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Foto 16 Pesque-pague e parque aquático Sítio das Palmeiras

4. Agricultura familiar

4.2. Agricultura familiar e o fenômeno da pluriatividade

4.2.1. Aspectos teórico-conceituais da pluriatividade

Fuller é tido como uma referência mundial no debate teórico sobre pluriatividade. Na sua concepção, a pluriatividade refere-se a uma unidade produtiva multidimensional, onde se pratica a agricultura e outras atividades, tanto dentro como fora da propriedade,

e de seus membros. Apreender as dimensões econômica e social das famílias rurais é fundamental para entender suas estratégias de sobrevivência.

pelas quais são recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas. (SCHNEIDER, 2003). “A noção de pluriatividade vem sendo utilizada para descrever o processo de diversificação que ocorre dentro e fora da propriedade, bem como para apontar a emergência de um conjunto de novas atividades que tomam lugar no meio rural”. (SCHNEIDER, 2003, p. 79).

Na visão de Schneider (2003, p. 23),

a pluriatividade refere-se à emergência de situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família com domicílio rural passam a dedicar-se ao exercício de um conjunto variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura e ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção.

Segundo Alentejano (1999, p. 155),

a pluriatividade envolve a diversificação das formas de organização, com multiplicação de estratégias complementares de reprodução dos agricultores, como o assalariamento urbano, a transformação industrial ou artesanal da produção agrícola, e o desenvolvimento de atividades terciárias (serviços e lazer) na propriedade rural.

Alentejano (1999) lembra que, quando a diversificação de atividades surgiu, era para atender a necessidades de subsistência. Hoje, isso também acontece, porém tal diversificação está vinculada ao mercado, e, portanto, aos interesses dos agentes hegemônicos do capitalismo global. Para Carneiro (1998, p. 10), a pluriatividade “é um termo de criação recente do vocabulário técnico, do qual o campo acadêmico se apropriou.”

Procurando apresentar uma definição própria, Schneider (2003, p. 91) entende a pluriatividade como:

[...] um fenômeno através do qual membros das famílias de agricultores que habitam no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou mais rigorosamente, optam pelo exercício de diferentes atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural.

Anjos (2003) afirma que a pluriatividade se insere em um contexto onde a agricultura se encontra submetida, do ponto de vista estrutural, a uma perda de importância relativa enquanto atividade produtiva; e ao crescente vínculo entre a produção agropecuária e a dinâmica de outros setores da economia mundial. Após discutir as correntes de interpretação da pluriatividade, Anjos (2003, p. 90) sugere a seguinte conceituação para o termo:

a pluriatividade é um fenômeno no qual os componentes de uma unidade familiar executam diversas atividades com o objetivo de obter uma remuneração pelas mesmas, que tanto podem desenvolver-se no interior como no exterior da própria exploração, através da venda da força de trabalho familiar, da prestação de serviços a outros agricultores ou de iniciativas centradas na própria exploração (industrialização a nível de propriedade, turismo rural, agroturismo, artesanato e diversificação produtiva) que conjuntamente impliquem no

aproveitamento de todas as potencialidades existentes na propriedade e/ou em seu entorno.

Ocorre, contudo, que, mesmo dando ênfase aos aspectos internos à unidade familiar, o autor atribui importantes funções aos elementos macroestruturais81. Além

disso, segundo Anjos (2003), para apreender as várias manifestações da pluriatividade, é preciso considerar as especificidades geográficas, econômicas, políticas e sociais de cada país. Numa perspectiva geográfica, adicionaríamos, a essa constatação de Anjos, a necessidade de, além das especificidades do país, considerar as especificidades do lugar para apreender a pluriatividade, haja vista a diversidade e a heterogeneidade de lugares existentes em cada país, sobretudo no Brasil. Todavia, a interpretação das especificidades dos lugares está intimamente ligada à consideração de ações provenientes de outras escalas geográficas, como a municipal, estadual, federal e global.

Podemos afirmar que Anjos procura refletir sobre a pluriatividade com base na interação entre elementos microestrtuturais e macroestruturais. Sabendo do debate histórico entre a corrente macroestrutural (de influência marxista), que entende a pluriatividade como conseqüência da expansão do capitalismo na agricultura, e da transição do regime fordista de acumulação para o regime de acumulação flexível; e a corrente microestrutural (com influência dos estudos de Chayanov), que enfatiza a composição e as estratégias de cada família rural como determinantes na adoção (ou não) da pluriatividade, Anjos (2003) mostra-se adepto a uma terceira corrente que busca fundir as duas concepções acima. Nesta, predominam duas premissas: a) é o grupo familiar a unidade de análise, de modo que o interesse maior está na compreensão da dinâmica da família agrária relacionada à sua interação com forças externas; b) há necessidade de conciliar o nível macro com o micro.

Nesse sentido, concordamos com a visão de Anjos sobre a combinação de atividades externas e internas à unidade familiar, e sobre o foco na família como unidade de análise. Entendemos que as estratégias de cada família são fundamentais nas decisões em relação à incorporação de determinada técnica ou atividade. Tais estratégias são, porém, profundamente influenciadas por oportunidades e por ações provenientes de elementos externos à unidade familiar, seja na esfera da economia, seja na da cultura ou da política. Apesar de diversas famílias rurais trabalharem para sua subsistência e terem uma relativa autonomia em relação aos mercados, não podemos aceitar a falsa idéia de que, nesse mundo globalizado, os agricultores familiares não são influenciados por técnicas, normas, objetos e ações externos à sua unidade de produção e vida familiar.

