• Nenhum resultado encontrado

Nos anos de 1986 e 1988, duas medicações passam a ser utilizadas para o controle da aids, com acesso restrito aos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos. Conforme Scheffer; Salazar; Grou (2005), alguns pacientes com recursos importavam os medicamentos, não disponíveis gratuitamente no Brasil; outros dependiam de amigos que viajavam para o exterior e traziam comprimidos de AZT (zidovudina) ou o segundo medicamento, ddi (didanosina), usado nos casos de intolerância ao AZT.

Nos primeiros anos da aids no Brasil, os casos notificados eram de pessoas com nível superior de escolaridade. Segundo Marques (2003), esse número foi reduzido para

13% em 1994; em 1996, 87% das pessoas com aids tinham nível primário ou não tinham escolaridade. A doença chegava aos segmentos com menos acesso a serviços e informações, circunstância que configura a expansão da aids, com a infecção de diferentes grupos, entre os quais mulheres, homens heterossexuais e crianças.

Com a evolução da epidemia da aids no Brasil, os ativistas buscaram respaldo na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90). Assim, em 1991, o AZT passou a ser distribuído pelo SUS. Com a divulgação de que o medicamento seria entregue gratuitamente, ampliou-se o cadastro de pessoas com aids nos hospitais públicos. Confirmou-se a hipótese, já apontada por ativistas e epidemiologistas, da existência da subnotificação da doença no País, pois não se tinha real conhecimento da extensão da epidemia (PARKER et al., 1994).

A disponibilidade da medicação pela rede pública foi um avanço, sobretudo pelo acesso universal. No entanto, o AZT não garantiu o controle da doença. Os óbitos motivados pela aids continuavam a ocorrer, mostrando que o uso da medicação tinha eficácia por um curto período. Segundo Scheffer; Salazar; Grou (2005), as pesquisas sobre medicações estavam sendo mundialmente realizadas, em especial na Europa — onde, em 1993, descobriu-se que o AZT não produzia efeito quando usado isoladamente, sendo necessário o uso simultâneo com outras medicações.

Entre 1995 e 1996, são descobertas novas medicações, denominadas “coquetéis triplos”, que impediriam a replicação do HIV no corpo. Essas informações são anunciadas em 1996, na 11ª Conferência Mundial de Aids, em Vancouver (Canadá). Esses “coquetéis” abrem um novo momento na história da aids: a esperança de tratamento passa a existir, o sofrimento em decorrência das doenças oportunistas já podia ser controlado.

No ano de 1996, a Europa e os Estados Unidos registravam 50% da redução de óbitos, queda produzida pelos novos esquemas de medicações. Segundo Scheffer; Salazar; Grou (2005), durante o 3º Congresso Internacional de Tratamento da Infecção pelo HIV em 1996, especialistas afirmavam que o novo modelo de tratamento seguia a teoria do “bater cedo e forte”, com início precoce da terapia tripla para todos os infectados.

O desafio estava em garantir o acesso às novas medicações pelo SUS no Brasil. No mesmo ano, no Brasil, ONGs-aids intensificaram as mobilizações em diversas partes do País, construindo uma rede de pressão junto ao poder público para compra das novas medicações. Mesmo com a inovação no tratamento, o acesso ainda passava pelo poder

de compra.15 “A melhora é notável. Mas há a parte dramática, já que só as pessoas que

têm recursos podem comprar a nova medicação. Aqueles que não podem comprar veem as notícias pelos jornais e televisão e ficam esperando a morte chegar” (HERBERT DE SOUZA, apud SCHEFFER; SALAZAR; GROU, 2005, p. 24).

O Brasil vivenciou, assim como diversos países, uma situação de pânico e injustiça, de desrespeito aos direitos humanos, pois existia a possibilidade de controlar a aids, mas a saúde pública não teve a iniciativa de avançar na aquisição das medicações. Uma alternativa, ainda pontual, mas de grande expressão, foi a requisição de novas medicações junto ao Poder Judiciário, iniciativas que partiam de ativistas das ONGs- aids.

De acordo com Scheffer; Salazar; Grou (2005), a primeira ação judicial foi movida por advogada do Gapa São Paulo, em defesa da ativista e professora Nair Soares Brito, com resultado favorável. Em seguida, veio outra liminar favorável em ação semelhante, inclusive uma ação em favor de mais de 20 pacientes. O estado de São Paulo, governado na época por Mario Covas, tentou cassar a liminar, sob a alegação de que isso poderia criar altos custos para a gestão estadual, fato que não ocorreu,

Em 1996, o Brasil tinha notificados 22.807 casos de aids, dos quais 7.110 de heterossexuais, números que, somados à mobilização social, resultaram na publicação, no governo federal de Fernando Henrique Cardoso, da Lei nº 9.313, de 13 de novembro de 1996, que obriga o SUS a fornecer os medicamentos para o tratamento da aids e ficou conhecida como Lei Sarney, por ser de autoria do senador José Sarney.

