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Foto 16 Pesque-pague e parque aquático Sítio das Palmeiras

2. A contribuição de Milton Santos para a teoria social crítica através da

2.1. Globalização e Lugar

2.1.1. Globalização

2.1.1.2. Mercadoria, consumo e mídia

Ana Fani Carlos (2002) chama a atenção para a racionalidade imposta pelo meio técnico-científico-informacional, racionalidade disseminada pelas firmas globais e incorporada nas políticas públicas de governos dos países centrais e periféricos. Não obstante, a principal forma de disseminar o discurso em favor da globalização e do neoliberalismo encontra-se nas estratégias da mídia, que cria todo um imaginário favorável ao consumismo, ao individualismo, ao empreendedorismo e à competitividade,

através de sites da internet, de programas de televisão e de rádio, de jornais, de revistas, etc.

Carlos (1994) demonstra que o espaço também se torna uma mercadoria como outra qualquer, e, em função da apropriação privada, é comprado e vendido aos pedaços. “Mundializado, o espaço fragmenta-se através de formas de apropriação para o trabalho, para o lazer, para o morar, para o consumo, etc.” (p. 306). Na mesma linha de raciocínio, Gonçalves (1992) aponta que o espaço como um todo se inscreve na lógica mercantil.

Essa fragmentação e mercantilização do espaço conduzem ao processo de segregação socioespacial, onde os lugares mais atraentes e desejados são usufruídos somente por aqueles que detêm capital para pagar pelo uso ou pela posse destes. A grande maioria das pessoas passa a desejar, contudo, aqueles lugares mais divulgados pela mídia, seja para morar, para se divertir ou para trabalhar. Essa padronização dos desejos e das expectativas condicionada pelo marketing e pela mídia e a conseqüente exacerbação do consumo são aspectos apontados por Carlos (2002) e Gonçalves (1992). Através da mídia, os ideais da globalização penetram no imaginário da sociedade e cristalizam-se na busca incessante de cada indivíduo por dinheiro e, conseqüentemente, pelas mais diversas mercadorias que este quiser adquirir. Segundo Iani (1996), “a globalização revoluciona relações de produção e modos de vida em todos os lugares” (p. 44) e, com a globalização, “o consumismo se generaliza e intensifica, transfigurando expectativas e comportamentos" (p. 241).

Ramonet (1999) diz estarmos vivendo a era da alienação da “cultura global”, impulsionada pelo poder dos meios de comunicação de massa, em plena expansão a partir da explosão tecnológica24. Harvey (1989) enfatiza a forte influência da mídia na

manipulação do gosto e da opinião, cruciais para o crescimento e para domínio do capitalismo. Ribeiro (1994) também aponta para a emissão de novos códigos comportamentais através da mídia.

Lucrécia Ferrara (1994) aborda a influência da mídia na percepção e na cultura popular, levando à construção do que chama globalização do imaginário, e destaca o poder da televisão no Brasil. Ferrara (2002) parte do pressuposto de que a globalização do mundo é uma contradição, pois “globaliza-se a partir de uma estratégia que emana de um centro de decisão econômico, o que supõe considerar” que não é o mundo que se globaliza, mas apenas “uma parte privilegiada dele” (p. 48). Como a globalização se efetiva de formas heterogêneas no espaço geográfico, a autora considera que a

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Ao referir-se às estratégias de alienação da mídia, Ramonet (1999) aponta que “novos e sedutores ópios

das massas propõem uma espécie de melhor dos mundos, distraem os cidadãos e desviam-nos da ação

cívica e reivindicativa.” (p. 150). Além da cultura, outros “campos que, durante muito tempo, estiveram à margem do mercado”, como o “esporte, religião, morte, amor, estão sendo inteiramente invadidos pelas suas leis da mercantilização generalizada.” (p. 152).

percepção da sociedade sobre uma padronização econômica e cultural ocorre em função da globalização do imaginário25.

Iani (1996) usa o conceito de globalismo para referir-se a algo mais amplo que a globalização, pois entende que o globalismo envolve a dimensão econômica, cultural, política e ambiental, enquanto o termo globalização é restrito à esfera da economia. O globalismo corresponde a outro ciclo da história, mais universal que outros. “As configurações e os movimentos do globalismo são realidades sociais, econômicas, políticas e culturais que emergem e dinamizam-se com a globalização do mundo, ou a formação da sociedade global.” (p. 236). A globalização da economia permite, portanto, o surgimento do globalismo, que modifica a percepção das sociedades, e, a médio e longo prazo, pode apontar para uma convivência mais harmoniosa entre as diversas etnias e classes sociais do mundo.

Na visão de Iani, os reflexos socioculturais decorrentes da globalização da economia, traduzidos no conceito de globalismo, poderiam conduzir a humanidade a uma evolução social, a partir da incorporação de valores como o respeito, a solidariedade e o altruísmo. Todavia, análises de autores como Santos, Harvey, Carlos, Rattner, Sunkel, indicam que as recentes conseqüências socioespaciais da globalização da economia são mais perversas do que promissoras, sendo visíveis através do aumento das desigualdades sociais, da pobreza e da miséria, do fortalecimento do militarismo, e do predomínio de valores consumistas e individualistas.

Apesar de considerarmos salutar a proposta de Iani (1996) no que tange ao devir do globalismo, concordamos com aqueles que questionam e relativizam os propagados benefícios da globalização, pois, ao analisarmos as implicações da globalização até o momento, fica difícil acreditar que esta conduzirá a humanidade a um salto qualitativo em sua evolução. Ademais, não estaremos utilizando o termo globalismo, de modo que optamos por utilizar o termo globalização para nos referirmos tanto aos aspectos econômicos como aos políticos, culturais e ambientais decorrentes desse novo momento onde predomina o meio técnico-científico-informacional.

Após explanarmos sobre a globalização e suas causas, fica claro como esse fenômeno desencadeia uma série de transformações nos lugares, nos territórios e, conseqüentemente, no espaço geográfico. Não obstante, o tema globalização vem permeando grande parte das pesquisas em Geografia. Ao centrar sua análise na escala local, regional, estadual ou nacional, o geógrafo não pode deixar de estabelecer as relações destas com elementos decorrentes do processo de globalização.

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Na globalização do imaginário, “desconsidera-se a variedade territorial e a multiplicidade dos espaços, para admitir o engano de que todos os lugares são iguais porque, em todos, se encontram as mesmas imagens que se espalham nos serviços e aparência dos espaços, notadamente urbanos.” (p. 49). Assim, a globalização do imaginário é similar ao conceito de psicosfera de Santos (1996).

Apesar da força da globalização na produção do espaço geográfico, já vimos que Santos (1996) atribui ao lugar um papel central na interpretação das transformações espaciais, pois entende que o lugar é o receptáculo de objetos e ações, que podem ser globais, nacionais, regionais ou mesmo locais. Apreender o lugar, permitiria, portanto, ao geógrafo considerar os reflexos de ações globais e de outras escalas, pois o universal se manifesta concretamente no particular. Além disso, considerando que a razão local influencia a penetração da razão global, o lugar tem um papel fundamental na cristalização de determinações exógenas, pois os atores endógenos são aqueles que irão receber, incorporar, resistir e até negar tais determinações.