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PARTE III – O ESTUDO DE CASO: REFLETINDO SOBRE GUINÉ E A CIÊNCIA

Capítulo 5 O País Africano – Guiné Bissau

Nós devemos retornar a imaginação institucional das sociedades africanas à sua tradição de criatividade através da mais larga escala possível da ciência e da tecnologia, e nestas bases rearticular uma teoria e uma práxis que são apropriadas às suas situações. Nós devemos reconstruir a identidade da qual os povos africanos se tornaram alienados pelas vicissitudes da história e de sua própria amnésia. Joseph Ki-Zerbo

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Figura 5 - Mapa Fortaleza-Bissau

Fonte: google Mapas

Chegamos à Guiné Bissau. Guiné Bissau é parte da África. Um continente com 54 países que está dividido em cinco regiões: Setentrional ou do Norte, Ocidental, Central, Oriental e a África Meridional. O pouso foi turbulento e a sensação é de que agora, em terra firme, podemos caminhar devagar enquanto o novo vem surgindo. Territorialmente o país é pequeno, com 36.544 km², o correspondente a 24,5% (4 vezes) menor que a área do estado do Ceará. Com uma população de 1.514.451 habitantes, segundo dados do governo de 2014, o correspondente a um pouco mais de 2/3 da população da cidade de Fortaleza, para termos uma ideia. Guiné Bissau é o 44º em extensão territorial e o 47º em PIB dos 54 países africanos. A população guineense é composta por uma grande diversidade de grupos populacionais, nomeados grupos étnicos pela ciência eurocêntrica, que pode variar entre 02 a

149 30, dependendo do tipo de análise dos pesquisadores como veremos no capítulo 6. Em consequência da colonização, tem-se o Português como a Língua Oficial obrigatória nas instituições de estado, mais ainda o Crioulo como Língua Nacional e outras línguas como Balanta, Manjaco, Fula, Mandinga, Pepel, Mancanha faladas entre a comunidade e a família. A moeda é a Franco CFA (XOF) que equivale hoje (set/2016) a 0,00003% o valor do Real. Um Franco CFA é igual a 0,00555 centavos de Real, ou ainda, você precisa de 180,10 Francos CFA para converter-se em 1 R$. Quanto ao dólar: 1 $ equivale a 584,22 CFA.

Feitas estas apresentações informativas iniciais, partimos em nossa caminhada exploratória na companhia dos anfitriões colaboradores desta pesquisa: Ampagatubo (2008), Cá (2005), Djaló (2014), Furtado (2005), Monteiro (2013), Semedo (2010) e os pesquisadores Nº 1, Nº 2, Nº 3 e Nº 4. Eu e vocês leitores somos passageiros, visitantes, transeuntes, observadores que chegamos até aqui curiosos para conhecer a perspectiva de pesquisadores guineenses inseridos nesta investigação. A finalidade da viagem é específica – atender aos objetivos da pesquisa. (P. 42). Seguiremos então um roteiro de viagem elaborado após Análise de Conteúdo em que cada parada corresponde às categorias que emergiram das mensagens/dos conteúdos das teses e entrevistas dos pesquisadores. Tendências gerais que se repetem e podem evidenciar aspectos interessantes como respostas. Segue abaixo o roteiro que seguiremos:

Tabela 6 Roteiro de Viagem – Capítulo 5

GUI NÉ BI SSAU O AFRI CANO - GUI NEENSE

Parada 1 Parada 2 Parada 3 Parada 4 Parada 5

HI STÓRI A - PODER TERRI TÓRI OS

I DENTI TÁRI OS FORMAÇÃO

O CI ENTI STA E A CI ÊNCI A

CONHECENDO O RACI SMO Na primeira parada serão explorados os aspectos que retratam o lócus do estudo de caso: o que pudemos extrair especificamente sobre Guiné Bissau e/ou sobre a África quando fosse feita uma relação entre país e continente, como na fala da pesquisadora consultada abaixo, que pode representar um conjunto de ideias presentes nas mensagens que não dissocia o guineense do africano. Quando se falou de si, falou-se de um povo, quando se falou da história do país, falou-se da historia africana, falou do continente África. Nessa relação ponderaram-se aspectos positivos: da força, da estética, da riqueza, da resistência, da capacidade de se recriar; e aspectos negativos: das perdas, da escravização, da exploração, da instabilidade, das ausências dentre tantos aspectos que poderemos apreciar no decorrer dos

150 capítulos. Nas entrevistas este pertencimento está diluído em cada questão levantada, nas teses em alguns capítulos específicos (Furtado, Monteiro e Djaló).

África significa resistência, força, um continente de mais de cinco séculos de exploração, escravista, colonialista, ainda consegue proporcionar coisas boas. Quando eu viajo para outros países africanos, quando eu encontro em conferencias com intelectuais africanos todos preocupados em debruçar essa nova epistemologia sobre África, essa nova forma de contar a historia da África, eu vejo como o continente africano não se deixou abater pelos flagelos de cinco séculos de escravidão e colonialismo. Foram momentos sombrios, foram. Subdesenvolveu o continente africano, sim, (...). Pelo que a África apresentava no século VII, VIII e IX das dinâmicas sociais e políticas econômicas, se não houvesse o colonialismo, a escravidão, hoje África seria outro continente diferente. Então eu tenho muita admiração pelo continente africano, tenho muito orgulho de pertencer à África com essa identidade coletiva que nos foi imputado no Brasil. Eu sinto bem. Eu estou satisfeita com a minha identidade, com os meus traços, com a minha cor da pele, com meus cabelos, em momento nenhum eu sinto vontade de mudar para ser outros, a não ser a forma estética de relaxar a raiz. Eu tenho orgulho desse pertencimento, eu tenho essa referência africana. Se eu não viesse africana eu pediria para ser. Eu gosto de tudo, em termos culturais, gastronômicos, é uma rica diversidade. (...) Eu vou para Europa, vou para Portugal, vou pra França, não me encanto como fico encanta quando viajo para Dakar, Benin, Argélia. Você vê outras dinâmicas. Eu vejo Europa linda, aquela coisa, mas não mexe muito comigo como mexe comigo as particularidades dos países africanos. Pesquisadora Nº 4

Vamos seguir, mas antes, gostaria de apresentar a fala de uma amiga guineense, quando em uma tarde em que trançávamos o cabelo, respondeu-me sobre a pergunta de como ela administrava a diferença cultural com o Brasil: “Guineense não pensa sobre diferença cultural. Guineense é guineense, brasileiro é brasileiro”.

Fiquei atenta a estas palavras e a forma como minha amiga encerrou a conversa e mudou de assunto quando eu estava ávida para discutir nossas diferenças. Compreendi então o alerta sobre a importância de conhecer Guiné Bissau e principalmente o pensamento dos guineenses sem focar nas diferenças, mas sim focar no que eu não conheço e quero descobrir, conhecer, reconhecer - sem parâmetros de comparação, para assim evitar os equívocos que outrora destaquei na abordagem epistemologicamente eurocêntrica. Mas, claro, com consciência que estou aqui como uma pesquisadora e uma interlocutora das mensagens que procurei apreciar para compreender as ciências no Ocidente e a inserção das populações negras (como sujeitos e/ou como objetos de pesquisa) no território científico.

151 5.1 Primeira parada: Fatos históricos

HI STÓRI A - PODER