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4. Agricultura familiar

4.1. Agricultura familiar no Brasil

O debate acadêmico em torno da agricultura familiar vem sendo intenso, sobretudo a partir da década de 1990, momento em que o Brasil reconhece, na esfera político- institucional, a relevância das unidades de produção familiares.

Segundo dados do governo federal, a agricultura familiar é responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e representa 40% do PIB na agropecuária. Ela reúne hoje 4,2 milhões de estabelecimentos familiares, representa 84% dos estabelecimentos rurais e emprega 70% da mão-de-obra do campo. Além disso, é responsável pela maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros: 84% da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos, 32% da soja, entre outros. (www.mda.gov.br).

No contexto brasileiro, a expressão agricultura familiar passou a ser utilizada com maior ênfase a partir do final da década de 1980. No campo político, a adoção do termo está relacionada às pressões dos movimentos sociais da América Latina, e à realização de trabalhos acadêmicos que introduziram a expressão. Foram, contudo, as entidades de representação dos agricultores que unificaram o discurso em defesa dos interesses dos agricultores familiares, formando uma nova categoria política, que abarcava os pequenos proprietários rurais, os assentados, os arrendatários e os agricultores integrados às agroindústrias (SCHNEIDER, 2003).

Ainda na década de 1980, somam-se, ao conceito de pequena produção, as noções de integração - para caracterizar os produtores vinculados às agroindústrias e

aos mercados consumidores - e exclusão - para aqueles que haviam sido marginalizados do processo de modernização conservadora. (PORTO; SIQUEIRA, 1994). Nesse sentido, a partir dos anos 1980, a ampliação e consolidação dos complexos agroindustriais no Brasil, apoiados por políticas governamentais, permitiram à agricultura uma integração à indústria, propagada como benéfica e necessária para a modernização do rural brasileiro. Ocorre, entretanto, que tal integração trouxe consigo todo um processo de subordinação da agricultura à indústria, e de exclusão de uma massa de agricultores.

A década de 1990 é marcada pela emergência do debate sobre a legitimação da agricultura familiar por parte do governo federal. De um lado, havia a pressão dos movimentos sociais do campo, com destaque para a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), que exigiam políticas específicas para os produtores familiares. De outro, a Conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, promovida pela ONU, e realizada no Rio de Janeiro em 1992, que teve como questão central o desenvolvimento sustentável e a valorização da biodiversidade brasileira, fez com que as questões ambientais se popularizassem no país. Conseqüentemente, assuntos como agroecologia, uso e manejo racional dos ecossistemas, conservação da biodiversidade, agricultura orgânica, reflorestamento, entre outros, passaram a ser debatidos por diversos setores.

Nesse contexto, a partir da década de 1990, o agricultor familiar vem sendo visto como um ator fundamental para a incorporação de práticas vinculadas à sustentabilidade no Brasil. Com base nas experiências européias, e entendendo a importância da agricultura familiar como possível promotora de ações direcionadas ao “desenvolvimento sustentável”, o governo federal incorpora o discurso da sustentabilidade, aliado à agricultura familiar.

Uma pesquisa fundamental para a consolidação da agricultura familiar nas políticas governamentais foi desenvolvida na década de 1990 por uma parceria entre a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Um dos resultados dessa pesquisa foi a publicação do documento "Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável", de 1994. Nas diretrizes, a agricultura familiar é tida como estratégica para o desenvolvimento rural. O documento classifica os agricultores entre patronais e

familiares, de modo que os agricultores familiares são subdivididos em consolidados,

fragilizados e periféricos75.

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Os agricultores patronais seriam identificados pelas seguintes características: completa separação entre gestão e trabalho; organização descentralizada; ênfase na especialização e padronização da produção; predomínio do trabalho assalariado; e incorporação de tecnologias direcionadas à eliminação das decisões pautadas no senso comum. Já os agricultores familiares são aqueles que apresentam vínculo entre trabalho e gestão por parte dos proprietários; ênfase na diversificação da produção, na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida; uso do trabalho assalariado de forma complementar, e tomada de decisões imediatas.

Em documento de 1996, publicado pela parceria FAO/INCRA, são apontadas as características do agricultor familiar76. Com base nesse estudo da FAO/INCRA, em 1996

é instituído o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), através do Decreto Presidencial nº. 1.946, sendo a primeira política específica para o agricultor familiar. Apesar de ser um marco político, o Pronaf limitou-se à oferta de linhas de crédito a juros baixos para os agricultores familiares denominados em transição77,

apostando na ampliação da inserção destes nos mercados. O discurso do desenvolvimento sustentável também foi incorporado no PRONAF e, em seguida, surgiram outras ações e documentos do governo com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, como o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, de 200278.

