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4.5 Análises das entrevistas: os relatos de quem vive com HIV/aids

4.5.2 EIXO 2 — A VIDA COM HIV/aids

Tópico 2.1 — As mudanças após o diagnóstico

De acordo com Spink (2010) ninguém produz sentido individualmente. O sentido é uma construção social, e tal construção se dá num contexto, numa matriz que atravessa questões históricas e culturais e que é essa construção que permite lidar com situações e fenômenos do mundo social.

Em estudo sobre as representações sociais da saúde e da doença, Herzlich (apud PAULILO, 1999) analisa as atitudes e os comportamentos que elas engendram e o saber que as circunda, nas próprias relações que se criam entre o individuo, a saúde e a doença, articulados com o sistema sociocultural do qual afloram. Foram apontadas três concepções: a doença vivida como destrutiva, como libertadora e como ofício.

● A doença destrutiva: o individuo atingido não vê possibilidade de restabelecer sua identidade, de voltar-se a sentir socialmente integrado.

● A doença libertadora: duas perspectivas se desdobram dessa visão – em uma a doença adquire o sentido de repouso, de ruptura do ritmo do cotidiano. São as doenças benignas, curtas, que não causam dor e significam uma pausa benéfica na vida do individuo. A segunda perspectiva na visão libertadora diz respeito às enfermidades graves, nas quais emergem a possibilidade de dor e morte, carregada de significados mais intensos. A dessocialização imposta toma outro sentido, que não o da exclusão ou morte, mas é vista como liberação e enriquecimento pessoal.

● A doença como oficio: na terceira concepção a doença é tomada como uma situação de aprendizagem, a cura é esperada, o indivíduo conserva sua identidade, a doença lhe dá a oportunidade para um tipo de integração social especifica.

No discurso de alguns dos participantes da pesquisa, o HIV/aids emergiu como uma possibilidade de mudança, de superação e enriquecimento pessoal. Como relata Emanuel, quanto questionado sobre o HIV e as mudanças na sua vida:

O HIV foi um freio, do jeito que eu estava eu ia rapidinho, eu ia morrer, ia preso. Minha esposa ficou dez anos comigo e não sabia das drogas, eu falava que ia trabalhar a noite e passava três dias na bagunça. E entrava sexo, já tive experiências com homens, mas não gostei. O HIV veio de relação com mulher. Se não fosse o HIV eu praticamente ia tá morto por aí, enterrado, paralítico ou alguma coisa. O HIV foi bom... A gente num dia a gente vai morrer, só que a gente não pode adiantar a morte... Se a gente cuida, a gente tem mais tempo de vida com a aids, na droga não ia ter. Eu vivia em porta de muita biqueira, conhecia a perder de vista e meus pais não sabiam (Emanuel).

O HIV/aids põe em xeque ilusões que o homem administra durante a vida, entre as quais a sensação de que a morte é algo muito distante e a de que todos os problemas são possíveis de serem resolvidos. Ousamos afirmar que mesmo com todo o tratamento terapêutico, são variadas as incertezas e um caminho a ser construído. Essas sensações

podem ser vivenciadas de diferentes maneiras, no caso de Emanuel, o HIV parece ter um sentido mais positivo do que negativo, é percebido como responsável pela construção de uma nova fase - o rompimento com as drogas. O HIV tornou a vida possível, pois há tratamento, já no contexto das drogas, sequelas e morte eram as únicas certezas.

A narrativa de Teodoro também aponta mudanças quando fala de sua vida após o diagnóstico do HIV:

Depois do HIV... Antes eu estudava coisas relacionadas ao meu trabalho, porque era uma área que eu trabalhava eu achava que tinha que crescer, eu sempre gostei de trabalhar com gestão, mas eu falei que tem uma coisa que eu amo e não sei o que é; então, depois do HIV, eu fui atrás de descobrir e eu descobri que eu amo é a arte, na verdade... Depois do HIV eu descobri o que eu quero realmente fazer da minha vida... Eu comecei a fazer um monte de coisas, deixei de usar drogas... Eu preferia hoje estar do jeito que está - ter o HIV e ter mudado toda minha vida, mesmo com todas essas confusões da minha vida, hoje eu preferia, hoje eu me sinto mais corajoso, tanto de enfrentar a vida, hoje eu sei lidar com a morte, eu sei lidar com problemas da vida mesmo. Eu sei que não precisaria ter isso pra ter tudo isso, mas foi através disso, poderia ter outro caminho? Sim! Mas foi através disso (Teodoro).

A experiência de viver com HIV/aids envolve um conjunto de fatores a serem considerados, não existe única forma de se viver uma experiência. A dinâmica da realidade impõe a necessidade de considerar um conjunto de mediações que permeiam o cotidiano de quem vive com HIV/aids, como o apoio familiar e comunitário, as condições de vida, o acesso a serviços de assistência e apoio, a maneira como se posiciona frente às múltiplas questões da realidade.

No caso de Teodoro, seu discurso manifesta sentimentos quando analisa ter tido que passar pela experiência do HIV para conseguir ser mais corajoso e lidar com as coisas do dia-a-dia, reforça que poderia ter sido por outro caminho. O HIV o desafiou e ele resolveu enfrentá-lo, mesmo com um rol de dificuldades, assumindo suas vontades no presente.

Outra experiência com HIV refere-se à perda de sentidos nas “coisas” da vida, como dançar, conversar, passear, enfim viver. Esse comportamento pode ser observado no diálogo de Celina, quando fala sobre as mudanças no seu dia-a-dia após o diagnóstico do HIV e detalha seu impacto.

Pra mim eu era assim: tudo estava bom eu cantava, ficava com minhas amigas, agora eu não sou mais aquela de antes, minhas amigas falam: como ela ficou diferente e eu falo: é que a gente vai ficando mais velha, fico até três dias sem ir à porta da minha sala. Eu não fiquei com depressão de me esconder, eu fiquei com depressão, mas eu quero tomar meu banho eu quero fazer minhas coisas... A depressão é uma coisa antiga, mas agravou mesmo ela foi depois que eu fiquei sabendo do HIV

(Celina).

Celina é a única participante com mais de 60 anos. O diagnóstico do HIV aconteceu quando ela estava com 58 anos, com seus filhos já adultos e, assim, suas preocupações envolvem outras pessoas com as quais mantem fortes vínculos, somada à condição de manter o total sigilo o HIV.

Também é necessário destacar que o tratamento e os sentidos atribuídos ao HIV/aids têm fases e momentos distintos, sendo um processo em constante construção e reconstrução. Na entrevista com Arlinda ficaram patentes em seu discurso a construção sobre o HIV e as mudanças na sua história de vida, conforme trecho da entrevista.

R: Quais as mudanças na sua vida após o diagnóstico do HIV?

A: Eu fiquei cinco anos sem tomar remédio por minha conta,

isso foi decisão minha - não vou tomar, não vou tomar! Eu fiquei sabendo e guardei pra mim e foi a pior coisa que eu fiz... Os dias foram passando e eu tive um herpes que me deixou uns 20 dias de cama em carne viva... E aí, eu resolvi procurar o Mitsutani, foi difícil procurar - fui lá olhando para todos os lados... Um lugar estranho, como se todo mundo ali soubesse, na verdade a sensação era assim: eles sabem, por isso que me olham, mas será que vão chegar perto?

R: Você tinha informações sobre o HIV?

A: Eu não tinha informações sobre a doença... Na realidade eu

não queria nem saber pra que cada um daqueles remédios servia, que efeito eles iriam fazer no meu corpo e eu comecei a tomar por tomar, sempre com uma certa indiferença... Eu tomava o remédio quando eu queria - hoje eu vou tomar, amanhã eu não vou tomar e pronto, o médico não vai ficar sabendo mesmo. Só que eu não lembrava que não era ele que tinha que saber, eu tinha que ter responsabilidade comigo... Hoje eu olho pra trás e digo, nossa, o tempo passou, quanto tempo eu perdi em aceitar algo que não tinha como não aceitar.

