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A colonização em Guiné Bissau Decapitação das estruturas tradicionais Djaló e Monteiro destacam que as expedições colonialistas enfrentaram grandes

PARTE III – O ESTUDO DE CASO: REFLETINDO SOBRE GUINÉ E A CIÊNCIA

HI STÓRI A PODER 5.1.1 O que existia antes da Colonização

5.1.2 A colonização em Guiné Bissau Decapitação das estruturas tradicionais Djaló e Monteiro destacam que as expedições colonialistas enfrentaram grandes

desafios e dificuldades na penetração do território guineense e um exemplo dessa resistência foi uma série de conflito que os europeus tiveram que enfrentar com o grupo dos Bijagós, Balantas e Pepeis, este ultimo que segundo o pesquisador Djaló nunca aceitou a presença colonial, diferente do grupo Fula vistos como aliados dos colonizadores no estabelecimento comercial de trocas de mercadorias e depois no gerenciamento específico do comércio escravista.

Então todos esses fatos que nós sempre resistimos, embora estávamos ciente da nossa inferioridade bélica frente ao colonizador europeu.Mesmo assim resistimos com nossas lanças e outros materiais de guerras que estavam a nossa disposição, que é o que nós tínhamos. Pesquisador Nº 2

Os portugueses levaram 60 anos para se estabeleceram em Guiné e os movimentos de resistências evidenciados por Monteiro desmistificam a concepção de passividade durante os séculos da colonização e contribuirá para corrigir as distorções eurocêntricas, as quais foram associadas ao passado do colonialismo na história da Guiné-Bissau que na visão eurocêntrica é desdenhada pela historiografia colonial.

Durante esse período de aproximadamente cinco séculos (1446 a 1974), os habitantes da Guiné-Bissau travaram sangrentas lutas de resistências contra os colonialistas portugueses, que oscilavam entre as questões inerentes à submissão ao pagamento de impostos, ao cultivo forçado de produtos de exportação, trabalho forçado, serviço militar, obediência às autoridades portuguesas, etc. (MONTEIRO, 2013, p.101)

Segundo a pesquisadora supracitada, chefes locais se aliaram ao colonialismo e recusaram a participação nos processos de resistências por acreditarem em benefícios e no apoio para a consolidação no poder nos seus Estados e outros privilégios que poderiam usufruir dos portugueses, sem se atentarem para o fato de se tornarem reféns. “os chefes

156 africanos dificilmente se aperceberam de que os ‘tratados de amizade’ que assinaram poderiam arruinar a sua independência e soberania” (MENDY 1994, p.43 apud MONTEIRO).

É importante evidenciar os chefes locais das comunidades africanas que não aderiram aos tratados de “amizade” com os colonialistas que gerou sérios conflitos tanto portugueses como seus aliados, os assimilados, categoria que veremos no capítulo 6. Houve disputa acirrada não somente de portugueses com a população guineense, mas também disputas entre os povos guineenses- estimular as rivalidades entre os grupos étnicos

Estes conflitos são classificados por Monteiro como processos de resistências: as resistências étnicas são denominadas de “resistências primárias”, comandadas por alguns segmentos guineenses rurais contra a ocupação portuguesa; as chamadas “resistências secundárias” são as organizações urbanas lideradas pela elite intelectual local contra a administração portuguesa. As ocupações portuguesas têm fases de intensificação e fases de trégua.

Destaque-se que, na Guiné-Bissau, as resistências tiveram características regionais e étnicas, devido à configuração social do país, sendo que cada grupo étnico pertence a uma terra. É neste sentido que os processos de resistências étnicas foram desencadeados de forma regional por cada grupo étnico. Todavia, a divisão não se limitava ao espaço geográfico, mas também às tradições culturais destas etnias, ou seja, às formas de organização social e cultural de cada sociedade. É nesse cenário de divisão do espaço geográfico e étnico que as primeiras expedições portuguesas foram desencadeadas, a partir de 1886, e findas em 1897, contra os balantas, os beafadas e os oincas caracteristicamente identificados como habitantes do litoral do país. (MONTEIRO, 2013, p. 103)

A presença da igreja católica e dos missionários é outro fato histórico que reflete no complexo processo da formação social guineense – durante e depois da colonização – citado por Semedo, Furtado e Monteiro. Os missionários agiam ora como agentes militares a serviço do Estado português, ora como agentes de Deus, a serviço da Igreja.