O governo federal definiu, no PRONAF (1996), os seguintes critérios para definir quem é agricultor familiar, e, conseqüentemente, para liberar as linhas de crédito do programa: - a renda familiar bruta não pode ultrapassar R$ 27.500,00, sendo 80% do total proveniente da exploração agrícola; - a propriedade não pode ser maior do que quatro módulos fiscais79; - mantenha no máximo dois empregados permanentes, sendo

admitida a ajuda de terceiros, quando a natureza sazonal da atividade exigir.

Com a mudança do governo FHC para o governo Lula, a agricultura familiar passou a receber maior apoio financeiro e técnico do governo federal. A ampliação de recursos para agricultura familiar e a formulação da lei que estabelece a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais são marcos do atual governo.

Com o intuito de ampliar as linhas de atuação e de adequar os critérios de classificação de agricultor familiar ao público-alvo almejado pelo governo, o PRONAF vai passando por alterações. Além de agricultores, também silvicultores, aqüicultores, extrativistas e pescadores são incluídos como beneficiários do PRONAF.

Em publicação de 2004, Schneider; Cazella; Mattei relacionam os beneficiários do PRONAF em seis categorias, definidas pela Resolução nº. 2.692/99-PRONAF, tendo como parâmetro, a renda bruta anual da família:

Grupo A: agricultores assentados da reforma agrária.

Grupo B: agricultores familiares e remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas com renda bruta anual de até R$ 2.000,00.

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[...] o agricultor familiar é todo aquele que tem na agricultura sua principal fonte de renda (+ 80%) e cuja força de trabalho utilizada no estabelecimento venha fundamentalmente de membros da família. É permitido o emprego de terceiros temporariamente, quando a atividade agrícola assim necessitar. Em caso de contratação de força de trabalho permanente externo à família, a mão-de-obra familiar deve ser igual ou superior a 75% do total utilizado no estabelecimento. (FAO/INCRA 1996 apud BLUM, 1999, p. 62).

77 Correspondente a categoria fragilizados, categoria proposta pela FAO/INCRA. 78

Para maiores detalhes sobre a trajetória do PRONAF e a adoção da retórica da sustentabilidade por parte do governo federal, consultar Candiotto e Corrêa (2004).

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No que diz respeito às dimensões de um módulo fiscal, no município de Colombo, um módulo fiscal corresponde a 10 hectares.

Grupo C: agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 2.000,00 e R$ 14.000,00.

Grupo A/C: agricultores oriundos do processo de reforma agrária e que passam a receber o primeiro crédito de custeio após terem obtido o crédito de investimento inicial.

Grupo D: agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 14.000,00 e R$ 40.000,00.

Grupo E: agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 40.000,00 e R$ 60.000,00.

Ao fazer uma avaliação dos dez anos do PRONAF, Guanziroli (2006) demonstra um crescimento do montante de recursos para o PRONAF a partir do ano de 2000. Entre os anos 2000 e 2005 passou-se de uma liberação de R$ 2.189 milhões para R$ 6.300 milhões. O autor recorre, contudo, a outras pesquisas, direcionadas a avaliar a aplicação desses recursos, que apontam para uma relativa concentração de recursos para o Sul do país; e para os grupos C, D e E, de modo que os maiores benefícios vêm sendo destinados ao grupo de agricultores economicamente integrados à produção agroindustrial e de exportação, em detrimento de menores recursos para o mercado interno (arroz, feijão, etc.).

Assim, dando continuidade à política de “fortalecer” a agricultura familiar, em 2006, o presidente Lula sanciona a Lei Federal nº 11.326, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. A lei redefine os conceitos de agricultor familiar e prevê a descentralização - com a participação de municípios, Estados, governo federal e produtores rurais - no desenvolvimento e na gestão dos programas agrários, fato já previsto na constituição de 1988. Passa a haver, no entanto, uma maior flexibilização nos critérios de definição, e uma associação entre agricultor familiar e empreendedor. Tal associação tem dois vieses complementares: permitir o acesso a crédito e outros benefícios provenientes das políticas públicas para a agricultura familiar, aos empreendimentos rurais de propriedade de não agricultores, muitas vezes sem agricultura, e gerenciados a partir de uma lógica economicista/mercantil; e incentivar os agricultores familiares a se tornarem empreendedores e a administrarem suas UPVFs como empresas, contribuindo também para a propagação da racionalidade hegemônica predominante.