R: Você acha que o HIV deu uma nova moldura na sua vida?

barreiras, me mostrou que eu posso correr enquanto minhas pernas aguentarem - eu posso correr... O HIV me mostrou coisas que eu não tinha coragem quando eu não tinha o HIV - A coragem, a coragem de abrir a janela sem se preocupar se alguém vai sorrir pra mim ou não... Eu não sei se eu conseguiria viver agora sem o HIV, pelas coisas que ele ficou trazendo na bagagem, essas coisas que hoje tenho coragem... Eu precisei de muito tempo pra chegar hoje... Há alguns anos atrás, se você tocasse no assunto, me perguntasse qualquer coisa sobre o HIV, eu simplesmente iria fazer o possível pra manter distância de você, pra não falar sobre o assunto, hoje eu não tenho medo de mostrar a cara (Arlinda).

O receio do estigma fica perceptível quando se refere ao temor a eventual aproximação das pessoas, “mas será que vão chegar perto?”, expondo o medo de ser estigmatizada e, consequentemente discriminada. Como analisa Goffman (1988, p. 149): “O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro.”

Arlinda, ao longo dos anos vivendo com HIV, com episódios de doenças oportunistas, consegue desconstruir a imagem que tinha da aids, como algo monstruoso e cruel. Para ela o diagnóstico foi uma sentença de morte, passou a perceber uma chance de viver quando se envolveu no tratamento, no uso das medicações e principalmente, quando saiu do seu esconderijo, sem o medo constante de ser revelado o diagnóstico.

Tópico 2.2 — A experiência da doença oportunista - uma dificuldade no processo de tratamento

Antes de iniciar a entrevista com Vânia, ela me dizia que viver com HIV, sem doenças, sem sintomas, proporciona uma sensação de bem – estar e de distanciamento da noção da gravidade da aids. Nemes et al.(2000) analisam que a melhora dos sintomas pode levar a sensação de não precisar da medicação. Já os efeitos de sintomas durante o tratamento com os antirretrovirais podem ser atribuídos aos efeitos das medicações.

Essa participante, com mais de 13 anos de tratamento, passou por dois diferentes serviços especializados em DST/aids, tem amplo conhecimento sobre o HIV/aids, é uma usuária assídua. Entretanto, foi acometida por uma séria doença oportunista, processo que nunca pensou viver; tampouco imaginava a gravidade e o grau elevado de sofrimento.

R: Quais as dificuldades em viver com HIV?

V: Em 2009 eu comecei a namorar o pai do meu filho. Quando

tinha um ano eu descobri que estava grávida, ai eu enlouqueci, porque ter um filho, eu não esperava, eu não queria ter um filho, não pelo fato de não querer ser mãe, mas pelo fato de levar a viver a situação do passado [morte do primeiro filho]. Tive que trocar a medicação, porque não era compatível com a gestação... Eu estava super bem no tratamento, indetectável há dois anos já, com CD4 super alto. A medicação que não foi fácil de trocar, eu não aceitava, eu vomitei os oito meses de gestação, eu tinha diarreia todos os dias da minha vida, mas, mesmo assim, mesmo não aceitando o remédio eu tomava; então eu tomei remédio para enjoo todos os dias. Eu passei a gravidez inteira sem comer, tomando suplemento alimentar. Após o nascimento dele, o médico teria que ver se podia voltar pra outra medicação e se daria efeito. Então eles mantiveram essa medicação... E ai eu fiquei dez meses sem tomar a medicação, foi de 2011, em 2012 eu não tomei. Eu deixei de tomar e tive qualidade de vida, voltei a comer, voltei a ter vida normal eu trabalhava e estudava. Então assim, a princípio, pra mim estava tudo bem, eu sabia que ia ficar doente, eu tinha consciência da falta que me faria a medicação (Vânia).

A experiência dos efeitos colaterais com a TARV pode alcançar tal magnitude que a PVHA acaba por abdicar do uso, mesmo sabendo as consequências dessa ação. No caso de Vânia, não foi um efeito colateral passageiro, ao contrário, impossibilitou suas atividades diárias.

