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Organograma 1 – Estrutura da Lei de Lavagem de Dinheiro

4. ANÁLISE DE MEDIDAS DE TRATAMENTO ADMINISTRATIVO E

4.2 MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO PROCESSUAL À LAVAGEM DE

4.2.7 Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal

Por fim, a técnica especial de investigação consistente no afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, tem como objetivo colher informações e provas sobre a prática do delito investigado. Certamente, essa é uma das medidas investigativas mais importantes no enfrentamento dos crimes de lavagem de dinheiro, dada a frequência com que o sistema financeiro é utilizado para mascarar a origem ilícita dos valores provenientes de condutas delituosas que comumente estão associadas à corrupção e ao crime organizado.

Embora os sigilos bancário e fiscal não sejam assegurados expressamente no plano constitucional, não há dúvida de que os sigilos dessas informações tutelam os direitos à intimidade e à vida privada, previstos no art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal. 391 Esses direitos, no entanto, assim como qualquer outro direito individual, não possuem proteção absoluta, de modo que não podem ser utilizados como forma de amparo à prática de crimes.392

389 Nesse sentido, aliás, o art. 40 do Código de Processo Penal dispõe expressamente que os próprios juízes ou

tribunais, quando verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

390 MOURA, Maria Thereza de Assis. Interceptação telefônica e telemática na jurisprudência brasileira. In:

Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas Romero. 1ª. ed. São Paulo: Marcial Pons; CEDPAL, 2017, p. 186.

391

Não obstante a ausência de previsão constitucional expressa de que a quebra desses sigilos se dará apenas mediante autorização judicial, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica nesse sentido, tendo decidido, no julgamento do RHC nº 39.896/PE, que o sigilo bancário e fiscal estão incluídos no direito à

privacidade, tutelado constitucionalmente (art. 5º, X e XII, da CF), de modo que a violação exige suficiente fundamentação por parte do Judiciário a respeito da existência de motivos que justifiquem a sua ocorrência.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 39.896/PE, 6ª Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 22.10.2013.

392 BARDARÓ, Gustavo Henrique. Hipóteses que autorizam o emprego de meios excepcionais de obtenção de prova. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas Romero. 1ª. ed.

Segundo Everton Luiz Zanella, por meio dessas medidas, é possível obter as seguintes informações:

a) de movimentação financeira, que inclui dados de cartão de crédito, empréstimos e outro informes relacionados às finanças particulares do investigado;

b) de movimentação bancária, ou seja, aos extratos de contas, empréstimos consignados e aplicações em bancos;

c) de sigilo fiscal, isto é, aos informes prestados junto às Fazendas (Federal, Estadual e Municipal).393

No plano infraconstitucional, enquanto a Lei de Lavagem de Dinheiro não traz qualquer regulamentação acerca da matéria, a Lei das Organizações Criminosas apenas prevê em seu art. 3º, inciso VI, este meio de obtenção de prova em investigação ou processo criminal que envolva membros das organizações. Desta forma, a quebra dos sigilos bancários e fiscal é regida pela Lei Complementar n.º 105/2001, a qual prevê, em seu art. 1º, §4º, a adoção dessas medidas quando necessárias à apuração de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos crimes de: (I) terrorismo; (II) tráfico de drogas; (III) contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; (IV) extorsão mediante sequestro; (V) contra o sistema financeiro nacional; (VI) contra a Administração Pública; (VII) contra a ordem tributária e a previdência social; (VIII) lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; e (IX) praticado por organização criminosa.394

A mencionada legislação estabelece, ainda, o dever de as instituições financeiras preservar o sigilo bancário, o qual poderá ser afastado apenas mediante ordem judicial, nos casos em que demonstrado indícios de existência de crime e de sua autoria, por parte da pessoa que terá seu sigilo quebrado.395 E aqui nos parece residir o ponto mais sensível do afastamento do sigilo: o grau de suporte probatório.

Gustavo Henrique Bardaró destaca que, embora não seja exigida uma certeza quanto à prática do delito – que muitas vezes restará comprovada apenas depois da análise dos dados levantados –, é necessário que haja fatos que permitam a formulação de um juízo de probabilidade tanto da existência da infração penal, quanto da autoria ou participação de

393 ZANELLA, Everton Luiz. Infiltração de Agentes e o Combate ao Crime Organizado: análise do

mecanismo probatório sob o enfoque da eficiência e do Garantismo. Curitiba: Juruá Editora, 2016, p. 143.

