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Foto 16 Pesque-pague e parque aquático Sítio das Palmeiras

2. A contribuição de Milton Santos para a teoria social crítica através da

2.8. Evento e situação

Como já mostramos anteriormente, Santos atribui grande relevância ao conceito de evento, como uma possibilidade de esse conceito poder relacionar espaço e tempo. Em sua obra de 1996, o autor afirma que os eventos são a matriz do tempo e do espaço, pois o evento é um instante do tempo, dando-se em um ponto do espaço. Esse ponto seria o lugar, depositário final do evento. Devido ao fato de serem portadores da ação presente, os eventos criam o tempo, e são todos novos, pois não se repetem. A cada novo acontecer, as coisas preexistentes mudam seu conteúdo e sua significação. Assim, os eventos mudam as coisas, transformam os objetos, dando-lhes novas características.

Santos e Silveira (2001) enfatizam que o tempo é feito de eventos, e que os eventos são formas de acontecer, e formam a flecha do tempo. O evento é o resultado de uma ação no espaço geográfico, seja no mundo, em um país, região ou lugar. Em qualquer escala, o evento implica uma base material (objetos) e atores (responsáveis pelas ações). Para Santos (1996, p. 144), “se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento é um veículo de uma ou algumas dessas possibilidades existentes no mundo. Mas o evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes num país, numa região ou num lugar."

Santos (1996) indica que a natureza é composta de padrões, que podem ser analisados através dos eventos, e alerta que é preciso diferenciar os eventos naturais, que têm uma gênese e duração natural, dos sociais e históricos, que têm uma gênese social e uma duração organizacional. Os eventos históricos supõem a ação humana, de modo que evento e ação são sinônimos. Os eventos podem ser planejados ou não, e não há evento sem ator/sujeito. Assim como não há evento sem ação, os eventos permitem

47 [...] a história do homem de nossa geração é aquela em que os momentos convergiram, o acontecer de

cada lugar podendo ser imediatamente comunicado a qualquer outro, graças a esse domínio do tempo e do espaço à escala planetária. (SANTOS, 1996, p. 162).

aos objetos participar ativamente da produção do espaço, pois qualquer objeto, para estar no espaço e no tempo, precisa estar relacionado com algum evento48.

A chegada de uma inovação técnica pode corresponder a um novo evento, ao passo que um evento pode mudar o território e criar outra história. Os eventos criam uma continuidade temporal, separada em períodos significativos, e, por isso, Silveira (informação verbal) afirma que a relação tempo-espaço/espaço-tempo pode ser entendida pelos eventos. Seguindo os estudos de Milton Santos, Silveira (informação verbal, 2006)49 entende que os eventos se dão em meios geográficos preexistentes,

feitos de normas e formas culturais (costumes, ideologias).

Os recursos totais do mundo ou de um país, quer seja o capital, a população, a força de trabalho, o excedente, etc., dividem-se pelo movimento da totalidade, através da divisão do trabalho e na forma de eventos. A cada momento histórico, tais recursos são distribuídos de diferentes maneiras e localmente combinados, o que acarreta uma diferenciação no interior do espaço total e confere a cada região ou lugar sua especialidade e definição particular. (SANTOS, 1996, p. 131).

Santos (1996) ainda aponta para a existência de eventos mundiais, nacionais, regionais e locais, mostrando a possibilidade de qualquer escala geográfica ser afetada por um evento. Santos, no entanto, alerta que os Estados se constituem nas forças capazes de produzir eventos que incidam sobre áreas extensas (países). Essa legitimidade dos Estados nacionais se dá por meio das normas, que abrangem todo seu território. Não obstante, mesmo tendo o dever de acatar e seguir as normas nacionais, Estados, municípios, entre outras “[...] autoridades intermediárias (províncias, regiões, áreas metropolitanas) exercem seu papel de produtoras oficiais de eventos, mas sobre superfícies menores que o território nacional" (p. 121).

Todavia, considerando a atual hegemonia de determinados atores sociais, sobretudo firmas transnacionais no espaço e no tempo, a origem da maior parte dos eventos se dá na escala global, pois, como afirma Santos (1996), na era da globalização, os eventos são globalmente solidários. Entretanto, o autor ressalta que, “[...] no exame do processo que levou à constituição de um evento, é insuficiente considerar, apenas, o universal" (p. 101).

