• Nenhum resultado encontrado

Foto 16 Pesque-pague e parque aquático Sítio das Palmeiras

2. A contribuição de Milton Santos para a teoria social crítica através da

2.7. O tempo na Geografia

Tradicionalmente, o espaço sempre foi uma categoria basilar na Geografia, do mesmo modo que o tempo é a principal categoria de análise da História. Podemos afirmar, no entanto, que, na Geografia, a relação espaço-tempo foi mais bem trabalhada do que na História, que não atribui muita relevância ao espaço. O debate sobre o espaço como categoria para a apreensão da sociedade contemporânea não é exclusividade dos geógrafos, e hoje permeia as reflexões de várias ciências sociais. Seria, porém, uma redundância falar em espaço sem considerar o tempo. Santos (1996) destaca a importância do tempo na efetivação dos sistemas de ações e objetos, que, por sua vez, são elementos constituintes do espaço. A idéia de tempo é inseparável da idéia dos objetos e de seu valor. Cada ação se dá segundo seu tempo e, em cada lugar, o tempo atual se defronta com o tempo passado, cristalizado em formas.

A idéia de compressão tempo-espaço proposta por Harvey (1989) reforça a concepção dialética destas categorias, porém o autor parece dar mais ênfase ao tempo, dizendo que há uma aceleração do tempo da produção, da distribuição e do consumo, enquanto o espaço é reduzido e tende a ser aniquilado.

Concordamos com Harvey no que tange à aceleração do tempo e à redução do espaço, pois as inovações técnicas e tecnológicas permitiram realizar diversas atividades em um período de tempo menor, da mesma forma que o espaço passa a ser cada vez mais dominado por atores hegemônicos de influência global. Não acreditamos, contudo, na aniquilação do espaço, mas, sim, na sua produção/transformação constante, desencadeada tanto por atores locais, mas principalmente, por atores exógenos.

Santos (1996, p. 161) tece críticas a essa concepção de Harvey, que preconiza a redução do espaço em decorrência da aceleração do tempo através dos avanços técnicos. “A idéia de que o tempo suprime o espaço provém de uma interpretação delirante do encurtamento das distâncias, com os atuais progressos no uso da velocidade pelas pessoas, coisas e informações.”

Após ponderar sobre a não-existência de um espaço mundial, mas de lugares mundiais, Santos (1994) reforça essa idéia em relação ao tempo, considerando que não existe um tempo único e mundial, mas, sim, temporalidades44. Para o autor (1996), as

temporalidades seriam formas particulares de utilização do tempo e, conseqüentemente, se constituiriam na matriz das espacialidades vividas em cada lugar. Elas não são as mesmas para os atores sociais, mas se dão de modo simultâneo.

Desta forma, Santos (1994) ressalta a hierarquia das temporalidades, ao discorrer sobre existência de temporalidades hegemônicas, resultantes da ação dos agentes

44

Temos, sem dúvida, um tempo universal, tempo despótico, instrumento de medida hegemônico que comanda o tempo dos outros. Esse tempo despótico é responsável por temporalidades hierárquicas, conflitantes, mas convergentes. Nesse sentido todos os tempos são globais, mas não há um tempo mundial (SANTOS, 1994, p. 16).

hegemônicos; e temporalidades hegemonizadas, resultantes da ação de outros agentes sociais com pouco poder. Essas temporalidades estão presentes nos mais diversos lugares, e o encontro destas transforma o espaço e os próprios valores socioculturais. Geralmente, as temporalidades hegemônicas são aquelas vinculadas ao “moderno”, ao “novo”, sendo disseminadas de forma global, enquanto as temporalidades hegemonizadas têm forte influência das dinâmicas e dos atores locais. Todavia, essas temporalidades se encontram e se relacionam nos lugares.

Santos (1996) ainda relaciona diversas escalas de tempo simultâneas. O tempo do

mundo (universal/hegemônico) é o das empresas multinacionais, transnacionais e das

instituições supranacionais. O tempo dos Estados-Nações é o tempo dos Estados nacionais e das grandes firmas nacionais. Entre esses dois haveria o tempo regional, das organizações, dos mercados e das culturas regionais supranacionais. Abaixo do tempo dos Estados-Nações viria o tempo dos subespaços nacionais, regiões e lugares, cujo tempo é o das empresas médias e pequenas, e dos governos locais. O tempo da divisão do trabalho seria o tempo do modo de produção capitalista, e cada divisão do trabalho cria um tempo próprio, diferente do tempo anterior. O tempo do mundo seria, portanto, o mais externo, abrangente de todos os espaços (lugares). Todos os lugares sofrem influência do tempo universal, que é o tempo mais rápido. É, porém, a forma como cada lugar incorpora esse tempo, que os diferencia.

Sabendo que o tempo universal é o mais abrangente de todos, Santos questiona qual seria a extensão de tempo mais interna, e afirma que é o lugar, aquele que carrega consigo o tempo interno. Como já comentamos, porém, qualquer lugar se inter-relaciona com diferentes tempos externos (os tempos descritos acima). “Cada lugar é teatro de tempos externos múltiplos” (SANTOS, 1996, p. 111).