R: Você acha que faltou escuta? (refiro-me aos serviços de saúde)

V: Faltou, faltou. Falei tá bom, ninguém vai me entender, vou

ficar doente e alguém vai me entender e fui levando, fui levando e foi 2012 sem tomar medicação, quando foi em setembro de 2012 eu comecei a ficar doente, e eu já sabia pela experiência que eu tinha anteriormente, comecei a sentir muita fraqueza, já não tinha a mesma disposição, falei preciso procurar tratamento. Ai vem a vergonha, eu larguei o tratamento, como que eu vou chegar num lugar e falar – eu abandonei e agora eu estou doente, é mais uma barreira que você tem que enfrentar, quer queira, quer não, você é cobrada e fui adiando... (Vânia).

O abandono do tratamento distancia a PVHA da rotina de uso da TARV e também do serviço especializado, situação que requer dos profissionais constante atenção a esses casos, tendo em vista, viabilizar o retorno da pessoa, sem a necessidade

de internações, em decorrência de doenças oportunistas. Vânia traz em seu discurso o medo de retomar o tratamento e das cobranças que poderia sofrer no serviço de saúde e, vendo-se sem alternativas, deixa o tempo passar. Entre idas e vindas a hospitais, Vânia continua:

Quando foi no dia 5 [de janeiro] eu fui piorando, vomitava sem parar, já não parava nem água no estômago... Minha irmã me levou para o Emilio Ribas... Eu tive a neurotoxoplasmose, uma doença seríssima, foi terrível, foi a pior experiência da minha vida, é muito sofrido, é muita mutilação, porque eu perdi os movimentos do lado esquerdo todinho, eu não tinha mão, eu não parava de pé, a tontura era uma coisa absurda e você perde noção de tempo e espaço, você perde o raciocínio. Eu acordei dois dias depois, eu abri os olhos e só via que eu estava numa cama de hospital, mas não conseguia assimilar onde eu estava e o que estava acontecendo.

R: Quanto tempo levou essa internação?

V: Foram 72 dias e com 15 dias eu comecei a ter sinais de

melhora, porque já entrou com a medicação e assim foi um momento crucial... Foi muito sofrido, pra mim, pra minha família, para o meu filho, ele achava que eu tinha abandonado ele, eu não podia vê-lo, ele não podia visitar, não tinha acesso e ele, foi muito sofrido em todos os sentidos, tanto fisicamente, quanto psicologicamente (Vânia).

De acordo com o PM DST/Aids de São Paulo (2009), com o advento da TARV, as manifestações clínicas decorrentes da infecção pelo HIV tornaram-se menos frequentes e houve uma melhora substancial no prognóstico e qualidade de vida dos indivíduos infectados. Entretanto, a resistência do vírus às medicações, a toxidade das drogas e a necessidade de alta adesão ao tratamento permanecem como importantes barreiras ao sucesso prolongado da terapia.

O longo tempo de tratamento não significa adesão contínua aos medicamentos e isenção de problemas para o HIV/aids, assim como para outras doenças crônicas. De acordo com Nemes et al. (2000), algum grau de não aderência acontece em todo o mundo, tanto em países ricos como em países pobres, mesmo em doenças que envolvem riscos de vida. A taxa média de adesão tem-se situado em torno de 50% para todos os tipos de tratamento. Há consensos de que as taxas de aderência declinam com o tempo de tratamento.

O Instituto de Infectologia Emilio Ribas - IIER mostrou-se uma importante referência para as PVHA, em especial nos casos de evidência de doenças oportunistas.

Alguns dos participantes salientaram que em algum momento do tratamento recorreram a esse serviço, em especial Emanuel, que também foi submetido à internação em 2012.

R: Quais são as dificuldades em viver com HIV?

E: Eu estou me readaptando pelas sequelas. A doutora [faz referência à profissional do Instituto de infectologia Emilio Ribas] disse que tem uma massa cinzenta no meu cérebro pela

aids, que é toxoplasmose, só que não evolui, nem diminui. Então eu estou passando a me adaptar por vários fatores, às vezes eu esqueço nome de artista, nome de pessoas, eu esqueço do dia a dia, às vezes eu pego e olho assim e falo: esse cara, ai vem a pessoa e fala: ai, cara, você não me conhece, e tal. Acontece com pessoas do meu convívio e às vezes se torna um pouco difícil, eu não tinha isso, eu não tinha isso, mas logo, logo eu vou evoluir, vou melhorar (Emanuel).

