• Nenhum resultado encontrado

PARTE III – O ESTUDO DE CASO: REFLETINDO SOBRE GUINÉ E A CIÊNCIA

Capítulo 6 O Africano – Guineense

“Eu procuro uma razão por que lhe deva obedecer e não encontro nem a mais pequena. Se o que quer são relações amistosas, muito bem. Estou pronto para isso agora e sempre, mas nunca para ser seu súdito” (MENDY, 1994, p.37).

***

O africano no imaginário brasileiro tem como adjetivos e predicativos um limitado acervo que o qualifique e o valorize na frente de um grande acervo de terminologias carregadas de estigmas e incompreensões que levam a uma deterioração da sua identidade social. Em parte, acredito, em decorrência dos fatos históricos e teorias mais enfatizadas pela ciência que levam a formatação colonizada na base dos conhecimentos institucionais. A partir do momento que começo a reconhecer em mim a ascendência africana, a minha existência no Brasil como resultado de um processo histórico ocorrido há 500 anos e minha identidade afrodescendente ligada à identidade das populações negras na diáspora surge a necessidade de aproximação, estudo, conhecimento e compreensão do ser africano, suas ideias, pensamentos e ações. Especificamente neste trabalho, a necessidade de compreender sua inserção nas ciências, sua formação educacional, acadêmica e científica e como seu pensamento pode nos ajudar a compreender o fenômeno do racismo antinegro e antiafricano na Ciência Ocidental.

175 No primeiro capítulo deste trabalho desenvolvi uma narrativa de mim mesma pautando a formação identitária a partir de alguns territórios das quais estou inserida. Aqui, desenvolvo uma apreciação dos conteúdos em busca de mensagens em que os pesquisadores guineenses informam, notificam, mostram aspectos da formação identitária sobre si mesmo, sobre seus compatriotas e sobre a ideia de nação guineense.

Dentro do tema: O africano guineense emergiram as categorias sobre a formação profissional, científica e acadêmica e sobre os territórios físicos, culturais, linguísticos, religiosos que eles pautam como aspectos identitários dos guineenses. Segundo os pesquisadores a tarefa de constituir-se como nação passa pela discussão da identidade, esta observada e discutida nas teses e entrevistas como uma assertiva das complexas construções que vem se alicerçando desde a colonização sobre o país: ideias a respeito de cultura, nação, identidade, pós-colonialismo, constituem o cerne do debate.

No Brasil, guineenses relatam que no início de suas experiências como estudantes em Fortaleza, as diferentes nacionalidades africanas constituíram-se como “comunidade africana”, ignorando as diferenças religiosas, étnicas, de parentesco e de nacionalidades, ressignificando assim seus referenciais identitários, unindo-se em um território comum, a África.

Foi uma correria quando cheguei na faculdade (no Brasil), aquela coisa... Fui me matricular, a vaga já estava lá me esperando e quando fui começar as aulas, todos já sabiam que estava para chegar um africano, um africano, não era nem um guineense, ou de Bissau, que nasceu no bairro de Abdalai... Era um africano, todos estavam esperando para conhecer o africano, ai fui recebido por muitos como exótico,.. Eram tantas as curiosidades das pessoas na sala de aula. (...) Pesquisador Nº 2

Com o crescimento dos acordos bilaterais do Brasil com os países africanos de língua portuguesa, e do número de estudante guineenses, cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos, amplia-se a necessidade de conhecer as diferentes nacionalidades africanas das quais como brasileiros desconhecemos e como população negra precisamos conhecer.

Dessa necessidade de me descobrir, saiu o capítulo um. Da necessidade de conhecer o africano guineense, nasceu este capítulo, em que foram analisadas as mensagens em quatro categorias: Parada 2, Territórios identitários; Parada 3, Formação; Parada 4, O cientista e a ciência; Parada 5, Conhecendo o racismo.

176 Tabela 7 Roteiro de Viagem – Capítulo 6

GUI NÉ BI SSAU O AFRI CANO - GUI NEENSE

Parada 1 Parada 2 Parada 3 Parada 4 Parada 5

HI STÓRI A - PODER TERRI TÓRI OS

I DENTI TÁRI OS FORMAÇÃO

O CI ENTI STA E A CI ÊNCI A

CONHECENDO O RACI SMO Antes de seguir o roteiro estabelecido para continuar a viagem, gostaria de comentar alguns trechos das entrevistas em que o pesquisador guineense identifica-se e afirma-se africano.