Apesar de destacar a importância do Estado como produtor oficial de eventos; a influência de atores com intencionalidades globais/verticais na origem dos eventos; e de afirmar que os eventos podem se manifestar nas diversas escalas geográficas, Santos (1996) reconhece que cabe ao geógrafo apreender a manifestação de eventos no lugar. “É através do evento que podemos rever a constituição atual de cada lugar e a evolução conjunta dos diversos lugares, um resultado da mudança paralela da sociedade e do

48 A conexão existente entre os objetos é dada pelos eventos, isto é, o tempo se fazendo empírico, para

poder encontrar os objetos. [...] O mundo em movimento supõe uma permanente redistribuição dos eventos, materiais ou não, com uma valorização diferencial dos lugares. (SANTOS, 1996, p.158).

49

Informação verbal retirada de palestra ministrada por Maria Laura Silveira em setembro de 2006 na USP, no seminário em homenagem aos 10 anos da obra "A Natureza do Espaço", de Milton Santos.

espaço.” (p. 155). “O evento é um veículo de uma ou algumas das possibilidades existentes no mundo, na formação socioespacial, na região, que se depositam, isto é, se geografizam no lugar” (p. 115).

Em consonância com sua abordagem pautada na relação global/local, Santos (1996) diferencia a escala da origem das variáveis envolvidas na produção do evento, geralmente vinculada a interesses hegemônicos globais, ou seja, às verticalidades; da escala do impacto da realização do evento, correspondente às escalas inferiores, mas, sobretudo ao lugar, onde se manifestariam as horizontalidades. “No primeiro caso, temos a escala das forças operantes e no segundo temos a área de ocorrência, a escala do fenômeno.” (p. 152). “Uma coisa é um evento dando-se num lugar e outra é o motor, a causa última desse evento” (p. 179).

Nesse sentido, fica claro que existem dois níveis de existência do evento, sendo o global e o local, que são interdependentes. “Os eventos operam essa ligação entre os lugares e uma história em movimento. A região e o lugar se definem como funcionalização do mundo e é por eles que o mundo é percebido empiricamente.” (SANTOS, 1996, p. 165). Em função da interdependência entre a escala global de origem do evento e a escala local de realização deste, é insuficiente considerar apenas o universal ou o particular, pois “cada evento é um fruto do Mundo e do lugar ao mesmo tempo" (p. 131).

Ao considerar a necessidade de produzir um esquema metodológico que permita elaborar um retrato dos lugares na história do presente, Silveira50 (1999) apresenta

algumas reflexões sobre como a idéia de situação geográfica poderia contribuir para uma proposta de método pautado no conceito de evento. Para a autora (1994, p. 22), a idéia de situação encontra-se vinculada à noção de evento, pois “a situação decorreria de um conjunto de eventos geograficizados”, superpostos, e, por conseguinte, espacializados no lugar. “Muda o valor dos lugares porque muda a situação. Assim, ao longo do tempo, os eventos constroem situações geográficas que podem ser demarcadas em períodos.”

Se, de um lado, os lugares participam de um comando e de um ritmo unificados, graças às técnicas, de outro, eles não se homogeneizam graças aos seus arranjos anteriores e à multiplicidade de intencionalidades e ações. As normas também participam da tendência à unificação dos lugares. Todavia, as situações nos lugares são diferentes e sua abordagem permitiria captar o diverso. (SILVEIRA, 1999, p. 25).

Não obstante, o conjunto de eventos superpostos em um lugar desencadeia uma situação geográfica que, certamente, será alterada com a inserção de novos eventos. Para Silveira (1999, p. 26), a situação “[...] é o cenário para novas formas de produção e de vida, para novas ações e para a implantação de novos objetos, respondendo a novas

50 Maria Laura Silveira foi orientanda de Milton Santos, e vem procurando interpretar e contribuir para a

aplicação e avanço da teoria do renomado geógrafo. Suas argumentações também foram fundametais para essa pesquisa.

racionalidades, a novas intencionalidades, a novos futuros.” Sendo assim, ao centrar sua análise em determinado evento, caberia ao geógrafo apreender a situação que leva à ocorrência do evento pesquisado, assim como a influência do evento – após sua realização - na alteração dessa situação.

Entendemos que o conceito de situação permite considerar elementos da configuração espacial (população, economia, recursos naturais, localização geográfica) do lugar, anteriores à manifestação do evento, que contribuíram para sua manifestação51.

A situação é construída pela superposição dos eventos, que, por sua vez, são delimitados através da periodização, outro conceito utilizado por Santos (1996) e Santos e Silveira (2001). Sabendo que cada evento tem uma escala de origem (global) e uma escala de realização (local), e que estas escalas possuem dinâmicas diferenciadas, apesar de interdependentes, urge buscar apreender as diversas manifestações escalares de determinado evento. Para tanto, o conceito de periodização contribui para a delimitação temporal do evento.