da conquista (sendo a guerra o fator causal do surgimento do Estado), compreendendo- o como mecanismo de exploração dos vencidos. Seu posicionamento parte dos debates entre as teorias de conflito e as teorias de integração e, muito embora o elemento da conquista possa ser um fator determinante, há que se levar em consideração que nem toda formação estatal advém dela e não pode ser considerada como o único mecanismo formador do Estado.

Dentre os autores que defendem uma perspectiva materialista a respeito do Estado encontramos, também, Gordon Childe. Esse autor defende que a origem do Estado se dá em virtude do conflito entre os interesses econômicos da classe dominante, responsável por arrecadar os excedentes, e a maioria da população, expropriada, limitada no nível da subsistência e excluída dos benefícios espirituais138.

Aparece nesse autor, portanto, a perspectiva da luta de classes e a afirmação de uma sociedade estatal como sendo uma sociedade de classes, que é uma das premissas básicas nas quais se sustenta a visão marxista de Estado, na qual

O Estado é uma comunidade ilusória. Isto não quer dizer que seja falso, mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa figura unificada e unificadora para conseguirem tolerar a existência das divisões sociais, escondendo que

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136!

DIAKONOFF, Igor M. Three ways of development of the Ancient Oriental Society. In.: ALLAM, S et alli. Stato, Economia, Lavoro nel Vicino Oriente Antico. Milão: Francoangeli, 1988. pp. 01-08). !

137

OPPENHEIMER, Franz. The state. Its history and developments viewed sociologically. Nova York: B. W. Huebsch, 1922. Fried também se assemelha dos posicionamentos de Engels e Oppenheimer quando afirma, por exemplo, que “o Estado é a organização desenvolvida para manter, se necessário pela força, o acesso desigual aos recursos básicos”. (Cf. FRIED, Morton. The evolution of political society. Nova York: Random House, 1967. p. 12). Assim como Engels, Fried atribui à propriedade privada o início da estratificação social (questiono, contudo: não havia conflito antes da propriedade privada?), concomitante ao crescimento populacional que geraria disputas pelos recursos, tendo em vista que alguns grupos ficam em situação mais favorável no que diz respeito ao acesso aos meios de subsistência.

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tais divisões permanecem através do Estado. O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes139

Estas informações são importantes para, portanto, compreendermos de forma mais adequada de que maneira as correntes marxianas interpretam o papel do Estado e a relação dos indivíduos com as estruturas. Contrariamente à percepção liberal fundada na ideia de contrato social e na distinção entre sociedade civil e estado de natureza, no qual os impulsos de individualidades soberanas impediriam qualquer forma de sociabilidade e conduziriam inevitavelmente as sociedades humanas ao extermínio, a matriz marxiana não concebe a existência de indivíduos fora de uma classe social, determinada pela posição ocupada face aos meios de produção e, ao rejeitar a ideia de “estado de natureza”, traz como pressuposto a ideia de que todo homem é, por “natureza”, social140. Enquanto o primeiro corpo de

teoria traz a noção de um Estado sujeito, a matriz marxiana, ao pressupor que o Estado é um instrumento usado com o intuito de assegurar os interesses econômicos das classes dominantes, fornece a ideia de Estado enquanto objeto. Ao associar o surgimento do Estado ao aparecimento da propriedade privada, o paradigma marxiano existente em fins do século XIX até meados do século XX estabelece uma relação direta e imediata entre propriedade e Estado o que, segundo Sônia Regina de Mendonça, é um viés extremamente mecanicista e que, assim como as teorias de tipo liberal, também perde de vista a complexidade das relações sociais141.

Um caminho interessante que nasce das revisões do marxismo ocorridas ao longo do século XX é aquele proposto pelo italiano Antonio Gramsci, que não vê o Estado nem como sujeito, nem como objeto, mas como relação social142. Gramsci

trabalha com a concepção de Estado Ampliado e o encara como “a condensação !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

139

CHAUÍ, op. cit., p. 27.

140

Para um excelente resumo das correntes teóricas sobre o Estado, cf. MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e sociedade. In.: MATTOS, Marcelo Badaró (org) . História: pensar e fazer. Niterói: LDH, 1998. pp. 13-32.

141

ibid. p. 20.

142

As ideias de Gramsci sobre o Estado estão distribuídas ao longo dos seis volumes dos seus Cadernos do Cárcere. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 1 a 7. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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das relações sociais presentes numa dada sociedade”143, abarcando dessa forma

toda a sua complexidade e incorporando todos os seus conflitos, abrindo espaço também para o consenso. Na Egiptologia, as ideias do italiano encontram eco em Stephen Quirke, quando desenvolve reflexões sobre o papel das elites no Egito Antigo144.