394

Esse rol de crimes previstos no art. 1º, §4º, da Lei Complementar nº 105/2001, conforme leciona Juliana Garcia Belloque, não é taxativo, mas apenas exemplificativo, na medida em que traz a ressalva “especialmente”. BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: RT, 2003, p. 94.

395

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 112.

quem se pretende a quebra do sigilo. O autor indica que a jurisprudência396 tem seguido o entendimento de que o afastamento é possível apenas se houver uma base empírica idônea vinculada a fatos concretos que e específicos referentes à pessoa investigada, identificando tal exigência como uma “causa provável” ou com a “justa causa”. Por outro lado, adverte que existem divergências quanto a esse grau de suporte probatório, havendo, inclusive, uma corrente mais exigente397, que se vale de expressões como “fortes ou veementes indícios do crime, em tese, ou de sua autoria”, ou ainda, “material probatório robusto a evidenciar o cometimento de infrações penais”.398

Deferida a medida, todas as informações sobre as movimentações seguem um padrão definido pela Corregedoria do CNJ [IN 03/2010]:

Por força disto, os dados sigilosos da pessoa investigada pela Justiça devem ser transmitidos pelos bancos em cinco arquivos. O primeiro deles deve conter informações sobre as agências em que a pessoa tem conta e aquelas em que houve transações financeiras. No segundo arquivo se identificam as contas sob investigação. Os nomes dos titulares das contas seguem apontados no terceiro arquivo. O quarto arquivo traz os extratos das contas. Por fim, o quinto arquivo relaciona a origem e o destino dos recursos.399

Apesar disso, Felipe Dantas de Araújo aponta a inexistência de um leiaute padrão para solicitação e obtenção de informações decorrentes de quebras de sigilo bancário, o que dificulta a análise dos dados colhidos. Como os esforços de ocultação patrimonial envolvem múltiplas operações, estruturadas em diversas contas, e em diversos níveis de distanciamento da colocação original do dinheiro no sistema financeiro, em cada investigação, as quebras de sigilo bancário abrangem um número considerável de operações. Desse modo, dada quantidade de informações recebidas, além dos esforços dos lavadores em elaborar operações cada vez mais estruturadas, a análise desses dados é feita por meio de softwares

396 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23.868/DF, Pleno, Rel. Ministro Celso de Mello, julgado em

22.11.2000.

397 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg na CR 2069/BE, Corte Especial, Rel. Ministro Barros

Monteiro, julgado em 16.05.2007.

398

BARDARÓ, Gustavo Henrique. Hipóteses que autorizam o emprego de meios excepcionais de obtenção

de prova. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas Romero. 1ª. ed.

São Paulo: Marcial Pons; CEDPAL, 2017, p. 40.

399

BARROS, Marco Antonio. Lavagem de Capitais: Crimes, Investigação, Procedimento Penal e Medidas Preventivas. 5ª ed. Curitiba: Juruá Editora, 2017, p. 127.

especializados, razão pela qual uma padronização na forma de entrega e documentação dessas movimentações seria uma importante forma de racionalizar os trabalhos.400

No que diz respeito à quebra do sigilo fiscal, uma das informações que podem ser obtidas, de extrema relevância para a persecução penal, é a declaração do imposto de renda. Por meio desse documento, é possível confrontar os valores, rendimentos e bens declarados com a real movimentação financeira ou bancária realizada pelo investigado, ainda que por meio de pessoa jurídica. Desta forma, é possível identificar possíveis inconsistências indicadoras de condutas ilícitas.401

Tal medida está disposta no próprio Código Tributário Nacional, que impede, em seu art. 198, a divulgação, por parte da Fazendo Pública e de seus servidores, de informação sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, exceto mediante requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça (§1º, inciso I). Apesar de o termo “interesse da justiça” ser absolutamente genérico e amplo, também se exige decisão judicial para tanto.

400

ARAÚJO, Felipe Dantas de. Uma análise da Estratégia Nacional Contra a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) por suas diretrizes. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 2, nº 1, jan/jun, 2012, p. 68. p. 53-82.

401

ZANELLA, Everton Luiz. Infiltração de Agentes e o Combate ao Crime Organizado: análise do mecanismo probatório sob o enfoque da eficiência e do Garantismo. Curitiba: Juruá Editora, 2016, p. 145.