Registrou-se a presença de várias Ordens Religiosas como os frades da Ordem dos Carmelitas, (seis meses), os Jesuítas permaneceram no território guineense por doze anos, de 1604 a 1616, e espanhóis Franciscanos Capuchinhos que permaneceram no território por quarenta anos. Os Franciscanos portugueses desenvolveram sua ação aproximadamente 170 anos na Guiné, de 1660 a 1834. Após uma

157 ausência de cem anos, retornaram ao país em 1932 e lá permanecem até a data presente. (SEMEDO, 2010)

Semedo mostra que a Igreja auxiliou na dominação, exercendo ações de persuasão contra a prática das religiões de matriz africana, e ações colonizadoras, mas também, segunda ela, foi responsável pela educação da população mais carente e descriminada. E que portanto, merece registro tanto no setor da política colonial e no educativo, quanto no aspecto cultural. Sua pesquisa mostra inclusive o sincretismo que pode ser verificado nas cantigas tradicionais cantada e dançada nas mandjuandadi em que o sino e na oração Pai Nosso são recriadas.

Monteiro e Furtado destacam o trabalho das missões católicas no campo educacional algumas vezes como caráter de superioridades de suas escolas frente às públicas do estado. Percebo em Cá uma maior atenção a problemática de conversão ao catolicismo pelos guineenses no que diz respeito a liberdade controlada, a obediência, a aniquilação cultural, a destituição do poder dos lideres religiosos, e a imposição cultural e religiosa com programas de política de “civilização”.

No ensino colonial, a Igreja Católica desempenhou papel fundamental na docilização dos guineenses. A Igreja e o Estado estiveram sempre, desde o início, unidos por detrás do único objetivo: evangelizar os gentios das terras dos descobrimentos. Para o Estado portugués, civilização significava ser culturalmente português e religiosamente católico apostólico romano. (CÁ, 2005, p. 12)

Cabe aqui a frase as vezes creditada a Desmond Tutu outras vezes a Jomo Kenyatta para ilustrar a situação da igreja católica como aliada dos colonizadores: “Quando os missionários chegaram à África, eles tinham a Bíblia e nós, a terra. Disseram-nos: "Vamos rezar". Fechamos nossos olhos. Quando os abrimos, nós é que estávamos com a Bíblia e eles com a terra”.

Outro grande problema comum entre guineenses e demais povos africanos diz respeito às produções científicas sobre comércio dos escravos através do atlântico, pois é recorrente a ideia de que a escravização já era um problema africano antes da colonização. Monteiro aponta que é preciso compreender a diferença entre os tipos de escravização que aconteceram em Guiné Bissau, pois isso facilitará a compreensão das alianças estabelecidas entre a elite africana, os árabes e os mercadores europeus. A fase que antecedeu a chegada europeia foi a de ocupação árabe e a experiência da escravidão era doméstica por se basear em aprisionar

158 alguém a fim de explorar a sua força de trabalho na agricultura familiar: “Tornavam-se cativos àqueles capturados em guerras, feitiçaria, roubo, e, por vezes, os que cometiam o adultério, ou aqueles incapazes de quitar suas dívidas e sem recurso de sobrevivência.” (MONTEIRO, 2013, p.83)

Com a presença europeia introduz-se uma ruptura no sistema tradicional guineense e criam-se padrões mais violentos e agressivos ao inserir o critério étnico como parâmetro na seleção do escravizado. A questão torna-se comercial. O tráfico negreiro causou danos na sociedade guineense e destruiu as estruturas políticas, sociais e econômicas como em todas as sociedades africanas sob uma forte organização e cumplicidade de grupos africanos e árabes com os europeus. Esclarece Monteiro que na escravização euro-ocidental o escravo tornou-se uma condição do ser, ao passo que na escravização africana ser escravo era uma categoria social: “A escravidão europeia contra africanos foi a mais cruel e extremamente desumana, porque ela se centralizava no trabalho forçado, tortura física e na proibição do desenvolvimento intelectual e cultural dos povos escravizados”. (MONTEIRO, 2013, p.83)