As ideias de Gramsci apoiam-se, em grande medida, nas distinções elaboradas por Marx entre Estado Material e Estado Político145, sendo este o

conjunto de aparatos institucionais jurídicos e administrativos e aquele o conjunto de relações políticas mais amplas, determinadas pela produção e organização dos indivíduos junto a ela146. Gramsci escapa do reducionismo economicista147 e,

ampliando a noção, compreende estas duas categorias através de uma lógica de complementariedade, levando em consideração sua natureza ambivalente. Na teoria gramsciana o Estado Político seria um espaço no qual os interesses das classes dominantes estariam em conflito pela hegemonia (conceito caríssimo ao estudioso italiano), tornando-se, portanto, uma arena de luta entre frações de classe148.

Se o Estado é o exercício do político, há que se questionar se a política se limita apenas às instituições ou se pode ser exercida em outras modalidades e por outros sujeitos da maneira como orienta, por exemplo, Fábio Morales quando pensa a política no caso ateniense. Para esse historiador, é importante “ (...) promover uma ampliação conceitual da política, para além dos limites institucionais do Estado, na

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143

MENDONÇA, op. cit,. p. 20.!

144

Cf. QUIRKE, Stephen. Provincialising elites: defining regions as social relations. In.: MORENO GARCIA, op. cit., 2009-2010. pp. 51-66.

145

Cf. MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

146

Marx trabalha com as categorias de sociedade civil e sociedade política, restringindo o Estado a essa última. O que Gramsci faz, em sua visão de Estado Ampliado, é englobar em sua lógica tanto elementos da sociedade política quanto da sociedade civil.

147

Para Gramsci, a estrutura não se reduz apenas às forças produtivas, mas abrange, igualmente, as relações sociais de produção – estrutura e superestrutura formam, em sua concepção, um “bloco histórico”, estabelecendo entre si um vínculo orgânico e dialético, diferentemente do unilateralismo causal existente no chamado marxismo “vulgar”, que transforma a superestrutura quase que em um epifenômeno. (cf. VASCONCELOS, Kathleen E. Leal; SILVA, Mauricelia, Cordeira da; SCHMALLER, Valdilene P. Viana. (Re)visitando Gramsci: considerações sobre o Estado e o poder. R. Katál. Florianópolis, v.16, n.1, p. 82-90, jan/jun 2013.)

148

Cf. FRIZZO, op. cit. Essa ideia parece ser importante de ser considerada sobretudo porque ajuda a explicar, no contexto egípcio, a aparente contradição entre um “poder central” e “poderes locais” ao longo de sua história. Nesse sentido, períodos de crise, como o Primeiro Período Intermediário, podem ser compreendidos através da perspectiva de “crise de hegemonia”.

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direção das relações de poder e das práticas de liberdade (...)”149, aproximando-se

da perspectiva materialista de Finley através da qual

A investigação sobre o Estado e o governo antigos precisam descer da estratosfera, dos conceitos rarefeitos, mediante um exame não só da ideologia, do orgulho “nacional” e patriotismo, de Der Staat, das glórias e misérias da guerra, mas também de relações materiais entre os cidadãos ou classes de cidadãos, tanto quanto as mais comumente observadas entre o Estado e os cidadãos150

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Esta é uma conclusão parecida àquela em que chega Frizzo, ao entender que grupos subalternos também possuíam autonomia e instituições próprias, por vezes com funções estatais, as quais acabaram sendo, mais tarde, expropriadas dessas pessoas para serem incorporadas ao quadro institucional. Como exemplo citem-se os conselhos de anciãos, como o dadat e o qnbt, que cuidavam de assuntos locais e que foram absorvidos como parte da administração palatina151.

O materialismo histórico e, em especial, o marxismo, nunca encontrou muito adeptos na Egiptologia. O emprego dessa perspectiva era mais popular somente entre os membros da chamada Escola Soviética, cujas ideias tiveram pouca circulação e influência no Ocidente e estavam bastante atreladas ao conceito de modos de produção152. Nesse contexto, merece destaque a atuação do russo V.V.