Os próprios profissionais de saúde indicam o IIER como referência, para atenção às PVHA, como relatou Emanuel no início da entrevista, ao dizer que “a moça no Mitsutani tinha me falado, se você não se sentir bem, vai ao Emilio Ribas, que eles têm um tratamento que é eficaz”. Realidade que elenca a necessidade contínua de investimentos públicos nesse modelo de serviço, considerando a referência de qualidade na assistência prestada.

Tópico 2.3 — A percepção do preconceito, estigma e discriminação

Para Bobbio (2002), a consequência principal do preconceito de grupo é a discriminação. Por discriminação entende-se uma diferenciação injusta, que vai contra o princípio fundamental da justiça. Pode-se afirmar que há discriminação quando aqueles que deveriam ser tratados como iguais, são tratados de modo desigual. A discriminação significa qualquer coisa a mais do que a diferença ou distinção, pois é sempre usada com uma conotação pejorativa.

Para alguns dos participantes da pesquisa, as manifestações de preconceito sobre o HIV se mostram / se evidenciam pelo receio do contato e também através de manifestações de “piedade” / “dó”. De acordo com os relatos, essa é uma forma de preconceito bastante ofensiva.

R: Como você percebe as situações de preconceito sobre o HIV?

V: Ainda tem, é muito menos, mas ainda assim... A minha única

preocupação em relação à doença ainda é o preconceito. Eu não me preocupo com o tratamento, se a medicação vai dar certo ou não, porque eu sei que vai dar, eu não tenho preocupação nenhuma, a única que eu tenho ainda é com a sociedade.

R: Você vivenciou situações de preconceito?

V: Não, nítida, diretamente não. É aquela coisa, você sabe que

você não é vista como uma pessoa normal - sei lá, todo mundo sabe que você tem, sei lá. Não sei se te olham... Até por dó mesmo. A gente não é digno de nada, acho assim, eu não olho pessoa nenhuma com dó.

R: O dó é uma forma de preconceito?

V: É uma forma de preconceito, não é pra você ter dó de mim,

de repente, é pra admirar (Vânia).

Para Vânia, o olhar de “dó” a desvaloriza, a coloca em desvantagem perante aqueles que não vivem com HIV, como se fosse uma marca, uma rotulação. Esse sentimento nos remete aos estudos de Goffman (1988) o estigma é um atributo profundamente depreciativo e indesejável aos olhos da sociedade. O estigma oculta uma dupla perspectiva: o estigmatizado pode ter sua característica distintiva conhecida e evidente, ou então esta não é conhecida ou imediatamente identificável pelos presentes e nem perceptível. No primeiro caso, está-se lidando com a condição do desacreditado; no segundo, com a do desacreditável.

Goffman (1988, p. 15) destaca o posicionamento das pessoas tratadas como normais perante a pessoa com estigma: “Acreditamos que alguém com estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminação, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida.”

A narrativa de Emanuel também remete a uma situação de pena, que ele percebeu pela atitude amistosa que a pessoa lhe propôs. Na ocasião estava afastado da empresa e foi até a mesma para encaminhar o auxílio-doença.

R: Como você percebe as situações de preconceito sobre o HIV?

E: Eu não me apego muito aos preconceitos dos outros, pra

mim a vida continua normal.

R: Você vivenciou alguma situação de preconceito em relação ao HIV?

E: A dona da empresa conversou comigo [sobre o HIV] não

conversou perto de ninguém. Só que deu certo tempo... Ela falou pra eu comer lá... Foi como se diz, foi porque eu estava com a doença, ela pediu pra eu comer, jantar lá. No geral, não se come lá, a gente come embaixo do restaurante... Aí eu falei não, porque é uma empresa na área alimentícia... Ela chamou para comer, onde comem as pessoas que pagam.

R: Você achou que ela teve pena? E: É, no geral, não se come lá.

E: Você sentiu uma forma de preconceito?

E: Senti, mas bola pra frente, eu não devo satisfações de nada (Emanuel).

No dia a dia há situações difíceis de lidar; possivelmente no caso de Emanuel a