O pesquisador Ampagatubo destaca o caráter militar do Estado colonial que introduziu na sociedade guineense uma nova organização política contra todas as dinâmicas endógenas e destruindo ou ameaçando de destruição as instituições tradicionais, especialmente as dos grupos nomeados animistas, cuja tradição religiosa possui um sistema de crenças incompreensível para a tradição da ciência ocidental. Para Cá o poder colonial desintegrou-se na África ano após ano até meados do século XIX quando vários países africanos dão inicio a suas independências nacionais lideradas pelas reconhecidas elites negras das colônias portuguesas organizadas em movimentos ou partidos.

Duas falas sobre esse período histórico me chamaram atenção. A primeira diz respeito a uma possível vitimização do africano diante dos fracassos estruturais pós-independência. Essa categoria comumente utilizada pelo opressor sobre a vítima, atrelada às vezes a meritocracia, aponta a ideia de que é um atraso relacionar as cicatrizes atuais aos eventos do passado.

Uma tendência de hoje em dia é de se... A áfrica sob qualquer coisa dizem que é o colonialismo. Quer dizer, o colonialismo passou a ser uma espécie de bode expiatório para nossos próprios fracassos atuais. Ainda hoje, 40 anos, ou 60 anos depois de algumas

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independência, continuam a dizer que o mal foi o colonialismo, que foi o colonialismo que fez isso, que fez aquilo, não criou condições, mas nós já tivemos tempos para criar pelo menos condições para montar boas estruturas e não conseguimos. Pesquisador Nº 1.

O pesquisador Nº 1 acredita que já houve tempo suficiente da África superar os problemas que ele chama de “próprios fracassos”. Contudo acho importante considerar que enquanto a ciência, a filosofia, o pensamento que orienta os intelectuais para a reconstrução dos países no continente continuarem sendo apenas de base epistemológica ocidental as soluções para os problemas continuarão não obtendo resultados. Outro ponto a destacar nessa mensagem é a internalização dos problemas como fracassos individuais, ou nacionais, como se as cicatrizes fossem resultados de uma incompetência para evitar as feridas. Acredito que a pauta do colonialismo e imperialismos nas teses e entrevistas aparecem como uma tentativa de despertar a maioria adormecida sobre o mal que o grande Maafa nos causou. Perceber as cicatrizes sem conhecer nossas próprias versões sobre como elas existiram é um grande problema para nós. A segunda mensagem o pesquisador Nº 2 aponta para um possível caminho de saída diante das cicatrizes do passado:

Então tinha essa discussão da colonização, se foi bom ou não (para África)... Isso você encontra hoje em algum discurso de chefe de estado como do ex-presidente do Senegal Abdoulaye Wade que diz que colonização/escravidão hoje é estéreo que precisamos cavar uma cova... Aconteceu, aconteceu. Ou seja, o fim da história. Ele estudou na frança. Isso me marcou bastante, o fato de poder ouvir falar do Cheik Anta Diop, Joseph ki-zerbo, de trazer para nós os resistentes do Senegal, de Guiné e muitos outros. Então isso é algo que me acompanha. Isso mexeu muito com a minha autoestima, mexeu muito com o olhar que eu tenho hoje sobre meu povo, sobre mim, sobre a colonização, sobre a escravidão. Que não é um fato que aconteceu porque o africano amoleceu, que africano deixou. Pesquisador Nº 2

Ao conhecer o pensamento pan-africanista o pesquisador mostrar como se fortaleceu, como encontrou respostas e como ressignificou esse período histórico de tanta violência e desvalorização. Há no continente africano vários países que desenvolveram modelos próprios e originais de responder ao marco histórico da colonização. Foram mais de quatros séculos que não devem ser esquecidos, por que não só decapitou as estruturas sociais existentes como as pessoas existentes, mas devem ser invertidas as perspectivas de análise e principalmente ao período anterior a colonização.

160 5.1.3 Conferência de Berlim

A delimitação física-política da atual Guiné Bissau, segundo Furtado (2005), é a resultante da Convenção de 12 de Maio de 1886, assinada entre Portugal e França, no quadro da Conferência de Berlim, outro evento histórico mencionado pelos colaborados desta pesquisa.