Pela referida Lei Federal nº 11.326/2006, no artigo 3º são considerados agricultores familiares e empreendedores familiares rurais aqueles que praticam atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

- não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades

- tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;

- dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Embora seja mantido (no decreto) o tamanho da unidade e a exigência de gestão familiar, a nova lei não determina mais a quantidade de assalariados permitida, mas deixa claro que mais de 50% da mão-de-obra deve ser da família. Apesar de também exigir que mais de 50% da renda familiar venha do estabelecimento, não há nenhuma exigência referente à necessidade do desenvolvimento de atividades agropecuárias, nem um destaque para a agricultura. Ademais, não se exige a residência do agricultor familiar no estabelecimento, ou mesmo na zona rural. A lei incorpora, portanto, a este segmento social (da agricultura familiar), empreendimentos não agrícolas, que podem ser de propriedade e administrados por pequenos empresários urbanos e neo-rurais.

Ressaltamos que o PRONAF incorporou recentemente linhas de crédito destinadas ao fortalecimento do turismo rural na agricultura familiar. Entendendo o turismo como ferramenta capaz de proporcionar a diversificação da renda, a valorização da cultura local, a comercialização da produção pelos próprios agricultores familiares, e ainda estimular o resgate da auto-estima dessas populações, a partir de 2003, o MDA destinou recursos para o agricultores dos Grupos C e D investirem em atividades de lazer e turismo em suas unidades. (www.mda.gov.br).

No Estado do Paraná, em 2005 foi criada a Lei Estadual nº 361/2005, que especifica as atividades de Turismo Rural na Agricultura Familiar. Esta lei considera como Agricultura Familiar as unidades produtivas rurais com as seguintes características: - possuam até 50 hectares de área (sejam proprietários ou não); - desenvolvam atividades agropecuárias de subsistência; - os produtores sejam os administradores diretos da propriedade. Aqui percebemos que o Estado do Paraná também é bem flexível nos critérios de classificação de agricultor familiar. O critério que exige alguma atividade de subsistência na unidade é muito vago, de modo que um empreendimento com apenas uma pequena horta destinada ao consumo dos proprietários e/ou dos visitantes pode ser considerado da agricultura familiar. Nesses critérios também não há nenhuma referência sobre trabalho familiar, renda proveniente do empreendimento, residência no rural e emprego assalariado.

Da mesma forma que na Lei Federal nº 11.326/2006, a Lei Estadual nº 361/2005 ratifica a permissão e o incentivo do Estado para a entrada de atores exógenos e sem vínculos com o rural em atividades caracterizadas da agricultura familiar, como o turismo rural, haja vista a especificidade dessa submodalidade de turismo, inserida no turismo rural. Outra preocupação reside no mau direcionamento e utilização de créditos, isenções e outros benefícios que deveriam chegar até os agricultores familiares, mas que, através de brechas como essas da lei, acabam sendo apropriados por outros atores

economicamente consolidados, que não deveriam ter acesso a tais recursos públicos, haja vista a situação de pobreza e miséria, e as diversas necessidades dos camponeses e agricultores familiares brasileiros.

Apesar das críticas apresentadas às duas leis citadas, na difícil tarefa de definir os critérios a serem utilizados para identificar os agricultores familiares, decidimos nos pautar na Lei Federal nº 11.326/2006, em virtude de sua importância no reconhecimento institucional da agricultura familiar no Brasil, e na Lei Estadual nº 361/2005, pois temos como temática da pesquisa o turismo rural na agricultura familiar, e como lugar da experiência empírica um município paranaense. Ao associar os critérios dessas leis, chegamos às seguintes características:

- propriedades de até 50 hectares (proprietários ou não); (Lei Estadual nº 361/2005) - desenvolvimento de atividades agropecuárias de subsistência; (Lei Estadual nº

361/2005)

- maior parte da mão-de-obra na UPVF proveniente da família; (Lei Federal nº 11.326/2006)

- maior parte da renda familiar proveniente de atividades internas à UPVF; (Lei Federal n° 11.326/2006)

- gestão feita pela família. (Lei Estadual nº 361/2005 e Lei Federalnº 11.326/2006). Ademais, adicionamos dois elementos para identificar os agricultores familiares do CITUR. O primeiro é possuir mais de 50% da renda interna à UPVF, a partir de atividades agrícolas e paragrícolas, pois é um indicador de que a atividade agrícola não foi secundarizada. Outro aspecto não incluído em nenhuma das duas leis, e que achamos importante, diz respeito à residência da maior parte dos membros da família na UPVF, haja vista que a manutenção do núcleo familiar na unidade familiar é apontada, por autores como Carneiro (1999) e Schneider (2003), como um elemento fundamental de manutenção da agricultura familiar.

Assim, portanto, além desses cinco critérios surpra-elencados, incluímos o critério de que 50% da renda interna à UPVF deva ser proveniente de atividades agrícolas e paragrícolas, e o critério de residência da maior parte da família (50%) na UPVF, de modo que selecionamos sete critérios para identificar os agricultores familiares do CITUR.