De 1996 a 2001, o fornecimento das mediações denominadas de “terapia antirretroviral” (TARV) passou por um processo de construção, com avanços e recuos. A proposta era adequar o Programa Nacional de Aids ao paciente, e não uniformizar o tratamento sem considerar as especificidades de cada grupo e até mesmo de cada caso.

Se, de um lado, as ONGs pressionavam o poder público, de outro também se aliavam em “bandeiras comuns”, como a quebra das patentes das medicações, dado o custo elevado e o aproveitamento da indústria farmacêutica internacional. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as parcerias firmadas pelo Ministério da Saúde com laboratórios oficiais e indústrias privadas brasileiras geraram

15

Segundo Turra (1996), os medicamentos tinham valores extremamente altos — em média de R$ 300 a R$ 500, por frascos que duravam um mês —, que inviabilizavam sua aquisição por muitas pessoas portadoras do HIV e doentes de aids.

uma economia media de R$ 160 milhões por ano para o SUS, para a produção de 24 medicamentos destinados ao controle do HIV (ANVISA, 2011).

Os investimentos nas medicações significaram melhores condições de vida para as pessoas com aids, com ótima recuperação do sistema imunológico e, consequentemente, a redução das doenças oportunistas.

Desde 1996, segundo França e Vidal (2008), com o início do fornecimento da terapia com antirretrovirais pelo SUS, o índice de mortalidade por aids caiu de 40% a 70% entre os anos de 1997 e 2003 no Brasil. Também houve diminuição de 360 mil internações e 58 mil mortes. Nesse período, o custo total de antirretrovirais foi de aproximadamente US$ 1,6 bilhão, e houve redução de US$ 2 bilhões referentes a custos de internações e cuidados ambulatoriais, indenizações e perda de produtividade.

Pesquisa realizada em tese de doutorado por Souza Junior (2009) avaliou a condição de saúde de 1.260 pessoas que faziam uso da TARV. Os resultados revelaram que 65% das pessoas que estavam em tratamento consideraram seu estado de saúde como bom ou muito bom. Uma explicação para esse resultado estaria na melhora na qualidade de vida dos pacientes de aids e a esperança de uma vida longa após o advento da TARV. Esta hipótese é corroborada pelas características dos pacientes estudados, tais como a ausência de sintomas relacionados ao HIV e de efeitos colaterais ou adversos do tratamento.

A TARV também trouxe amplos avanços na redução da transmissão materna infantil. A transmissão vertical do HIV pode ocorrer com a passagem do vírus da mãe para o bebê durante a gestação, no trabalho de parto, no parto propriamente dito (contato com secreções cervicovaginais e sangue materno) ou na amamentação. Cerca de 35% desses casos acontecem durante a gestação; 65%, no periparto; e há um risco acrescido de transmissão através da amamentação entre 7% e 22% por mamada (PROTOCOLO PARA A PREVENÇÃO..., 2007).

Nos casos com resultados de mães soropositivas para o HIV, há um modelo específico de atendimento, que atualmente inclui acompanhamento em serviços especializados em HIV/aids, uso de TARV pela mãe durante a gestação e pelo bebê após o nascimento, além de medicação para impedir a produção do leite materno.

Para dar visibilidade à importância do pré-natal, é preciso considerar os estudos divulgados e as estatísticas apresentadas pelo Ministério da Saúde. Esses dados comprovam que, de cada 100 mulheres que cumprem o protocolo, há possibilidade de

duas crianças se infectarem; se, pelo contrário, esse protocolo não for respeitado, o risco é de 30 crianças se infectarem pelo HIV (GUERRA, 2006).16

16

A Secretaria de Saúde paulista implantou, em 2010, o Ambulatório de Reprodução Assistida, vinculado ao Centro de Referência e Treinamento DST/Aids Santa Cruz, voltado a casais soropositivos e sorodiscordantes (em que um dos parceiros, normalmente o homem, é soropositivo e a mulher não) com inseminação artificial, destinada às PVHA que desejam engravidar. Trata-se do primeiro do gênero com atendimento via SUS do Brasil (SÃO PAULO [estado], 2010).

CAPÍTULO 2: A DIMENSÃO DA EPIDEMIA E A ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS