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Organograma 1 – Estrutura da Lei de Lavagem de Dinheiro

4. ANÁLISE DE MEDIDAS DE TRATAMENTO ADMINISTRATIVO E

4.2 MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO PROCESSUAL À LAVAGEM DE

4.2.2 Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou

A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, pode ser definida como a atividade de captação e registro de comunicação entre pessoas presentes de caráter reservado, por um terceiro, com o emprego de meios técnicos, utilizados em operação oculta e simultânea à comunicação, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de um ou de alguns deles.346 Ou seja: trata-se de uma forma de registrar os sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, trocados entre duas ou mais pessoas presentes, a partir, por exemplo, do uso de gravadores ou da colocação de microfones amplificadores em locais estratégicos de um determinado ambiente.347

A partir desse conceito, Diogo Malan destaca que essas técnicas, cada qual com suas peculiaridades, possuem as seguintes características:

a) procedimento técnico-operacional: consiste em série ordenada de atos que

visam à captação e ao registro do conteúdo de comunicação presencial;

b) objeto: ato comunicativo (conversação por meio de emissão de sinais sonoros

da voz humana, que se propalam no ambiente) voluntário, de caráter intersubjetivo (envolve pelo menos duas pessoas) e reservado (isto é, feito com a intenção de subtrai-lo do conhecimento de terceiros) entre pessoas presentes em um mesmo recinto;

c) sujeito ativo: terceira pessoa (em regra agente de polícia judiciária), distinta

dos interlocutores;

d) meio: de natureza técnica, consistindo em dispositivo tecnológico que permite

a transmissão do sinal acústico para o interceptador, assim como sua gravação e posterior reprodução;

e) cariz dissimulado: como seu êxito depende do fator surpresa, a realização da

captação é ocultada dos interlocutores presenciais;

f) simultaneidade: como essa forma de comunicação se caracteriza pela instantaneidade, sua captação e registro deve ocorrer de forma simultânea;

g) desconhecimento dos interlocutores: a realização é feita sem o conhecimento de pelo menos um dos interlocutores presenciais.348

Esses meios de captação ambiental de sinais surgiram no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei n.º 10.217/2001, que alterou a revogada Lei n.º 9.034/1995,

346 ARANTES FILHO, Marcio Geraldo Britto. A interceptação de comunicação entre pessoas presentes.

Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 157.

347

ZANELLA, Everton Luiz. Infiltração de Agentes e o Combate ao Crime Organizado: análise do mecanismo probatório sob o enfoque da eficiência e do Garantismo. Curitiba: Juruá Editora, 2016, p. 163.

348 MALAN, Diogo. Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e os limites relativos à privacidade. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas

acrescentando o inciso IV ao art. 2º, no qual se permitia a adoção dessas medidas como procedimentos de investigação e formação de provas, mediante autorização judicial349. Com a promulgação da nova Lei de Organizações Criminosas (art. 3º, inciso II350), a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos passou a ser considera um meio de obtenção de prova.

Um dos aspectos mais curiosos da Lei n.º 12.850/2013, é o fato de que inexiste qualquer regulamentação dos procedimentos relacionados à captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, enquanto os demais métodos de obtenção de prova (colaboração premiada; ação controlada; infiltração de agentes; acesso a registros; dados cadastrais; documentos e informações) possuem seções próprias na lei regulamentos seus procedimentos.351

Em face disso, Eduardo Araújo da Silva sugere a observância, por analogia, do procedimento previsto na Lei n.º 9.296/1996, que disciplina a interceptação das conversas telefônicas, meio este que também é violador da intimidade privada e vida privada dos investigados.352

Contudo, Gustavo Henrique Bardaró diverge, de maneira acertada, destacando basicamente dois aspectos que impedem a aplicação das regras previstas na Lei n.º 9.296/1996. O doutrinador explica que é necessário, em primeiro lugar, fazer uma distinção mais precisa entre o que são as captações ambientais e as captações domiciliares, para que então possamos concluir que a aplicação analógica do regime da interceptação telefônica é inadequada. Nas captações ambientais realizadas em ambiente público, não existe a mínima expectativa de privacidade; portanto, o rigor das medidas de interceptação telefônica se mostra excessivo. Por outro lado, as captações domiciliares, cujas conversas são colhidas dentro das residências, a invasão da privacidade é absolutamente maior do que uma simples interceptação telefônica, pois são captadas todas as conversas ocorridas dentro do lar, sobre

349 Art. 2º. Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os

seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: [...] IV – A captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos, ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial.