Saquet (2003) concorda com Santos no que diz respeito à existência de duas grandes dimensões do tempo, sendo o tempo histórico e o tempo das coexistências. O

tempo histórico (das sucessões) é sucessivo e horizontal. Ele é resultante de uma

seqüência de processos históricos em movimento constante de superação. Já o tempo

das coexistências refere-se a fenômenos sociais, “[...] que ocorrem no mesmo ou em

diferentes lugares ao mesmo tempo, em ritmos não necessariamente iguais.” (p. 19)45.

Assim, o tempo como sucessão é abstrato e o tempo como simultaneidade (das coexistências) é o tempo concreto, já que é o tempo da vida de todos. O tempo das coexistências carrega consigo todas as temporalidades existentes. “O entendimento dos lugares, em sua situação atual e em sua evolução, depende da consideração do eixo das sucessões e do eixo das coexistências.” (SANTOS, 1996, p. 159).

45

Em cada lugar, os sistemas sucessivos do acontecer social distinguem períodos diferentes, permitindo falar de hoje e de ontem. Este é o eixo das sucessões. Em cada lugar, o tempo das diversas ações e dos diversos atores e a maneira como utilizam o tempo social não são os mesmos. No viver comum de cada

O tempo histórico é dividido por Braudel (1978) em tempos breves (dos instantes), os tempos curtos, e os tempos de longa duração. Para Saquet (2003, p. 20), “tanto os movimento breves como os mais longos fazem a história; presente e passado confundem-se e revelam-se mutuamente. Um está no outro.” Já Santos (1996) centra sua análise no tempo das coexistências, fragmentando-o em tempo rápido e tempos lentos.

O tempo rápido não cobre a totalidade do território nem abrange a sociedade inteira. Em cada área, são múltiplos os graus e as modalidades de combinações. Mas, graças à globalização e a seus efeitos locais, os tempos lentos são referidos ao tempo rápido, mesmo quando este não se exerce diretamente sobre lugares ou grupos sociais. (SANTOS, 1996, p. 213).

Pelo exposto, podemos afirmar que o tempo rápido corresponde ao tempo hegemônico, enquanto os tempos lentos (temporalidades) poderiam ser identificados nas escalas inferiores à global, mas, sobretudo, nos lugares. Sem dúvida, existem lugares – como as metrópoles ou parte delas – que recebem e incorporam esse tempo rápido com mais facilidade. Não obstante, este tempo rápido vai acelerar o próprio tempo local, e torná-lo menos lento.

Saquet (2003, p. 44), ao estabelecer uma relação entre a abordagem de tempo histórico de Braudel e a de tempo das coexistências de Santos, afirma que “cada lugar tem seu tempo ou seus tempos, suas singularidades e, cada tempo, o seu lugar, materializando-se diferentemente em razão de determinações sociais (economia, política e cultura), intimamente ligadas à dinâmica da natureza exterior ao homem.” No que tange às inovações técnicas, Saquet (2003, p. 21) afirma:

O novo não chega a todos os lugares no mesmo momento temporal, mas se objetiva necessariamente ao mesmo tempo com o mesmo ritmo e com a mesma intensidade em diferentes atividades e lugares. Os tempos concretizam-se em lugares distintos e simultaneamente, com ritmos lentos e mais rápidos.

Santos e Silveira (2001) afirmam que o meio técnico-científico-informacional desencadeou transformações temporais, de modo que, de um tempo lento, que era diferenciado segundo regiões, passamos para um tempo rápido, um tempo hegemônico singular, influenciado pelo dado internacional. Os autores citam a existência de tempos do Estado e das multinacionais, que se tornam tempos dominantes no período marcado pelo meio técnico-científico-informacional.

Santos (1996) também aponta que as técnicas modificam a percepção e o uso do tempo46. O autor entende que a convergência dos momentos leva à unicidade do tempo,

e que esta unicidade só é possível com os avanços da ciência e da técnica, que

instante, os eventos não são sucessivos, mas concomitantes. Temos, aqui, o eixo das coexistências. (SANTOS, 1996, p. 159).

46 Cada nova técnica não apenas conduz a uma nova percepção do tempo. Ela também obriga a um novo

uso do tempo, a uma obediência cada vez mais estrita ao relógio, a um rigor de comportamento adaptado a um novo ritmo. (SANTOS, 1996, p. 148).

permitiram a transferência de informações pelo mundo a um tempo quase real47. O

acesso a informações é, no entanto, restrito e relativo, de modo que as informações que chegam à grande maioria da população podem ser distorcidas e manipuladas por pessoas e firmas que produzem a informação e/ou se beneficiam dela.

Essas diversas temporalidades indicam que os tempos são heterogêneos, fato que deve ser considerado nas pesquisas empíricas. Os tempos lentos se combinam ao tempo rápido, formando o tempo das coexistências que se manifesta no espaço e o influencia. Concomitante a isso, os tempos são influenciados pela dinâmica espacial, caracterizando assim a dialética espaço-tempo.