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4. Agricultura familiar

4.3. Pressupostos teórico-metodológicos para apreender a agricultura

Com base na abordagem geográfica de Santos (1996) cabe afirmar que, para apreender a dinâmica socioespacial, faz-se necessária a busca pela interpretação dos eventos, relacionando de forma dialética o local e o global, pois ambos fazem parte de uma mesma realidade. Para tanto, o geógrafo deve partir do local, isto é, buscar a realização do evento em um lugar, e, relacioná-lo à origem do evento, que geralmente é global.

Além da proposta geográfica de Milton Santos (1996), os pressupostos teórico- metodológicos da sociologia rural para o estudo da agricultura familiar apontados por Schneider (2003) indicam que cabe apreender a dinâmica da agricultura familiar a partir dos elementos internos da unidade familiar, considerando a unidade de produção familiar (estabelecimento rural produtivo), mas principalmente a unidade doméstica (grupo familiar), haja vista que as estratégias produtivas/econômicas das famílias dependem do contexto social das famílias (hierarquia familiar, formação pedagógica/técnica, acesso à informação e à assistência técnica, atividades laborais, relações sociais dos indivíduos na comunidade, crenças e regras).

Apesar da ênfase à dinâmica endógena da unidade familiar, os autores supracitados não deixam de apontar que o endógeno sofre influência de elementos exógenos, de modo que há uma relação dialética entre o particular e o geral, entre o local e o global. Nesse sentido nos remetemos também, a Froehlich e Rodrigues (2005, p. 91), que ressaltam a necessidade de apreender a articulação entre as forças internas e externas atuantes no rural.

[...] no estudo do espaço agrário contemporâneo, é necessário trazer à reflexão os elementos que circulam na produção da realidade de outros espaços sociais, muitas vezes longínquos, e que atravessam as sociedades, num processo hoje cada vez mais ligado aos fenômenos do poder. Tal dinâmica tem a peculiaridade da articulação entre forças locais e forças “externas”, globais, que dão especificidade aos fenômenos sociais, produzidos historicamente em um dado espaço social.

Assim, para o estudo do rural e da agricultura familiar, a apreensão integrada dos fenômenos na escala micro (unidades familiares, comunidades de agricultores, distritos e aglomerações rurais); meso (intituições administrativas regionais, Estados), bem como, de ações, políticas, normas, e outras determinações de escalas macro (instituições e governos federais, mercado financeiro, corporações transnacionais, inovações tecnológicas), é de suma importância para a interpretação do papel, características e diversas situações que permeiam todo o universo de agricultores denominados familiares. Tal apreensão deverá, porém, ocorrer a partir do lugar, ou seja, da unidade de produção e vida familiar.

Para Schneider (2003, p.95),

[...] o elemento central da agricultura familiar é a natureza familiar dessas unidades, assentadas nas relações de parentesco e de herança entre os membros das famílias. É no interior da própria família e do grupo doméstico, [...] que se localizam as principais razões que explicam a persistência e a reprodução de um certo conjunto de unidades e a desagregação e desaparecimento de outras.

Carneiro (1999) privilegia o debruçar sobre a unidade familiar, entendendo que devemos eleger a família como unidade de observação e intervenção, levando em conta os aspectos culturais e o caráter simbólico embutido nas práticas sociais do grupo familiar. Para a pesquisadora, a unidade familiar tem a capacidade de diversificar suas estratégias e se adaptar às condições econômicas e sociais; e o caráter familiar permite certa margem de autonomia em relação às estratégias reprodutivas e na articulação com as condições externas. Carneiro enfatiza, porém:

[...] a idéia de autonomia não implica a formulação consciente das estratégias a serem implementadas pelo grupo familiar nem a independência em relação às condições internas. Mas, diferentemente do trabalhador assalariado, a unidade familiar de produção, por ser sustentada pela íntima relação entre relações de trabalho e laços de parentesco, apresenta maior margem de negociação interna na elaboração de caminhos alternativos de reprodução social. (CARNEIRO, 1999, p. 327).

Em relação à autonomia das famílias para elaborarem suas estratégias de reprodução, entendemos que a unidade familiar tanto pode elaborar novas estratégias a partir de conhecimentos adquiridos, como também pode aceitar e implantar estratégias exógenas (provenientes de outros atores sociais), desde que sejam convencidas pelos atores interessados. Apesar de a decisão final ser da família – ou de algum(s) membro(s) desta – cada indivíduo da família é, de alguma forma, influenciado pelas relações sociais que estabelece, e sua forma de pensar e de agir irá influenciar nas decisões da família.

Acreditamos que o elemento central que fundamenta diversos estudos sobre a agricultura familiar seja este, referente a uma relativa autonomia dos agricultores familiares, pois a posse da terra, o trabalho familiar, o vínculo com a terra e o predomínio de ruralidades na identidade dos agricultores familiares são fatores que permitem a estes poderem decidir as estratégias a serem seguidas, tanto do ponto de vista produtivo como na gestão geral da propriedade. É preciso, no entanto, verificar empiricamente como se dá essa autonomia e até que ponto ela existe, identificando seus aspectos de enfraquecimento e de fortalecimento.