350 Art. 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os

seguintes meios de obtenção de prova: [...] II – Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos.

351

MALAN, Diogo. Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e os limites

relativos à privacidade. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas

Romero. 1ª. ed. São Paulo: Marcial Pons; CEDPAL, 2017, p. 56.

352

SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações Criminosas – aspectos processuais da Lei nº 12.850/2013. São Paulo: Atlas, 2014, p. 10.

os assuntos mais íntimos, muitos deles que jamais seriam falados com interlocutores em conversas telefônicas. Desta forma, a aplicação do regime legal das interceptações telefônicas é medida desproporcional. 353

No mesmo sentido, Diogo Malan apresenta duras críticas com relação à aplicação analógica do procedimento previsto na Lei n.º 9.296/1996:

A uma, pois a interceptação de comunicações telefônicas é cabível para quaisquer infrações penais punidas com reclusão (artigo 2.º, III, da Lei 9.296/1996), fato que enseja desproporcionalidade na aplicação de medida tão invasiva.

A duas, porque o artigo 3.º da Lei 9.296/1996 contém previsão da decretação de

ofício da medida em apreço, iniciativa que é incompatível com a configuração

acusatória outorgada ao processo penal pelo artigo 129, I, da Carta Magna.

A três, porquanto o diploma legal em exame prevê requerimento verbal de interceptações de comunicações telefônicas (artigo 4.º, §1º, da Lei 9.296/1996). A quatro, na medida em que a redação do dispositivo que prevê o prazo máximo de duração da medida (artigo 5.º da Lei 9.296/1996) é ambígua, não esclarecendo exatamente quantas prorrogações são possíveis. Tal fato vem dando margem a

decisionismos judiciais casuísticos, que causam grande insegurança jurídica.

A cinco, a gravação e subsequente transcrição das conversas interceptadas são providências facultativas, condicionadas ao “caso de a diligência possibilitar” (artigo 6.º, §1º, da Lei 9.296/1996). Ocorre que os atos de gravação e transcrição do conteúdo das conversas interceptadas são imprescindíveis para assegurar a própria

validade da prova, pelo exercício dialético do contraditório sobre o respectivo laudo

pericial de transcrição.

A seis, não existe na Lei 9.296/1996 qualquer regulamentação acerca da preservação e encaminhamento ao Juiz e ás partes de suporte físico contendo a íntegra das comunicações telefônicas, em sua versão original. Tal encaminhamento é imprescindível para assegurar às partes acesso à mídia original contendo o inteiro teor do conteúdo das comunicações telefônicas interceptadas, e o subsequente

controle efetivo da autenticidade e integridade desse material.A sete, o artigo 8.º da

Lei 9.296/1996 determina o processamento da medida em autos apartados e com

sigilo quanto às diligências, gravações e transcrições respectivas, os quais só serão

apensados aos autos principais ao final do inquérito policial ou processo criminal (conforme o caso). Tal previsão enseja excessiva restrição às garantias do contraditório e ampla defesa, pois as partes devem ter acesso imediato ao material resultante da diligência, tão logo esta esteja concluída.A oito, o incidente de inutilização da gravação que não interessar à prova do art. 9.º da Lei 9.296/1996 prevê caráter facultativo da presença do acusado ou de seu representante legal, além de omitir-se quanto a terceiros que podem ter tido suas comunicações privadas interceptadas de forma incidental. Ocorre que as sobreditas garantias do contraditório e da ampla defesa exigem a presença do acusado ou seu defensor técnico no ato em apreço, em igualdade de condições com o Ministério Público.354

353 BARDARÓ, Gustavo Henrique. Hipóteses que autorizam o emprego de meios excepcionais de obtenção de prova. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas Romero. 1ª. ed.

São Paulo: Marcial Pons; CEDPAL, 2017, p. 24-25.

354 MALAN, Diogo. Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e os limites relativos à privacidade. In: Crime Organizado: análise da lei 12.850/2013. Coordenação: Kai Ambos, Eneas

Como se pôde observar, o tema é delicado, pois, não havendo um regime legal para a medida de captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, tal meio de obtenção de prova carece de qualquer requisito específico e o respectivo standard probatório, de modo que sua licitude é discutível.