Figura 6 – Mapa de Guiné-Bissau

Fonte: MONTEI RO, 2013, p. 97

A Conferência de Berlim foi para Djaló uma partilha acelerada num gesto inequívoco de violência geográfica, por meio do qual todo o espaço no solo africano foi recortado, ganhando um mapa para ser explorado e submetido ao controle da geopolítica internacional com conceitos (como o de fronteira) distantes da compreensão daqueles cujo acervo simbólico era totalmente distinto. Como vimos no capítulo 4, foi um evento seguido de um período de grande violência, ocupações e destruições em que os tratados estabelecidos liberou a Europa realizar um verdadeiro massacre sobre os povos africanos.

Para Monteiro (2013) a divisão arbitrária desta conferencia- revestida de “tratados diplomáticos”, separou de forma autoritária os povos autóctones sem respeitar os acordos existentes. Encurralam a maioria dos países africanos, transformando-os, por sua vez, nos chamados “Estados clientes”: que mesmo depois de independentes mantiveram-se acoplados

161 à dominação das antigas potências coloniais desenvolvendo uma espécie de dependência política e econômica financeira e diplomática protegidos pelos acordos internacionais.

A partilha da África é citada por Monteiro, Djaló, Ampagatubo, Semedo e Furtado como fato da história africana que dividiu territórios, impôs a convivência, no mesmo espaço geográfico, de grupos étnicos que nunca antes conviveram. Além disso, instituíram leis, costumes e línguas diferentes, adotando a política de assimilação aos povos africanos pautada na conversão identitária, regularizada sob a ótica da ideologia do catolicismo, justificando “civilizar” os africanos.

A fragilidade econômica e, sobretudo militar de Portugal, face às influências externas veio também reflectir-se nas ex-colónias portuguesas em África, em particular na Guiné-Bissau. Essas influências traduziram- se essencialmente nas políticas coloniais que faziam, das ex-colónias portuguesas em África, em particular da Guiné-Bissau, meios e instrumentos de compensação da subordinação portuguesa nas relações internacionais. De facto para compensar, a sua subordinação nas relações internacionais nomeadamente com a Inglaterra, os portugueses, após a conferência de Berlim (1884-1885), tiveram que intensificar na Guiné as suas campanhas de ocupação, que só terminaram na primeira metade do século XX, mais precisamente em 1936 com a conquista e ocupação da ilha de Canhabaque no arquipélago dos Bijagós. (AMPAGATUBO, 2008, p. 105)

Para Monteiro, as consequências desta conferência para o continente africano são inúmeras. Desde a implantação acirrada das disputas étnicas, o subdesenvolvimento do continente, a extrema pobreza, até o alto índice do analfabetismo e a perda da autonomia e liberdade. Vale ressaltar ainda que foi desenvolvida no continente uma economia voltada para os interesses europeus, deixando o continente sem uma boa estrutura econômica. Em negrito destaco termos utilizados pela pesquisadora que mais adiante serão analisados.

A desenfreada rivalidade que se verificava no seio das potências europeias, no tocante ao acesso às zonas mais ricas para exploração de matérias primas, impulsionou a convocação da Conferência de Berlim para organizar a divisão legal das zonas de exploração. Cerca de quatorze países europeus se reuniram em Berlim, na Alemanha, a fim de discutirem as formas de administrar as suas colônias em África. (MONTEIRO, 2013, p. 88)

Na partilha territorial de África aconteceram casos em que um mesmo povo ou comunidade era dividido em vários subgrupos, de acordo com o número de candidatos

162 europeus, sem sequer atentar-se para as diferenças culturais dos povos, como também das organizações políticas e sociais existentes, marcados por hostilidades, que tornavam difíceis as suas adaptações às estruturas políticas e administrativas coloniais.

A partilha é um fato histórico conhecido pelos colaboradores da pesquisa como aquele que demarcou e legalizou uma série de ações a favor dos europeus e contra os africanos e que deixou no pós-colonialismo a herança das disputas por territórios e ainda o forçado controle dos governos africanos.

Figura 7 Mapa Território africano antes e depois da Conferencia de Berlim.

Fonte: DJALÓ, 2010.