Na busca de compreender melhor os elementos que fundamentariam a autonomia dos agricultores familiares, procuramos elencar o que entendemos serem alguns indicadores dessa autonomia:

- produção para autoconsumo, garantindo uma produção agropecuária diversificada e a segurança alimentar da família;

- gestão familiar da UPVF, que permite à família decidir sobre as atividades produtivas (agrícolas e não agrícolas) da UPVF;

- não ser subordinado a um patrão ou empregador, apesar de muitos terem relações mercantis e obrigações contratuais;

- não depender de trabalho assalariado externo;

- não depender de técnicas e métodos de cultivo convencionais propagados pelas grandes empresas do setor agropecuário.

Ao discorrer sobre as estratégias de reprodução das famílias rurais, Carneiro (1999) diz existir uma tendência ascendente e uma descendente em relação ao peso da agricultura na unidade familiar. A ascendente está vinculada à busca de manutenção da agricultura como atividade principal, enquanto a descendente, à diminuição do peso da agricultura na renda familiar, seguida de uma reorientação no uso da propriedade e da mão-de-obra. A pesquisadora coloca que, a partir da interação com valores urbanos decorrentes da unificação dos mercados, acelera-se o processo de individualização no interior da família e a transformação definitiva da terra em mercadoria. Por conseguinte, a ruptura dos laços entre família, propriedade e trabalho abre espaço para novos usos e novas identidades no meio rural.

Carneiro (1999) aponta três estratégias descendentes, que levam à secundarização da atividade agrícola, e até ao seu abandono: - saída dos filhos da unidade familiar e permanência apenas dos pais, que muitas vezes não têm mais condições de produzir; - investir na formação educacional dos filhos longe do meio rural, fato que pode levar os filhos a perder o interesse em manter a exploração agrícola, e buscar novas alternativas de renda; - diversificar as atividades, incluindo comércio ou prestação de serviços.

Considerando que as atividades não agrícolas vêm aumentando entre os agricultores, sejam eles familiares ou não, e que tais atividades vêm modificando e complexificando o espaço rural e a análise sobre a agricultura familiar, Carneiro (1999) ressalta a importância de reconhecer tanto as famílias pluriativas quanto as não pluriativas, pois ambas exprimem a diversidade de possíveis inserções no mercado (comércio, prestação de serviços, turismo, manufaturas, artesanatos, agroindústrias, etc.).

Conforme aponta Schneider (2003), a agricultura familiar no Brasil é extremamente heterogênea, de modo que seria mais adequado falar em agriculturas familiares. As distintas características históricas, físicas, sociais, econômicas e políticas presentes no território brasileiro devem ser consideradas nas pesquisas, pois nos remetem a formas distintas de exploração familiar. Para Schneider, o mais importante é analisar como se dá o processo de interação social e inserção econômica das formas familiares de produção.

Dentro do amplo conceito de agricultura familiar, existem famílias com relações sociais e econômicas diversificadas, desde famílias camponesas, até as integradas às agroindústrias e as pluriativas. Muitas destas famílias, ao obterem sucesso financeiro com as atividades agrícolas e, sobretudo, não agrícolas desenvolvidas, vão se tornando famílias empreendedoras, ampliam suas relações capitalistas e suas rendas, deixando de ser autônomas para se tornarem assalariadas e até capitalistas. Não obstante, o correto enquadramento dos agricultores familiares por parte do governo federal é de suma importância para garantir que agricultores-empresários e atores sociais de caráter empresarial presentes no espaço rural não se apropriem dos recursos e benefícios das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar.

Sabendo do crescimento do incentivo e das experiências empíricas de turismo rural na agricultura familiar, bem como das conseqüências dessas novas atividades na dinâmica do espaço rural e da agricultura familiar, procuramos a partir da apreensão do Circuito Italiano de Turismo Rural em Colombo (PR), identificar os agricultores familiares envolvidos com o CITUR; verificar mudanças, permanências, ruralidades e urbanidades nas Unidades de Produção e Vida Familiares (UPVF`s), e analisar como o CITUR vem influenciando a autonomia destes agricultores familiares.

Optamos por utilizar como parâmetros para identificar os agricultores familiares inseridos no Circuito Italiano de Turismo Rural, uma associação entre os critérios presentes na Lei Federal nº 11.326/2006 (referente às diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais) e na Lei Estadual nº 361/2005 (que especifica as atividades de turismo rural na agricultura familiar no Paraná), além de incluirmos dois critérios que achamos relevantes para essa identificação86. Em virtude da heterogeneidade dos empreendedores e dos

empreendimentos do CITUR, definir quem são os agricultores familiares envolvidos foi fundamental para a pesquisa.

Após delinearmos os pressupostos teóricos-metodológicos da pesquisa e apresentarmos os conceitos norteadores da mesma nesse primeiro capítulo, partimos para uma caracterização da situação que conduziu à manifestação do evento Circuito Italiano de Turismo Rural. Para tanto, o segundo capítulo a seguir, aborda aspectos da Região Metropolitana de Curitiba e do município de Colombo.