Struve, responsável pelo reavivamento dos debates acerca do modo de produção asiático na década de 30, momento em que este perdia força e era caracterizado negativamente. À época, os “anti-asiáticos” tendiam a encarar as sociedades orientais como feudais, posição duramente combatida por Struve por considerar que o Egito era dotado de uma ordem peculiar e de um sistema baseado na escravidão, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

149

MORALES, Fábio. Estado, poder e liberdade: a política como categoria de análise da democracia ateniense clássica. pp. 5-6. Revista Recôncavos. 2010, v.4. Nesse mesmo artigo, Morales traça um esboço das principais correntes interpretativas a respeito do que é a política, verificando a existência de quatro vieses: institucionalista (“politica é aquilo que o Estado faz”); weberiano (“é o conjunto das ações orientadas para o Estado”) ; foucaultiano (“conjunto de relações de poder que ultrapassam o Estado”) e filosófico (“prática da liberdade, tendo o Estado como um de seus eixos”).

150

FINLEY, M. I. Política no Mundo Antigo. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. P. 64.

151 FRIZZO, op. cit. 152

Cf. o trabalho do egiptólogo russo S.Stuchevski em STUCHEVSKI, S ; VASÍLIEV, L. Três modelos de aparecimento e da evolução das sociedades pré-capitalistas. In. : FIORAVANTE et al. Conceito de modo de produção. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978. pp. 109-130.

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não na servidão. O debate sobre se os trabalhadores egípcios eram escravos ou servos é complexo e perpassa o questionamento sobre se esses trabalhadores eram detentores ou não de meios de produção. Para Struve, a principal força de trabalho no Egito era composta de escravos, mesmo que fossem quantitativamente menos numerosos que outras espécies de trabalhadores, como os camponeses. O fato de trabalharem o ano todo, enquanto aqueles que trabalhavam sob o regime de corveia só realizarem serviços compulsório por apenas alguns meses, é seu principal argumento. Sem entrar no mérito da sua argumentação, é importante ressaltar a grande importância do trabalho de Struve, uma vez que se trata da primeira tentativa, conforme analisa Stephen Dunn, de testar o método marxista num corpus documental referente ao Antigo Oriente Próximo, uma vez que não há, nem mesmo nas obras de Marx e Engels, nenhum estudo sistemático desse tipo a respeito dessas sociedades153.

Diversos estudos se dedicaram a revisitar o conceito de modo de produção asiático com o intuito de provar a sua aplicabilidade às sociedades asiáticas e do Antigo Oriente Próximo. Andrea Zingarelli é uma das autoras que, influenciada por essa perspectiva, retoma o conceito levando em consideração o desenvolvimento histórico da sociedade egípcia no período faraônico154. Zingarelli opta, na esteira de

Ciro Flamarion Cardoso, por compreender o modo de produção asiático não a partir dos exatos termos em que foi concebido, muito embora considere-o um modelo válido para explicar o funcionamento das sociedades antigas155. A autora prefere ir

em outra direção e avaliar sua contribuição na compreensão das relações dominantes de produção, caracterizando o Estado como um mecanismo de exploração e perpetuação dessas relações.

A perspectiva materialista é também aquela de Juan Carlos Moreno García. Muito embora não se associe diretamente a nenhum modelo teórico especifíco, esse estudioso tem cada vez mais tem apostado numa renovação dos estudos egiptológicos ao apontar a necessidade de teorizar o campo sem perder de vista a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

153

DUNN, Stephen. The fall and rise of the Asiatic Mode of Production. Nova York: Routledge, 2001. Uma vez que o trabalho de V.V. Struve encontra-se praticamente todo em russo, a obra de Stephen Dunn foi de fundamental importância para que se pudesse ter acesso ao pensamento desse egiptólogo e sumariar suas análises.

154

ZINGARELLI, Andreia. Asiatic mode of production: considerations on Ancient Egypt. Texto cedido pela autora.

155

Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion. Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

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sua relação com a realidade empírica156. Seu viés materialista fica claro na passagem em que critica as pesquisas a respeito do surgimento do Estado porque, nelas,

Os “primeiros motores” que levaram à aparição o Estado (guerra, crescimento demográfico, questões ambientes, criação de circuitos de trocas de bens de luxo, organização da irrigação ou de atividades produtivas complexas) fazem frequentemente a figura de deus ex machina, privilegiada em detrimento tanto do estudo das condições precisas de organização e distribuição do poder nas primeiras organizações políticas conhecidas quanto da reprodução da autoridade157

No Brasil, a Egiptologia teve a sorte de contar com as contribuições do historiador Ciro Flamarion Cardoso que, muito embora tenha se dedicado