Eu me vejo como um guineense, um jovem guineense, um africano, claro. A áfrica existe e consequentemente existe o africano. Não é questão de generalizar ou não generalizar. Os guineenses são africanos, são africanos de Guiné Bissau. Aonde eu vou eu levo minha identidade e reafirmo isso a cada dia, Pesquisador Nº 2

A busca pelo entendimento da África e da identidade africana emerge em consequência da relação com "outro" não africano que não o reconhece. Na relação do guineense com o brasileiro exige dele uma reafirmação de uma unidade africana, antes da sua nacionalidade. A pesquisadora Nº 3 já revela o estranhamento diante da identidade africana apontada pelo brasileiro nos aspectos religiosos. Não vi nos conteúdos descrições dos ritos religiosos que possam me ajudar a avaliar o nível de distanciamento. Mas arrisco a dizer

Não me reconheci africana perante a revelação de identidade africana daqui. São coisas que eu nunca tinha visto em minha vida. Tipo candomblé, umbanda. Nem nome. Nunca ouvi falar. Guine Bissau não tem umbanda, Guine Bissau não tem candomblé, Guine Bissau não tem orixá. Tudo que eu vejo aqui nós não temos. Nós temos coisas diferentes. Nós temos islã, nós temos XXX. Eu sou da áfrica ocidental, zona dois. A gente da zona dois fica olhando assim uma coisa muito estranha. Dizem que é da áfrica, mas a gente não conhecia. A gente não se identifica. Eu lá nunca ouvi falar de candomblé. Pesquisadora

Nº 3

Abaixo, a pesquisadora Nº 4 traça o perfil da mulher guineense e do homem guineense realçando desde valores até os papeis que cada um assume na sociedade. Sua fala também denuncia o estigma e a incompreensão do ocidente acerca da mulher africana que a coloca como submissa. Mas também reconhece e denuncia o favorecimento que o homem tem.

Uma mulher guineense é uma mulher persistente, é uma mulher que luta pelo seus ideias, é uma mulher que assume a dinâmica da sua casa e sustenta a educação, a comida, e muita mulheres mandam os filhos para estudar e vendem peixe, vendem legumes para final do mês mandar dinheiro para o filho no exterior. Então eu vejo a mulher guineense

177

como sinônimo de força, esse empoderamento, apesar de dizerem que a mulher africanas são submissas, mas eu acho que as pessoas confundem muito a questão da obediência cultural e a questão de você lutar para você se auto afirmar para você persistir diante de um contexto de que eu sou a mulher o meu lugar é de mãe e é da minha responsabilidade também com essa pessoa, é uma mulher da família. (...) Isso é visível quando você for para Guiné você vai visualizar isso no mercado (...) É uma mulher que não sentou em casa para esperar, então ela sai na rua. É a mulher hoje que está no socioativismo para politizar. Então eu acho que essa nova realidade precisa ser vista, estudada, no contraponto daquela outra realidade de que os homens é que mandam nas mulheres, eu acho um pouco contrário. Apesar de existir uma cultura ainda que diz que homens que tem mulheres empoderadas são homens frouxos e fracos. (risos).

Pesquisadora Nº 4

O homem de Guiné Bissau... Uma palavra que pode traduzir um homem guineenses é essa... É esse compromisso com a própria comunidade dele, o próprio país, poucos homens guineenses estão fora. A maioria retorna. Acho que os homens estão muito mais atrelados a cultura do que a mulher. Mesmo porque a cultura favorece ele também. A cultura favorece eles porque um homem pode ter varias mulheres enquanto puder conquistar. E é o homem que dentro dessa cultura libertou junto com as mulheres essa nação em termos de uma luta de libertação nacional, então eu vejo esses homens como combatentes, combativos, esses homens que fizeram disseram basta ao sistema opressor e se juntaram para uma lute de libertação. Pesquisadora Nº 4

6.1 Segunda parada: Territórios Identitários