81 A pluriatividade, [...] não se trata de um fenômeno conjuntural, mas o resultado de um amplo processo de

transformação da agricultura, em correspondente sincronia com a dinâmica da economia em geral e no marco da profunda reestruturação que atravessa o modo de produção capitalista. (ANJOS, 2003, p. 90).

Além de Anjos (2003), outros pesquisadores brasileiros, como Carneiro (1999) e Schneider (2003), acreditam que a família se constitui na unidade de análise para apreender elementos da agricultura familiar e, conseqüentemente, da pluriatividade. A abordagem teórico-metodológica de pluriatividade proposta por Schneider (2003, p. 100) “[...] parte das famílias rurais como unidades nas quais a presença da pluriatividade deve ser entendida como um ponto de partida para a reflexão sobre o próprio funcionamento e as características da agricultura familiar no final do século XX.”

Schneider (2003, p. 95) enfatiza a decisão tomada pela família como um aspecto fundamental na adoção ou não da pluriatividade.

[...] mesmo que as unidades familiares estejam submetidas a determinados condicionantes externos, como o monopólio de preços ou os diferentes tipos de mercado (de trabalho, de crédito, de produtos e insumos), o fato de estruturarem-se com base na utilização da força de trabalho dos membros da unidade familiar permitirá que determinadas decisões tornem-se possíveis.

Assim, segundo o sociólogo, “[...] seria um equívoco imaginar que os agricultores familiares sejam meros coadjuvantes [...] e que não contribuam para afirmação e significação da pluriatividade. [...] Para entender a complexidade das relações sociais que são engendradas nesse processo, é preciso estudar a pluriatividade a partir do modo como é exercida pelos próprios agricultores familiares.” (SCHNEIDER, 2003, p. 97).

Apesar de concordarmos com Anjos, Schneider e Fuller, sobre a decisão da família como aspecto determinante na adoção ou não da pluriatividade, entendemos que boa parte das novas oportunidades de emprego e renda para as famílias rurais se encontra nas atividades não agrícolas, haja vista a expansão destas para o espaço rural, e as dificuldades dos agricultores familiares em se manter somente com as atividades agrícolas. Assim, muitas vezes, a adoção da pluriatividade, em suas diversas formas, se apresenta como uma das poucas oportunidades de ampliação da renda da família, e até de sobrevivência da mesma.

Para Schneider (2003), o que define a família pluriativa é, “em primeiro lugar, a combinação de mais de uma atividade, sendo uma delas na agricultura, tendo em vista tratar-se de agricultores familiares pluriativos.” (p. 175).

Sabendo da diversidade de situações que caracterizam a pluriatividade, e buscando contribuir para a construção conceitual sobre a pluriatividade, ousamos apresentar elementos para uma proposta tipológica para as atividades pluriativas. Assim, trabalhamos com cinco situações, sendo quatro características da pluriatividade, e uma que não se apresenta como pluriatividade:

1. Diversificação agrícola interna à propriedade - diversificação das atividades agrícolas e/ou pecuárias dentro da unidade de produção e vida familiar. Além da produção de alimentos, o cultivo de flores, animais exóticos, mudas de plantas, ervas medicinais, entre outros, permite o acesso a novas fontes de renda,

reduzindo a dependência do agricultor a uma única atividade. Esse caso não constituiria pluriatividade, pois não envolve atividades não agrícolas.

2. Pluriatividade decorrente de atividades paraagrícolas na UPVF – além das atividades agropecuárias, há processamento de alimentos (doces, sucos, vinhos, embutidos, etc.) e/ou produção de artesanato com subprodutos agropecuários. 3. Pluriatividade agrícola e não agrícola interna à UPVF - combinação de atividades

agrícolas e/ou pecuárias, e de atividades não agrícolas dentro da propriedade rural do agricultor. O atendimento e comercialização de produtos agropecuários, assim como o lazer e o turismo nas propriedades rurais seriam exemplos.

4. Pluriatividade agrícola interna e externa à UPVF - desenvolvimento de atividades agrícolas e/ou pecuárias dentro da propriedade rural em tempo parcial, combinada com o trabalho assalariado, relacionado também à atividades agropecuárias em outros estabelecimentos rurais.

5. Pluriatividade agrícola e não agrícola interna e externa à propriedade - desenvolvimento de atividades agrícolas e/ou pecuárias dentro da propriedade rural em tempo parcial, combinada com o trabalho assalariado fora da propriedade e em outros setores da economia, como indústria, comércio e serviços, que podem ser realizados tanto no meio rural como nas cidades.

Além dessa limitada classificação, uma diversidade de aspectos intermediários precisa ser considerada, como se o trabalho externo assalariado (agrícola ou não) é formal ou informal, permanente ou temporário; se o assalariado combina atividades agrícolas e não agrícolas dentro e/ou fora da propriedade, entre outras realidades possíveis. Assim, para cada caso a ser analisado, é preciso identificar os tipos de atividades desenvolvidas na UPVF e o tipo de atividade assalariada desenvolvida por membros da família fora da UPVF.