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Embora a discussão sobre as mudanças econômicas e no modo de produção do capitalismo não seja objeto específico desse trabalho, compreendemos que contextualizá-los possibilita entender em que momento histórico a aids emerge nas relações sociais e, especificamente, como as mudanças no modo de produção afetam a todos os trabalhadores, inclusive as PVHA.

Em meados da década de 1970, o desencadeamento de várias mudanças no contexto econômico e político afetaram fortemente o capitalismo e o sistema de produção de mercadorias.27 Como resposta a sua própria crise, iníciou-se um processo

de reorganização do capital, cujos indícios mais notáveis foram o advento do neoliberalismo com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores e a desmontagem do setor produtivo estatal. O setor financeiro passou a ser incentivado como resposta à recessão do processo produtivo (ANTUNES, 2008).

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O binômio taylorismo/fordismo foi a expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, que vigoraram na grande indústria praticamente durante todo o século XX. Baseava-se na produção em massa de mercadorias, e se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e verticalizada. Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, com ações individuais realizadas pelos trabalhadores em esteiras. A atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva. A crise estrutural do capitalismo, a partir do início dos anos 1970, ocorreu no apogeu do fordismo e da fase keynesiana e representou uma crise estrutural no sistema capitalista. Os traços mais evidentes foram: queda na taxa de juros; esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; hipertrofia da esfera financeira; fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; crise do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State); incremento nas privatizações (ANTUNES, 1999).

Essas mudanças acarretaram profundas repercussões no universo do trabalho e das classes trabalhadoras. Podemos dizer que o mundo do trabalho sofreu uma mutação de forte envergadura. E a empresa dita “moderna”, seja ela uma fábrica, uma escola, um banco, ao alterar seu modo de operação, gerou fortes consequências, tanto no que concerne ao trabalho, quanto ao mundo do capital (ANTUNES, 2008, p. 41).

Para garantir a perpetuação dos lucros e do próprio capitalismo, o modo de produção de mercadorias reestrutura-se e se flexibiliza, culminando com a redução de trabalhadores e, em consequência, com a formação de um exército de pessoas excluídas do trabalho, sem premissas de retorno ao mercado formal com as garantias dos direitos trabalhistas — o denominado “desemprego estrutural”.

Essa reestruturação produtiva fundamenta-se ainda no que o ideário dominante denominou de empresa enxuta. A empresa enxuta, a empresa moderna, lean production, a empresa que constrange, restringe, coíbe, limita o trabalho vivo, ampliando o maquinário tecnocientífico, que Marx denominou como trabalho morto. E redesenha cada vez mais a planta produtiva, reduzindo a força de trabalho e ampliando a sua produtividade. O resultado está em toda parte: desemprego explosivo, precarização ilimitada, rebaixamento salarial, perda de direitos, etc. (ANTUNES, 2008, p. 44).

As transformações no capitalismo e, consequentemente, no trabalho culminaram com o acirramento do desemprego. “Em meados dos anos 1980, havia cerca de 850 mil bancários no Brasil. Em 2006, são pouco menos de 400 mil bancários” (ANTUNES, 2008, p. 43).

Nos casos de trabalhadores com doenças que necessitam de constante acompanhamento, como no caso do HIV/aids, as ausências no trabalho para comparecer às consultas médicas e às coletas de exames acabam por acirrar o medo da perda do emprego. Essas situações ocorrem em qualquer doença — diabetes, hipertensão —, mas, para as PVHA, somam-se o preconceito, o estigma e a discriminação, o que pode resultar no medo de demissão e até mesmo na própria demissão.

O portador do vírus tem o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho, como também em exames admissionais, periódicos ou demissionais. Ninguém é obrigado a contar sua sorologia, senão em virtude da lei. A lei, por sua vez, só obriga a realização do teste nos casos de doação de sangue, órgãos e esperma. A exigência de exame para admissão, permanência ou demissão por razão da sorologia positiva para o HIV é ilegal e constitui ato de discriminação. No caso de discriminação no trabalho, por parte de empresa privada, recomenda-se registrar o ocorrido na Delegacia do Trabalho mais próxima (NO TRABALHO..., s/d)

O trabalhador não é obrigado a expor sua condição de pessoa que vive com HIV. Todavia, no processo de tratamento, podem surgir situações que acabam por desencadear a exposição dessa situação, como nos casos de afastamento do trabalho por motivo de doença e internações, em que o trabalhador pode se sentir pressionado a contar os motivos de sua ausência, além do receio da perda do emprego.

As pessoas que fazem acompanhamento em serviços de saúde para o controle do HIV/aids necessitam de um suporte para orientações nos assuntos relacionados à garantia de direitos vinculados ao trabalho. As PVHA, em geral, conseguem exercer suas atividades no trabalho sem necessidade de afastamento e até mesmo ausências, já que majoritariamente buscam conciliar tratamento e trabalho. Entretanto, há casos em que o afastamento do trabalho faz-se necessário, devido a alguma intercorrência no processo de tratamento, sendo necessária a requisição de benéficos junto à Previdência Social.28

Para os integrantes da população que não é segurada da Previdência Social, seja porque nunca contribuíram, seja porque deixaram de contribuir, uma das possibilidades de acessar algum beneficio, no caso de doenças que incapacitem para o trabalho, é a requisição do Beneficio de Prestação Continuada (BPC) da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), alterada pela Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.

O BPC é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais de idade que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993).

De acordo com Lei nº 12.470/11, compreende-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita

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Nos casos de auxílio doença, o benefício é concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos. No caso dos trabalhadores com carteira assinada, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador, exceto o doméstico, e a Previdência Social paga a partir do 16º dia de afastamento do trabalho. Para concessão de auxílio-doença, é necessária a comprovação da incapacidade em exame realizado pela perícia médica da Previdência Social. Para ter direito ao benefício, o trabalhador tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses. Terá direito ao benefício, sem a necessidade de cumprir o prazo mínimo de contribuição e desde que tenha qualidade de segurado quando do início da incapacidade, o trabalhador acometido por algumas doenças, dentre as quais a aids (AUXÍLIO-DOENÇA...., s/d).

seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. “A concessão do benefício à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)” (Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011)

CAPÍTULO 4: RESULTADOS DA PESQUISA

A vida cotidiana é a vida de todo homem. O individuo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico Agnes Heller

Esse capítulo traz os resultados da pesquisa divididos em dois momentos: o primeiro refere-se à pesquisa bibliográfica e documental com uso de documentos do DDAHV, do Programa Municipal de DST/Aids da cidade de São Paulo, sites e outros. Foram coletadas informações sobre os anos de abertura da rede especializada em DST/aids da cidade de São Paulo, sobre os distritos de Campo Limpo e M’boi Mirim e também sobre o SAE Jardim Mitstuani. O segundo momento traz as análises das entrevistas realizadas com PVHA, em uso da Terapia Antirretroviral.